«É o homem que se é, que triunfa no treinador que se pode ser.»

É com esta citação do Professor Manuel Sérgio, que André Azevedo descreve Diego Pablo Simeone, treinador do Atlético de Madrid.

Quem?, perguntará o leitor. Vamos por partes.

23 de dezembro de 2011. Este dia marca o início do Atlético de Madrid de Diego Simeone. Escrevo Atleti de Simeone pela capacidade que o treinador argentino teve para criar uma identidade própria, um estilo tão característico que é quase heresia dissociar o clube do treinador.

Ora, volvidos seis anos, a 5 de setembro de 2017, técnico e clube decidiram continuar a caminhar juntos até 2020. A meio do percurso do argentino em Madrid, surge André Azevedo, um treinador português, que teve oportunidade ímpar de entrar no «mundo de Simeone».

Mas afinal como surge a oportunidade do português estagiar com a equipa técnica de Diego Simeone?

A ideia tem o Estádio do Dragão como ponta de partida, num encontro entre os colchoneros e o FC Porto do «amigo» Paulo Fonseca, que junta Paulo Futre e o conceituado professor José Neto até à chegada a Majadahonda, Madrid.

«A ideia surgiu quando o FC Porto do Paulo [Fonseca] jogou com o Atlético de Madrid. Quando o Atlético veio ao Dragão, fomos ver o jogo. E houve uma particularidade que nos chamou a atenção: a forma como eles aqueciam. Naquela altura e ainda hoje, defendemos que a maior parte das equipas aquece de forma errada para jogar. A forma como aquecem não espelha a forma como vão jogar. Ao ver o Atlético de Madrid, percebemos que ele estavam a fazer exatamente o que iam fazer em jogo. Ficámos com isso na cabeça», começou por contar em declarações ao Maisfutebol.

Nova edição do Congresso Internacional de Futebol, organizado pelo ISMAI [Instituto Universitário da Maia], tornou-se no pretexto ideal para André Azevedo e dois amigos homenagearem duas figuras de proa da história do Atlético de Madrid.

«Em outubro, eu e dois colegas, começámos a preparar o Congresso Internacional de Futebol. Decidimos homenagear duas pessoas ligadas ao Atlético de Madrid: o Paulo Futre e o Diego Simeone, uma referência para nós naquela altura e que acabou por confirmar o que pensávamos dele. Juntamente com o Professor José Neto, antigo treinador do FC Porto, tentámos chegar ao Atlético de Madrid através do Paulo Futre. Sempre que ele vinha a Portugal encontrávamo-nos e tentávamos arranjar uma forma de entrar no Atlético de Madrid», lembra.

Em abril, os três portugueses embarcam rumo à capital espanhola com uma semana de estágio garantida no emblema madrileno. Com Paulo Futre a assumir o papel de intermediário. 

«O Paulo Futre até arranjou forma de nos hospedar. Inclusive convidou-nos para a abertura da academia de futebol que abriu juntamente com o Francisco Buyo. Engraçado não é? Depois dos vários bate-bocas que tiveram enquanto jogadores», diz.

Problemas logísticos resolvidos e as portas do Atlético de Simeone escancaradas. Ou pelo menos assim aparentavam estar. Porém, o destino pregou uma partida ao jovem André e aos dois colegas. A semana em que tem a hipótese de conhecer a fundo o trabalho do argentino na formação madrilena, coincide com a semana em que o Atleti vai jogar as meias-finais da Liga dos Campeões. O adversário? O Chelsea, treinado por José Mourinho.

«Tendo em conta o momento em que fomos, havia, naturalmente, alguma desconfiança. Fomos bem recebidos em Majadahonda e mesmo no Estádio não tivemos quaisquer tipos de problemas», salienta.
 
Apesar do cenário estar longe de ser perfeito, o atual treinador-adjunto do Paços de Ferreira destaca a abertura de Diego Simeone e da sua equipa técnica para aprofundar conhecimentos e, sobretudo, trocar ideias.

«No final dos treinos trocávamos sempre algumas ideias. Havia abertura para isso, embora sem frisar determinados aspetos mais relacionados com a estratégia de jogo. Eu, o Hélder Moreira [atual adjunto do Quim Machado] e o José Marinho, na altura observador do Sporting, demos-lhe a alcunha de «diabo negro» quando ainda estudávamos juntos. Porquê? Por causa da imagem forte que tem e por se vestir sempre de negro. Um dia perguntamos-lhe por que razão se vestia sempre de negro. Ele respondeu que não gostava de branco, associava à cor do Real Madrid, por isso, deixou de usar o branco. Não fazíamos ideia que esse fosse o motivo», revela.


 

Simeone é um dos treinadores que vive o jogo de uma forma peculiar. Junto à linha lateral é típico vê-lo gesticular, gritar, vibrar, enfim, uma paixão intrínseca pelo jogo. De acordo com André Azevedo, o argentino mantém essa postura mesmo nos treinos.

