Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

O canoísta Fernando Pimenta está, finalmente, de férias. Falou com o Maisfutebol mesmo antes de partir para o merecido descanso, depois de conquistar, entre oito medalhas em 2017, uma de ouro no Campeonato da Europa e outra no Campeonato do Mundo.

«Foram quase 11 meses sem qualquer folga, agora é descansar o máximo possível», disse com o sentimento de dever cumprido: «Foi dos melhores anos da minha carreira, melhor do que isto era praticamente impossível.»

«Mas quero mais, vou continuar a trabalhar», atirou logo o atleta, natural de Ponte de Lima, cidade do Clube Náutico que tem fabricado campeões na modalidade, entre ele, Nuno Barros ou João Amorim.

Sempre na água: da natação à canoagem, por acaso

Fernando Pimenta começou a nadar aos quatro anos e aos 11 começou na canoagem, quase sem querer: «Nas férias de verão costumava ir para o ATL, mas nesse ano não abriram as atividades que costuma frequentar e achei que seria giro inscrever-me na canoagem. Experimentei, gostei, abandonei a natação progressivamente e continuei na canoagem.»

«Foi por acaso, mas ainda bem», manifestou, dizendo entre risos que não começou bem: «Quando comecei a aprender queria chegar o mais rápido possível à meta e queria muito conquistar medalhas, só que não conseguia porque não tinha a coordenação, a força e o equilíbrio suficientes para que isso acontecesse.»

«Virava muito a canoa e o que recebia eram medalhas de participação», comentou, dando conta das dificuldades: «Ao início foi bastante complicado, sobretudo no primeiro inverno. Cair à água em pleno janeiro/fevereiro é muito duro porque a água está muito fria, há vento e chuva.»

«Felizmente com o trabalho que fui fazendo com o meu treinador Hélio Lucas fui melhorando e conseguindo os primeiros resultados. Depois toda a carreira é como uma escada, que se vai subindo», atirou.

No entanto, o trabalho não é, nem nunca foi, só físico. «Tem de ser mental também. Em termos anímicos, psicológicos, temos de ser muito fortes», começou por dizer, para explicar: «Na alta competição nem sempre conseguimos os objetivos que queremos, pelos quais lutámos e há que saber estar preparado para isso. Temos de trabalhar esse lado, perceber e tirar ilações.»

K4 com David Fernandes, Emanuel Silva e João RIbeiro

«Sinto que os sacrifícios têm valido a pena»

Aos 28 anos, não vive sem a canoagem e inclusive deixou de estudar. Primeiro esteve no curso de Fisioterapia na Universidade de Coimbra e depois no de Reabilitação Psicomotora na Universidade Fernando Pessoa (Lisboa), mas depois de abandonar o primeiro, desistiu no terceiro semestre do segundo.

Não conseguia conciliar, teve de abdicar. São muitas horas, dias, semanas e meses de dedicação à canoagem.

Para trás fica também a família, o que mais lhe custa. «É complicado querer estar com eles e não estar porque temos de trabalhar e estar focados no objetivo. Isso é o que mais me custa: falhar datas importantes, saber que a família está toda reunida e eu não estou», afirmou.

«Custa bastante, mas até agora tenho conseguido bons resultados e aproveitado ao máximo os momentos que tenho com eles», revelou, justificando que os bons resultados ajudam a balançar os sentimentos.

«Sinto que os sacrifícios têm valido a pena, mas temos de ter noção de que a família não dura para sempre e que temos de aproveitar e viver as coisas ao máximo. Os resultados ajudam a que me sinta melhor.»

A família também compreende e é quem guarda religiosamente cada medalha de Fernando Pimenta. E são já mais de 100. «É o meu irmão mais novo e a minha mãe que as vão guardando e conferindo», disse, mostrando-se satisfeito com o orgulho e a dedicação deles.

