Há uma série de tempo que andava a chatear-lhe a cabeça para treinar em Inglaterra. Dizia-lhe: “vais gostar. Com a tua capacidade de organização, e de pensar os clubes, vais gostar muito”. Sei perfeitamente que ele esteve quase a ir para o Tottenham, tinha tudo acertado. Encontrámo-nos uma vez em Londres, fomos juntos a um jantar da Associação de Jornalistas Desportivos Ingleses e comecei a sentir que ele queria voltar ao futebol de clubes, que a seleção era um espaço que ele já tinha experimentado. Depois numa fase posterior aparece o United, e entre os dois ele não pode hesitar. E ali está, acho que com três ou quatro anos de contrato, de certeza que as coisas lhe vão correr bem.»

José Mourinho sobre Louis Van Gaal

Quando, em setembro de 2014, em entrevista ao Maisfutebol/TVI, José Mourinho comentou assim a ida de Van Gaal para Old Trafford estaria longe de imaginar que, apenas 20 meses mais tarde, iria ocupar a vaga do seu antigo chefe de equipa, em Barcelona. Nessa altura, havia entre os dois uma relação de amizade, que se prolongou nos primeiros embates na Premier League, mas que dificilmente poderia passar incólume à onda de notícias dos últimos meses. E havia, também, em Mourinho, a convicção de que a sua segunda passagem pelo Chelsea seria mais prolongada do que acabou por ser, com a derrocada do grupo que, há apenas um ano, conduziu novamente ao título de campeão.

Depois da saída forçada em dezembro, Mourinho vê chegar ao fim a terceira pausa na carreira, depois das que separaram as passagens entre Luz e Leiria (2000/01), e entre Stamford Bridge e San Siro (2007/08). Ponto comum entre elas: nenhuma excedeu os seis/sete meses. Outro ponto comum às duas anteriores: foram seguidas de um sucesso indesmentível, que num caso e noutro projetou a sua reputação para patamares superiores. A poucas horas de ser formalizado como novo técnico do Manchester United, a pergunta é incontornável: haverá duas sem três?

Uma história antiga

A relação de Mourinho com Old Trafford iniciou-se há 13 anos, no célebre embate do FC Porto com o Manchester United nos oitavos de final da Liga dos Campeões 2003/04, que projetou os dragões para a conquista do título europeu. Iniciada aí, a relação com Alex Ferguson, cordial e respeitadora como poucas, estendeu-se de certa forma aos adeptos, e depois do célebre sprint ao longo da lateral, a festejar o golo de Costinha, prolongou-se nos posteriores regressos do português, como adversário.

Em 2013, por exemplo, depois de eliminar o United nos oitavos de final da Champions, ao serviço do Real Madrid, Mourinho reconheceu que a melhor equipa tinha ficado pelo caminho, num jogo marcado por um erro grave de arbitragem. E já antes, tanto no Chelsea, como no Inter, se Mourinho não enjeitava tirar partido de provocações e conflitos, antes e durante os jogos, a sua relação com o United foi sempre ponderada, como que acautelando, a prazo, o desfecho que agora se torna real.

Pressão imediata

Por todos os clubes por onde passou, desde o FC Porto, Mourinho foi obrigado a resultados imediatos. No Chelsea e no Inter foi campeão nas épocas de estreia, no Real Madrid e na segunda passagem pelo Chelsea, o título chegou na segunda temporada. No Manchester United não será diferente: o regresso à Champions é obrigatório, claro. E, mesmo que seja difícil exigir o título de imediato  num clube que, nos últimos três anos tem como melhor registo um quarto lugar, a verdade é que, desde que há Premier League, o United nunca esteve quatro épocas seguidas sem ser campeão. Na ocasião anterior em que, como agora, enfrentou três anos de jejum (entre 2003/04 e 2005/06), o Manchester United foi capaz de reinventar-se pela mão de Alex Ferguson, e acabou por recuperar a supremacia, precisamente ao Chelsea comandado por Mourinho. Agora, é Mourinho quem terá de reiventar-se, em paralelo com a equipa, deitando para trás das costas um último ano em Stamford Bridge marcado por demasiados conflitos - que estiveram na origem da resistência à sua contratação por parte de alguns nomes históricos do clube, com sir Bobby Charlton à cabeça.

Por outro lado, Mourinho retoma a aventura na Premier League num ano em que o inacreditável sucesso do Leicester deixa os quatro habituais candidatos ao título (United, City, Arsenal e Chelsea) em pé de igualdade, na gestão embaraçada de um fracasso sem atenuantes. A juntar a isso, o facto de outros dois deles terem mudado de treinador, contratando nomes de primeiro plano (Conte no Chelsea e, principalmente, Guardiola no City) vai fazer com que, pelo menos nos primeiros tempos, a evolução dos resultados e das soluções dos quatro grandes seja comparada ao milímetro – não esquecendo que o tema-Guardiola vai ser presença incontornável no menu mediático da próxima temporada, por muito que, previsivelmente, Mourinho vá tentar esbatê-lo. Com Klopp, Ranieri, Wenger e o new kid in town Pochettino, a completarem o lote de elite, bem pode dizer-se que nuca a Premier League juntou tantos treinadores de primeira linha como na época que se inicia em agosto - e com Mourinho a reencontrar Ranieri na discussão da Supertaça, que pode dar um primeiro sinal acerca do que está para vir.

Esta época vai marcar, também, o reencontro de Mourinho com a realidade da Liga Europa, prova com a qual não se cruzava desde 2003, quando, ainda em modo Taça UEFA, a conquistou pelo FC Porto. Mas, embora o próprio Mourinho já tenha, em outras ocasiões, desvalorizado a segunda prova europeia de clubes, a ausência da Champions, pela primeira vez no período de maturidade da sua carreira, até pode ser um mal que vem por bem. Pelo menos a julgar pelo tempo necessário para o trabalho de reconstrução que o espera num plantel em que alguns dos melhores valores são jovens ainda em fase de aperfeiçoamento (Rashford, Martial, Lingard, entre vários outros) e que, por outro lado, deverá ser profundamente remodelado com um forte investimento em contratações e outras tantas saídas de primeiro plano, que vão seguramente tornar o Manchester United um dos grandes animadores de mercado neste verão.

Candidato a tornar-se o primeiro técnico estrangeiro a ganhar o título inglês por dois clubes diferentes (até agora, a proeza só foi conseguida por Tom Watson, Herbert Chapman, Brian Clough e Kenny Dalglish), Mourinho inicia a nova etapa com o fôlego recuperado. E com a fome de vitórias - no fundo, aquilo que sempre o tornou «special» - obrigatoriamente espicaçada pela paragem a que foi forçado.