«É à imagem dos jogos. Ele próprio, por si só, faz um treino dentro do treino. Ele podia não ter jogadores à volta que mantinha aquela paixão e intensidade. É uma pessoa que vive o jogo com uma enorme paixão. Destaca-se pela paixão que tem pelo jogo pela forma como vive e como transmite as ideias aos seus jogadores. Consegue que todos os jogadores acreditem nas suas ideias e por isso são capazes de dar a vida uns pelos outros. Isso nasce no treino, acredite», frisa.

Aliás, o jovem treinador garante mesmo que a postura no relvado é a mesma que Simeone mantém longe da cancha.

«Diego Simeone nunca desliga. Nunca conheci nenhum treinador que o conseguisse fazer. Por aquilo que eu vi, a imagem que ele passa dentro de campo, é a imagem que tem fora dos relvados. Aquele estilo de treinador é o estilo de pessoa. Não há grandes diferenças», disse.

«Os jogos são para ser jogados com uma faca entre os dentes»

Em seis anos, El Cholo ajudou os colchoneros a vencer cinco títulos: uma Liga Europa, uma Supertaça Europeia, uma Liga espanhola, uma Taça do Rei e uma Supertaça espanhola. Foi ainda finalista vencido das edições da Liga dos Campeões em 2014 e 2016. Afinal, qual será o segredo para tamanho sucesso?

«O segredo? Não sei. Acima de tudo acho que o Simeone consegue contagiar os seus jogadores pela pessoa que é. O que é como treinador é o que é como homem e o que era como jogador. Ele em campo tinha raça, garra e paixão. Ele conseguiu transportar tudo isso para o que é como treinador e contagiar os seus jogadores», assume.


Apesar dos vários troféus conquistados, o Atlético de Madrid não se livra de ser várias vezes criticado. Ora pelo estilo demasiado defensivo, ora pela enorme agressividade que coloca em campo, nomeadamente nos duelos contra equipas teoricamente mais fortes. Contudo, dentro do mundo futebolístico, lugar tão rico em opiniões distintas, há quem discorde.


«O Atlético de Madrid não é uma equipa defensiva. Claro que contra o Barcelona ou Real Madrid passa a imagem de uma equipa defensiva por causa da estratégia que adota para essa partida. Nesse aspeto concordo. No fundo, Simeone é um treinador à semelhança de Mourinho. O resultado está em primeiro lugar, independentemente de jogar bem ou mal. Simeone é um bocado assim. Vencer está em primeiro lugar porque no futebol vive-se de resultados. E depois, se conseguirem jogar bem, fazem-no. Na maior parte dos jogos jogavam bom futebol e dominavam. Em Portugal, por norma as pessoas, só veem os jogos contra o Real Madrid e Barcelona e tiram as conclusões daí. Enquanto o tamanho da amostra for pequena não pode haver base de comparação», garante.

«É uma equipa muito forte. Em vários momentos do jogo vemos os avançados defenderem junto à grande área e isso não é comum. Revelam uma grande entreajuda, algo incutido pelo espírito de Simeone», acrescenta.



Diego Costa, David Villa, Tiago, Koke, Gabi e Godín eram alguns dos jogadores que compunham o plantel do histórico emblema espanhol aquando da passagem de André Azevedo por Madrid. Segundo o que observou, o português destacou Diego Costa como «o jogador à imagem do treinador».

«O que mais me impressionou? Diego Costa. É o reflexo do Simeone. É por isso que ele gosta muito dele. Agora acho que o Tiago, sem dúvida, era o jogador capaz de dar o equilíbrio entre o trabalho e a inteligência de jogo que El Cholo precisa. Apercebi-me que Gabi também interpreta bem o que o treinador quer sobretudo pelas indicações que dá a equipa. Depois, destaco o Koke. É fenomenal em treino. Por último gostaria de referir o Juanfran e o Godín. Espelham a raça e a crença do treinador. Mesmo nos treinos, naquelas picardias normais, não deixam um jogador ficar sem resposta. Nem pensar», afirma.

O mundo, esse lugar tão pequeno

Meses após o estágio no Atlético de Madrid, André Azevedo é convidado para fazer parte da equipa técnica de Paulo Fonseca, no regresso do atual treinador do Shakthar Donetsk, à Capital do Móvel.

Dois treinadores com imagens e formas de abordar o jogo completamente antagónicas. Ainda assim, duas referências para o atual adjunto dos juniores dos castores.

«Sem dúvida que Simeone é uma referência para mim. Já o era, mas depois de perceber como eles planeavam e preparavam o treino, ainda mais. O Paulo [Fonseca] é uma pessoa pela qual tenho grande estima. É um treinador que vai chegar a patamares ainda mais altos. É uma pessoa humilde que vai calar muitas bocas no futuro», vaticina.

Confirma-se, o mundo é de facto um lugar muito pequeno.