Ano Novo, vida nova. No outro lado do Mundo, a velha máxima serve até para o futebol.

Poucos dias depois de comemorarem a entrada do Ano do Cão, os chineses dão esta sexta-feira o pontapé de saída no campeonato.

Três meses de paragem permitiram às 16 equipas acertar pormenores ou, nalguns casos, a levar a cabo uma ou outra revolução no plantel.

E a nova edição, a 15.ª, promete muito, até para os portugueses. Ao todo são seis os protagonistas de sangue luso na Superliga, três treinadores e três jogadores. Não será arriscado dizer até que será a competição mais portuguesa de sempre.

Em comparação com o ano passado, saíram dois dos bancos (Jaime Pacheco e André Villas-Boas) e entraram três.

Paulo Sousa assumiu o comando técnico do Tianjin Quanjian, sensação do último campeonato, ao terminar no terceiro posto na época de regresso à primeira divisão. Sousa sucede a Fabio Cannavaro, que regressou ao Guangzhou Evergrande, para colmatar a saída de Scolari.

O Shanghai SIPG escolheu Vítor Pereira para orientar os destinos da equipa, substituindo o também ex-FC Porto Villas-Boas, naquele que será um reencontro com Hulk.

Já o Chongqing Lifan, de aspirações mais modestas à partida, não deixou de investir forte na nova época e contratou também um português para o comando técnico: Paulo Bento.

O antigo treinador do Sporting e da Seleção Nacional estreia-se no campeonato chinês e aceitou ser os olhos do Maisfutebol dentro deste campeonato em crescimento.

Excêntrico, mas mais ponderado: o «novo» futebol chinês

De há uns anos para cá que os ocidentais se habituaram a conviver com a excentricidade do futebol chinês, devido talvez ao investimento inicial algo desmedido, em comparação com a realidade de outros campeonatos.

O esforço financeiro inicial convenceu algumas estrelas da Europa a rumarem à China e atraiu mais olhares para a competição, embora a competitividade não fosse a esperada, porventura.

Este futebol chinês é um pouco diferente, porém. Depois de reunir atenções, os responsáveis tentam agora traçar um caminho de consolidação.

Para incentivar a aposta no talento nacional e colocar um travão nos gastos com contratações de jogadores estrangeiros, a organização implementou uma política de contratação de estrangeiros diferente, com uma redução nas vagas de cinco para quatro inscritos. Ao mesmo tempo, foi ainda criada uma nova regra, na qual o número de jogadores estrangeiros a utilizar num jogo não pode ser superior ao número de jogadores chineses sub-23.

Antes de rumar à China, Paulo Bento orientou os gregos do Olympiakos em 2016/17

O técnico português não escondeu algum lamento pela situação, mas lembrou que se trata de uma medida igualitária.

«As regras são iguais para todos. A meu ver, a maior condicionante tem a ver com a gestão dos jogadores sub-23 chineses. Por cada estrangeiro terá de haver um sub-23 e, desses, um terá de jogar de início. Por exemplo, se quiser usar três estrangeiros, terei de usar o mesmo número de sub-23, com um a titular. Na gestão do jogo não deixa de ser uma condicionante, porque,  feitas as contas, sobra-nos apenas uma substituição sem ter a ver com a faixa etária», explicou.

Os brasileiros Alan Kardec (ex-Benfica) e Fernandinho foram titulares indiscutíveis na época passada. A estes juntaram-se ainda Fernandinho, brasileiro que venceu a Libertadores com o Grêmio, e ainda o argentino Nicolás Aguirre.

Ora, nesta edição do campeonato, as soluções extracomunitárias podem dificultar bastante a vida ao treinador, uma vez que terão de ser suplantadas com a aposta em jovens jogadores chineses, que, de acordo com Paulo Bento, ainda têm um longo caminho para trilhar.

«Há jogadores com qualidade, mas ao início percebe-se bem a diferença técnica, na relação com a bola. Notamos que precisam de evoluir do ponto de vista tático, alguns até físico. Precisam de criar outras condições para jogar a alto nível, na primeira divisão pelo menos», indicou.

O novo El Dorado português onde se apanha avião para beber café

A crescer a olhos vistos, o campeonato chinês tem vindo a deixar a penumbra do futebol asiático para se tornar cada vez mais um fenómeno de massas. Tal como acontece, por exemplo, na Premier League, os horários tendem a ser acessíveis ao comum europeu, de forma a reunir mais seguidores e parceiros estratégicos.

Tem sido também o palco de verdadeiros renascimentos para o futebol, com Paulinho a ser talvez o exemplo máximo (transferido do Guanghzou para o Barcelona em 2017). Mesmo longe da vista, os jogadores encontram um palco cada vez maior para se mostrarem, inclusive para as seleções, o que tem levado muitos a tentar uma segunda chance no futebol chinês, sem esquecer, claro, a questão financeira.

Para Paulo Bento, este êxodo crescente dos portugueses para o Oriente pode ser encarado como um reconhecimento.

