Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

A história de Pedro Galvão é mais uma que se confunde com tantas outras a quem o futebol português fechou as portas do profissionalismo. Sem qualquer tipo de explicação plausível.

Entre o amadorismo e o profissionalismo, nas divisões inferiores de Portugal, ao sonho concretizado na longínqua cidade de Edmonton, no Canadá. Sacrifícios e marcas de uma procura incessante e de uma carreira construída a pulso. Sempre pelo sonho de ser profissional.

Diferenças horárias brutais e desencontros naturais ultrapassados, conseguimos encontrar o nosso protagonista no aeroporto de San Francisco, a uma hora de embarcar de regresso a Edmonton, depois de um jogo frente ao San Francisco Deltas.

«A paixão pelo futebol surgiu bem cedo, incutida pelos meus pais. Desde cedo apercebi-me de que a vertente desportiva ia fazer parte do meu futuro e eles sempre me proporcionaram tudo o que estivesse ao alcance deles para melhorar», começa por recordar, em conversa com o Maisfutebol.

Nasceu nos Estados Unidos, mas em tenra idade viajou para Coimbra. Porém, foi mais a Sul, na na academia do Benfica que nasceu o sonho pelo futebol, incutido pelo pai, um antigo jogador de râguebi. Saiu nos iniciados para regressar ao clube da sua cidade, a Académica. Durante este período conviveu com jogadores como Miguel Rosa, Miguel Vítor, Tengarrinha e Rúben Lima.
 
«Aos 10 anos comecei a jogar no Benfica, a cerca de 200 quilómetros de casa, a um nível não federado. O facto de estar longe de casa não era fácil. Estive quatro anos no Benfica e depois, fui para a Académica. Tinha 14 anos. Fiz cinco épocas na Briosa, ou seja, o resto da minha formação», acrescentou.

Porém, quando se tornou sénior, o futebol obrigou-o a rumar a outras paragens para chegar a cumprir o sonho de infância. Em 2015 decidiu arriscar e rumou a uma cidade «que não sabia indicar no mapa». Assumiu os riscos e foi feliz no regresso ao continente onde tinha nascido. Pelo meio, tentou completar uma licenciatura em Direito




O sonho canadiano

As portas do profissionalismo abriram-se no Canadá, no modesto Edmonton. O segundo convite para emigrar surge de forma repentina, num momento em que já tinha tudo acertado para representar o União de Leiria.  

«Já estava no União de Leiria, um clube histórico em Portugal, quando, após dois dias de treino, o meu representante liga-me a dizer que tenho uma proposta do Edmonton», conta.

Essa chamada mudou, de forma inesperada e por completo, a vida de Pedro Galvão.

«Não conhecia o clube mas, como acompanhava a Liga, tinha algum conhecimento da realidade do futebol que lá se praticava. De repente tinha dois dias para decidir. E embarquei para Edmonton. Acertei o contrato e saí de Portugal em cinco dias. Viajei sozinho para uma realidade diferente. Se me perguntassem em que cidade era o clube, nem sabia apontar no mapa», lembra.

De acordo com Galvão, o aspeto financeiro e a oportunidade de se tornar profissional, o sonho de todos os praticantes desde tenra idade, levou-o a aceitar o convite da formação canadiana.

«Emigrei pelo aspeto financeiro e porque queria sentir-me profissional. Queria um projeto novo, diferente. A língua nunca foi uma barreira. Nasci nos Estados Unidos e, apesar de ter ido em pequeno para Portugal, sempre tive facilidade em falar inglês», confessa.

O jogador explica a adaptação aos terrenos sintéticos e aos espaços cobertos, enquanto encontrava a melhor forma para voltar a competir.

«Quando cheguei a equipa já estava a meio da época. Aqui jogamos de fevereiro a novembro. Cheguei após as férias, pelo que tive de correr e trabalhar o dobro para chegar aos índices físicos dos meus colegas. Também tive que adaptar-me ao terreno sintético», refere.

«Aqui o inverno é muito rigoroso. Começa a nevar no início de outubro e as temperaturas atingem os 30 graus negativos. Quando neva pouco, utilizamos o limpa-neves antes dos treinos para ter o relvado em condições. Porém, quando há muita neve, treinamos num espaço fechado», acrescenta.

Apesar de ter chegado no decorrer da época, Galvão ainda consegue realizar nove encontros. Números bem interessantes e que demonstram a rapidez com que se adaptou a uma realidade bem distinta daquela a que estava acostumado.

«Somos a equipa que mais quilómetros percorre no mundo»

O FC Edmonton, uma equipa canadiana, compete na North American Soccer League, segunda divisão do futebol norte-americano. A liga é composta por oito equipas, das quais sete estão sediadas nos Estados Unidos, o que obriga a constantes deslocações.

