Jorge Jesus tinha esta medalha na mira e conseguiu. O Al Hilal entra para o Guinness com um recorde mundial de 28 vitórias consecutivas em todas as competições. Ainda pode prolongá-lo, mas curiosamente também pode andar nos próximos tempos a discuti-lo com o clube que tinha até aqui esse estatuto no livro de recordes, os galeses do New Saints. Mais uma curiosidade em volta de um registo que já tem uma boa conta delas. Desde logo um recordista que afinal não era.

Jesus assumiu que perseguia este recorde. Tinha em mente, aliás, o registo de 26 vitórias seguidas do super Ajax que em 1971/2 venceu a Taça dos Campeões Europeus, o campeonato e a Taça dos Países Baixos, liderado em campo por Johan Cruyff, a grande inspiração de sempre do treinador português. Era dessa marca que Jorge Jesus falava a um intrigado Neymar há umas semanas.

Mas a marca que estava no Guinness era outra. Pertencia ao New Saints, que em 2016/17 somou 27 vitórias seguidas. Foi esse registo que o Al Hilal bateu nesta terça-feira, ao vencer o Al Ittihad por 2-0 na segunda mão dos quartos de final da Liga dos Campeões asiática. O clube de Ruben Neves e Jesus passou a somar 28 triunfos seguidos em três competições – a Champions, a Liga saudita e a Kings Cup. De vitória em vitória, pode ainda conquistá-las todas. E isso é evidentemente o que interessa. Um recorde pode ser um recorde, mas títulos são títulos.

É esse o foco de Jorge Jesus. «A série de vitórias é um segundo objetivo para nós», disse o treinador quando igualou o recorde: «Ficará na história para nós e para os jogadores, mas é não é um título. Os títulos são o campeonato, a Taça e a Liga dos Campeões da Ásia, mas quanto maior a série de vitórias, mais perto ficamos do objetivo principal, que são os troféus.»

O Al Hilal passa a ser então o detentor do recorde. Isto se não aparecerem entretanto outros dados que levem o Guinness a emendar o quadro de honra. Já aconteceu em 2015, quatro anos depois de os brasileiros do Coritiba terem inaugurado no livro dos recordes esta categoria de vitórias consecutivas de um clube de futebol, somando todas as competições.

Neymar ainda estava no Brasil, já a brilhar no Santos, mas talvez não se lembre. Em 2011, o Coritiba somou 24 vitórias seguidas, entre o Campeonato Paranaense e a Taça do Brasil, uma série que começou logo no início do ano e acabou a 18 de maio, com uma derrota frente ao Palmeiras para a Taça do Brasil, num ano em que o Coxa foi campeão estadual e finalista da Taça.

Coritiba, o recordista que afinal não era

O clube procurou então investigar se alguém já tinha feito o mesmo e na altura encontrou registo de várias marcas mais dilatadas, entre elas as 29 vitórias consecutivas do Benfica para a Liga entre 1972 e 1973, mas constatou que essas séries foram intercaladas por empates ou derrotas noutras competições. Contactou então o Guinness e, ao fim de várias trocas de informações viu o seu recorde homologado pela organização que certifica curiosidades estatísticas e fait divers, primeiro em livro e agora também online.

O Coritiba assinalou o feito com pompa, numa cerimónia em que recebeu uma placa alusiva à marca das mãos de um representante do livro de recordes. «O Coritiba entrou em contato pelo nosso e-mail oficial, para perguntar se as 24 vitórias eram um recorde mundial. Então nós iniciámos uma pesquisa para identificar outras equipas com uma marca melhor. Em um primeiro momento, identificámos algumas com sequências melhores, mas notámos que no meio dessas marcas perderam algumas partidas em outras competições oficiais», disse então esse representante do Guinness, Ralph Hannah, citado na altura pelo Globo Esporte.

O Coxa passou a autointitular-se «clube mais vitorioso do mundo» e tirou bom partido do slogan, com merchandising alusivo ao tema, o livro do Guinness em destaque na loja do cube e uma placa na fachada do estádio.

