Diogo Nobre chegou à Finlândia em março de 2012, num início de primavera invernoso, com frio, chuva e até neve, como não seria de espantar num país nórdico.

Saiu de Corroios, na Margem Sul, e instalou-se em Sauvo, uma pequena aldeia de três mil habitantes no sul do país. Vinha com um contrato de três meses que lhe dava a possibilidade de ser treinador principal do Peimari United e pela frente tinha um plantel de juniores do primeiro ano que iriam disputar pela primeira vez um campeonato de seniores.

Começou então a treinar na sexta divisão finlandesa. Há uma semana, o Peimari com Diogo Nobre no comando sagrou-se campeão da sua série e garantiu a subida à segunda divisão.

Quatro subidas de divisão depois, o Maisfutebol – que acompanhou o jovem treinador português desde o início da sua aventura – voltou a debruçar-se sobre o cada vez mais impressionante percurso de Diogo, agora auxiliado pelos seus adjuntos Hugo Henrique e André Miranda, para desde logo descobrir uma série de diferenças para os tempos iniciais de um clube formado pela fusão entre duas agremiações das localidades de Sauvo e Paimio, vila vizinha de 12 mil habitantes e que se aproximou do futebol português desde uma visita do seu presidente, em 2010, ao centro de estágios do Benfica no Seixal.

«Fantasmas» viraram adeptos a sério

«Estudei na Roménia e estive a estagiar na Dinamarca e na Turquia, mas quando vim viver e trabalhar para esta pequena aldeia na Finlândia, por vontade do presidente – que ficou fã dos métodos de trabalho dos treinadores em Portugal –, foi como chegar a Marte. Era um mundo à parte e eu caí de para-quedas aqui. Era tudo muito amador e desorganizado. Nos escalões mais baixos os jogos disputavam-se só com um árbitro, sem auxiliares, e só havia uma bola de jogo. Hoje, muita coisa mudou na organização competitiva, apesar do calendário não ser o melhor – entre março e final de setembro – e o clube desenvolveu-se muito. Temos agora o dobro dos atletas – 150 – e até construímos uma arena indoor para treinar no inverno», explica o técnico, detalhando: «com 10 ou 15 graus negativos ainda tentávamos treinar cá fora, mas quando se chegava aos 25 graus negativos era impossível e tínhamos de treinar em campos de futsal durante o inverno, só para manter a forma.»

Plantel do Peimari e a equipa técnica portuguesa

As mudanças não ficaram por aí. «Até os adeptos conseguimos mudar... No início, pareciam fantasmas. Quase que ouvíamos os passarinhos durante o jogo. Jogar em casa ou fora era praticamente igual. Isso acontecia sobretudo por uma questão cultural: gritar para dentro do campo era entendido aqui neste meio como falta de educação. Agora, já puxam por nós. Aliás, no jogo do título, frente ao Masku, na semana passada, levámos uma centena de adeptos fora. Até levaram a bandeira portuguesa», conta ao Maisfutebol Diogo Nobre, que em conjunto com Hugo Henrique e André Miranda, ajuda a gerir o dia-a-dia do clube além de treinar a equipa principal e coordenar os escalões de formação.

«O presidente trabalha numa multinacional e não tem muito tempo para gerir o quotidiano do clube devido a essa atividade profissional. Cabe-nos a nós tratar-nos de projetos de cooperação com clubes, parcerias com empresas, tentar angariar patrocínios… No início havia alguma desconfiança, mas agora já conseguimos convencer as pessoas da qualidade do nosso trabalho. Os finlandeses são um pouco céticos. Posso generalizar porque acho-os o povo mais homogéneo da Europa. Mas perceberam como somos sérios em termos de profissionalismo e não como curiosos que viemos dar palpites sobre o futebol», conta Diogo, cuja presença ao longo dos anos permitiu a contratação de alguns jogadores portugueses.

Com um toque são-tomense

No plantel atual há três jogadores com passaporte português. O guarda-redes Gerson Lima, o defesa-central e capitão Adimar Neves e o extremo Leonildo Soares.

Adimar e Leonildo fizeram a formação em Portugal, mas foram chamados para representar a seleção de São Tomé e Príncipe para um jogo em Marrocos a contar para a qualificação da Taça das Nações Africanas, no início deste mês.

Essa convocatória teve também o dedo da equipa técnica portuguesa, já que não era possível à estrutura federativa são-tomense observar este duo nas divisões inferiores finlandesas.

Leonildo e Adimar em representação da seleção de São Tomé e Príncipe

«Mandámos vídeos sobre os jogadores e eles já tinham a ideia de que havia um são-tomense bom a jogar na Finlândia. O Leonildo fez parte da formação no Vitória de Setúbal e era amigo do Luís Leal e do Harramiz, pelo que fez parte de um estágio da seleção e acabou por indicar o Adimar. É um orgulho grande para nós que eles já estejam nesse patamar», salienta Diogo Nobre, que com o campeonato terminado pensa agora no futuro.

A carreira deve continuar na Finlândia. Aliás, a sua namorada, que é romena, até vai juntar-se a ele na próxima semana. Falta saber se continua no Peimari United.

«Vamos ouvir a proposta do presidente e saber se temos condições para lutar pela subida agora na II Divisão. Uma coisa é certa: queremos ficar na Finlândia e aproveitar a boa reputação que temos criado cá. Além disso, ao contrário da maioria dos clubes nos escalões inferiores em Portugal, aqui pagam a tempo e horas e o salário dá para viver.»

Para já, Diogo e a sua equipa técnica saboreiam o sucesso que têm alcançado no pequeno Peimari. Estão a fazer história naquela pequena aldeia finlandesa e a chamar à atenção dos jornalistas locais. «Somos uma sensação aqui na terra, que nunca tinha tido um clube acima da quinta divisão, e procurados pela comunicação social sobretudo nesta região sul da Finlândia. Encaro isso com normalidade. Afinal, subimos quatro vezes de divisão e nunca nada de especial aconteceu aqui em Sauvo.»

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Estórias Made In é uma nova rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.