«Passámos a totalidade do tempo fora da cidade, graças às constantes viagens que somos obrigados a fazer. As viagens são, no mínimo, de quatro dias. Percorremos os Estados Unidos desde Porto Rico a San Francisco. É uma loucura. Somos, possivelmente, o clube do mundo que mais quilómetros percorre», afirma.

Uma cultura desportiva diferente e que se estende, inclusive, aos adeptos canadianos no final de cada partida disputada no Foote Field, como relata o próprio Galvão.

«No final dos jogos, todas as crianças entram no campo para receberem autógrafos e tirarem fotos com os jogadores. São cerca de umas 200 assinaturas por jogo. Certo dia, estava eu a recolher ao balneário, quando aparece um rapaz, com os seus dez anos, a correr e gritar o meu nome. Olhei para trás e pensei que ele queria um autógrafo. Ele, num jeito tímido, pergunta-me se pode fazer uma pergunta. Respondi “claro que sim”. O miúdo, envergonhado, faz uma pausa e depois pergunta-me “Qual é o teu salário?”», rememora entre risos.

Embora tenha encontrado em Edmonton, o lugar ideal para cumprir o seu sonho, o percurso até à cidade canadiana foi tudo menos tranquilo. Uma viagem repleta de peripécias e imprevistos, com passagens pelo Tourizense, Pampilhosa, Fátima e Gil Vicente.



Pré-época 2008/09. Momento do primeiro rude golpe na embrionária carreira de Pedro Galvão. Domingos Paciência, então técnico da Briosa, opta por enviar o menino de 18 aninhos para o clube satélite, o Tourizense. Acatou a decisão, sempre com o regresso no pensamento.

«O Tourizense acolhia alguns jogadores na transição para o escalão sénior. Fiz duas épocas em Touriz, sem qualquer vínculo à Académica. Tinha a ambição de regressar. Chegaram a existir várias possibilidades para isso, mas por um ou outro motivo, nunca se proporcionou», elucida.

Ao final de dois anos e a meio de uma licenciatura em Direito, procurou no conforto do lar a força necessária para contornar as adversidades que surgiam no horizonte.

«Fui para o Pampilhosa. Um clube mais perto de casa e da faculdade, o que naquela altura me pareceu ser importante. Representei o clube durante três anos. Senti que estava a estagnar. As propostas não surgiam, apesar das épocas me correrem de feição. Desmoralizava sempre um pouco durante o mercado de verão», relembra.

Entretanto surge o Fátima. Um clube de outra dimensão, com ambição de subir ao segundo escalão do futebol português. Carregado de ilusões e promessas, Pedro Galvão aceita a proposta do emblema de Santarém. Porém, o destino prega-lhe uma partida.

«Vi a opção de ir para o Fátima como um trampolim para atingir outros patamares. Na altura era um bom clube. A nível pessoal a época correu-me muito bem, mas os problemas do clube eram imensos. Tínhamos um orçamento muito elevado e os investidores, dos quais me tinham falado, nunca apareceram. Começaram a surgir salários em atraso. Foi uma altura muito conturbada», evoca.

Pedro superou a crise e reencontrou um clube sério na Sertã. Um ano de bom nível - 3 golos e 13 assistências - catapulta-o para o Gil Vicente.

«Finalmente estava na Segunda Liga. Apenas estive meia época em Barcelos. Apareceu uma proposta do estrangeiro mas as negociações fracassaram. Acabei por dar um passo atrás e regressar ao Sertanense, antes de emigrar», explica.

O resto é história.

Encontrar a felicidade no estrangeiro? Soa a tradição portuguesa



Galvão é um entre tantos outros portugueses que procura e encontra, diga-se, a felicidade além-fronteiras. Uma necessidade que obriga a colocar de parte as saudades e o conforto do lar. A realização pessoal no «soccer» impera no momento de falar sobre um possível regresso a terras lusitanas.

«Não penso minimamente regressar a Portugal para jogar. O nosso país tem enormes talentos, mas penso que perdi o meu espaço e, naturalmente, os jogadores não são tão bem remunerados como no estrangeiro. É um sacrifício que tem de ser feito uma vez que a carreira é curta. Na minha altura, não havia o investimento na formação que existe hoje e é completamente compreensível que um clube opte pela prata da casa, ao invés de um jogador de 28 anos, sem provas dadas no futebol português. Estou conformado com essa realidade e vivo bem com isso», garante.

Convidado pelo nosso jornal a fazer uma retrospetiva do caminho trilhado no futebol, Galvão é avesso a mágoas ou lamentações.

«A nível profissional não me arrependo de nada. Provavelmente cometi alguns erros, mas o destino quis que assim fosse. Não baixo os braços e fico orgulhoso do meu profissionalismo pelos clubes por onde passei, sejam eles de menor ou maior dimensão», rematou.

Uma viagem com demasiadas paragens, sobretudo, quando a felicidade estava tão perto do país onde nasceu.