Mas em 2015 o Guinness percebeu que na tal pesquisa tinha falhado o Ajax. A confusão, aparentemente, tinha sido criada por uma derrota com o Marselha, no meio da série de 26 vitórias do Ajax de Cruyff, mas que teria sido num jogo particular. O Guinness publicou uma nota no seu site a dizer que afinal o recorde era do Ajax. E o Coritiba tirou a placa do estádio e assumiu com fair play a passagem de testemunho.

Dos dois Ajax ao Manchester City, séries de luxo

Nessa altura, o Guinness passou a colocar nos primeiros lugares não uma, mas duas equipas do Ajax. Isto porque entre 1995 e 1996, nas campanhas que terminaram com uma Taça dos Campeões e uma presença na final, o Ajax liderado no banco por Louis Van Gaal somou 25 vitórias seguidas.

Na frente ficava então o Ajax de 1971/72, com as suas 26 vitórias. Passou a ser o detentor do recorde nos registos do Guinness e também na generalidade das referências, tanto quanto é possível encontrar uma base fiável, nomeadamente em relação a períodos mais recuados na história e em países com registos de dados menos verificados.

Nas principais Ligas europeias, as contas estão bem consolidadas. E é curioso constatar que os principais recordes de vitórias consecutivas nas várias competições são na generalidade bem recentes. É assim com Bayern Munique, Real Madrid e Manchester City, todos em lugar de honra nesta lista, com séries superiores a 20 vitórias seguidas.

Em 2014/15, o Real Madrid conquistou 22 vitórias consecutivas, numa época em que essa série, quebrada numa derrota frente ao Valencia, não chegou para vencer troféus. Por essa altura, o Coritiba ainda gozava do seu «título» no Guinness e assinalou assim o momento.

O Bayern Munique melhorou esse registo ao somar 23 triunfos seguidos entre a época 2019/20 e o início da temporada seguinte, conquistando pelo meio a Liga dos Campeões e a Bundesliga. E em 2020/21 o Manchester City alinhou 21 vitórias, até perder o dérbi com o United em março, numa temporada em que festejou o título de campeão.

Jorge Jesus também tem recorde (dividido) em Portugal

Em Portugal, o máximo de triunfos seguidos em todas as competições está nos 18, conseguidos pela primeira vez por… Jorge Jesus. Em 2010/11, o técnico liderou a partir do banco o Benfica numa série que começou e acabou frente ao Sp. Braga. Teve início em dezembro, com um triunfo para a Taça de Portugal, e só terminou a 2 de março, numa derrota com os arsenalistas para a 22ª jornada da Liga. Ficou o registo, que não se traduziu em títulos nessa temporada.

Em 2018/19, o FC Porto igualou essa marca, curiosamente numa época em que também não venceria troféus. A série começou em Vila Real, com uma vitória para a Taça de Portugal em outubro, e terminou com um empate em Alvalade a 12 de janeiro, para o campeonato.

New Saints até já conta novo recorde, mas o Guinness não

Quanto ao recorde do Guinness, a história tem mais que contar. E não deve ficar por aqui, até porque o New Saints tem uma diferença de argumentos com o Guinness. O clube, crónico dominador do futebol galês e que aliás já garantiu o título de campeão esta época – o primeiro na Europa esta época -, só sabe ganhar e já se preparava em fevereiro para bater o seu próprio recorde.

Mas depois recebeu da parte do Guinness a indicação de que não seria contabilizado um jogo em outubro para a Taça Challenge da Escócia, um empate que os galeses acabaram por vencer nos penáltis. «A 6 de fevereiro, o Guinness World Record confirmou que nós tínhamos igualado o recorde, mas depois a 7 de fevereiro disseram-nos que aparentemente tinha havido uma «falha de comunicação» e que não o tínhamos igualado», disse o clube, num comunicado citado pela BBC em que defendia aquele tal jogo decidido nos penáltis como uma vitória e acrescentava que estava em contacto com o Guinness: «Estamos esperançados numa resolução que é um reconhecimento justo do notável feito do clube em campo.»

Se esse jogo valesse, o New Saints já somaria nesta altura 32 vitórias. Mas, não contando, são 25. O que significa que os galeses correm agora atrás da equipa de Jorge Jesus para recuperar o título. E essa corrida tem novo episódio já no próximo sábado, dia em que volta a entrar em campo o Al Hilal, em jogo da Liga saudita com o Damac, e em que joga também o New Saints.