«Isto exige uma mudança de ambas as partes. Temos de procurar soluções e não pensar tanto na barreira linguística. Aqui querem treinadores com experiência na Europa. Pellegrini, Capello, Cannavaro, Manzano… são exemplos disso, contratados para fazer evoluir os jogadores e a competição. Fico satisfeito com a vinda dos portugueses, apesar de ainda não ter falado com eles, porque sinto que reconhecem e valorizam a nossa capacidade de trabalho», confessou.

Este novo El Dorado tem muito caminho para explorar, literalmente. Senão imagine o seguinte cenário: se Paulo Bento quiser ir beber um café com Vítor Pereira, ou vice-versa, terão de percorrer quase 2 mil quilómetros para o fazer, cerca de 3 a 4 horas de avião. É o cenário extremo, é verdade, mas qualquer encontro entre lusitanos obrigará a deslocações na ordem dos mil quilómetros.

Vítor Pereira substituiu André Villas-Boas no Shanghai SIPG

Imagine agora quando transposto para a competição.

«As viagens são de avião maioritariamente, há outras que são normais tendo em conta o país. Umas podem fazer-se em véspera de jogo, outras obrigam a um tipo de logística diferente, como o passar dois ou três dias entre viagem, concentração, jogo e regresso. Sair a uma quinta ou sexta e só voltar domingo. Temos de antecipar detalhes», sublinhou.

Para Paulo Bento, o grande problema não reside propriamente nas deslocações, visto que isso é natural em países de grande dimensão. O técnico português aponta sim falhas nas condições de trabalho, pelo menos para já.

«É urgente melhorar e fazer com que se cresça em infraestruturas. No caso do Chongqing Lifan, creio que o clube tem esse objetivo e se quiser crescer a médio prazo sabe que terá de o fazer. A China poderá ser uma potência futebolística. A densidade populacional poderá dar uma quantidade de jogadores que o permita, mas penso que terão de melhorar muitos aspetos, como a questão do treino, da organização das equipas, das alterações de infraestruturas. Têm vontade, mas também têm muito que mudar para que isso possa acontecer», vincou.

Faixas de campeão com destino mais incerto

Heptacampeão em título, o Guangzhou Evergrande adquire todos os anos o direito de reclamar o favoritismo. Se isso tem sido uma verdade absoluta, a nova edição tem nuances que têm de ser consideradas.

A começar pelo homem do leme. Luiz Felipe Scolari deixou o clube de Cantão órfão do treinador, mas para o seu lugar foi contratado um homem que já conhece bem a casa. Fabio Cannavaro regressa ao Guanghzou três anos depois de ter sido demitido, após uma época brilhante ao serviço do Tianjin Quanjian, que lhe valeu inclusive o título de Treinador do Ano.

Os brasileiros Alan e Ricardo Goulart continuam a ser as principais referências da equipa, denotando uma qualidade acima da média, mas isso também já se vai encontrando noutros plantéis.

O Beijing Guoan, por exemplo, gastou muitos milhões, mas foi capaz de garantir jogadores de qualidade inegável. À cabeça Cédric Bakambu, goleador congolês que deixou o Villarreal.

Os 40 milhões pagos pelo avançado tornaram-no num dos africanos mais caros de sempre, mas é daqueles que promete causar estragos nas defesas adversárias. Jonathan Viera, ex-Las Palmas, engrossou o leque de opções para Roger Schmidt, tornando a equipa de Pequim outro dos fortes competidores.

Crónico candidato ao título é também o Shanghai SIPG, agora orientado por Vítor Pereira. Muito refugiado na qualidade de Oscar e Hulk, o clube da águia procura conquistar o título que lhe vem fugindo, ao mesmo tempo que terá de disputar a Liga dos Campeões asiática, depois de Villas-Boas ter chegado às meias-finais da competição na temporada transata.

Tarefa idêntica terá Paulo Sousa no Tianjin Quanjian, onde Cannavaro deixou a fasquia elevada e abriu a porta da Champions logo no ano de regresso. No plantel destacam-se o ex-Benfica Axel Witsel, mas também Alexandre Pato e o goleador Anthony Modeste.

A caixinha de surpresas desta edição será, porventura, o recém-promovido Dalian Yifang, que surpreendeu ao garantir já perto do fecho do mercado o português José Fonte (ex-West Ham), bem como Nico Gaitán e Yannick-Ferreira Carrasco, ambos provenientes do Atlético Madrid.

José Fonte foi um dos portugueses a rumar à China esta época

E já que falamos de portugueses, será obrigatório estar atento aos jogos do Henan Jianye, onde a Ricardo Vaz Tê juntou-se agora Orlando Sá, contratação de última hora.

As contratações do defeso trouxeram mais nomes de peso ao campeonato. Face às vicissitudes da nova edição é de prever que haja maior equilíbrio e um fator de imprevisibilidade também maior, pelo que será mesmo necessário acompanhar o desenrolar da mesma.

O pontapé de saída dá-se às 11h35 (portuguesas) desta sexta-feira e já terá portugueses em campo.