O sabor da prata ao lado de Emanuel Silva nos Jogos Olímpicos 2012, em Londres

«A medalha de ouro nos Jogos Olímpicos é o sonho»

A última medalha de ouro - K1 5000 metros - era uma das mais desejadas da carreira e veio no dia seguinte à de prata em K1 1000 metros, depois de uma noite tranquila, como referiu na chegada a Portugal após as conquistas na República Checa no final de agosto.

«Tentei descansar e abstrair-me. Consegui desligar-me de tudo e pensar apenas na prova. Apesar de a adrenalina estar em alta, tive uma noite tranquila de sono, descansei bem, o que foi muito importante.»

E é assim, com esta calma que vai olhando para as provas. Uma de cada vez, ainda que a preparação seja diária. Há objetivos para conquistar em 2018, mas Fernando Pimenta também já olha para os Jogos Olímpicos 2020, depois de já ter estado nos de Londres (medalha de prata) e do Rio de Janeiro.

Mas primeiro, a qualificação que ainda não está garantida. «Decide-se tudo no Campeonato do Mundo de 2019, antes dos JO. Sendo apenas numa prova é arriscado. Algo pode não correr bem, podemos não ter descansado bem, haver alguma coisa que nos condicione e condicionar o próprio apuramento já que há poucas vagas», disse, acrescentando que se conseguir lutará, obviamente, por medalhas como o faz sempre.

«A medalha de ouro nos Jogos Olímpicos é o sonho de qualquer atleta, mais ainda depois de tantas outras conquistas. É legítimo acreditar que é possível e vou trabalhar para isso.»

«Tenho conquistado bons resultados e medalhas em quase todas as provas em que entro. Por isso, acredito», sustentou, dizendo que apesar de tantos pódios é sempre especial elevar o nome de Portugal: «Todos têm o seu significado e o seu valor.»

«É sempre bom conseguir chegar ao pódio e, se possível, cantar A Portuguesa. É o concretizar e o culminar do nosso trabalho», justificou.

Fernando Pimenta nos Jogos Olímpicos 2016, no Rio de Janeiro

Controlar a canoa, a prova… e até as redes sociais

Fernando Pimenta compete em K1, K2 e K4 - nas variantes de 1000 e 5000 metros - e diz que gosta de competir em todas estas categorias, mas também admite que lhe dá um «gozo» especial competir sozinho.

«Quem compete individualmente gosta de se levar ao limite e de não estar dependente dos outros atletas. Se não conseguir o resultado ou se o conseguir, sei que foi por mim. Consegui porque estive bem ou falhei porque não estive bem.»

Nesse sentido, em 2013 tomou a decisão de competir nos Mundiais da Alemanha em K1, mas a federação de canoagem recusou. Agora já o faz e ganha títulos, comprovando que sozinho consegue vencer e levar o nome de Portugal ao pódio.

O canoísta não é individualista, mas gosta de ter o controlo das situações. Dentro de água e… na internet. Com 41 mil seguidores no Facebook e 15 mil no Instagram, é Fernando Pimenta quem gere as próprias redes sociais e faz questão que assim o seja.

«Acho que é importante ser eu a comunicar com os meus seguidores e com quem gosta de ver o meu trabalho. Felizmente tenho redes sociais com muita gente, sou até dos canoístas que tem mais seguidores a nível internacional», disse.

«Poderia partilhar mais coisas, mas estando focado no treino e na competição, esse trabalho às vezes fica um pouco de lado. Não é por mal, mas tento mostrar aquilo que gostam de ver: os meus objetivos, os resultados e o dia a dia.»

O atleta fá-lo por si e pela modalidade também, de forma a expandi-la a nível de adeptos e também de patrocinadores.

A competir há 13 anos, Fernando Pimenta considera - como muitos atletas de outras modalidades - que falta visibilidade à canoagem e que as ajudas financeiras também carecem.

«Talvez seja a nossa cultura desportiva. À canoagem, como a outras modalidades, falta visibilidade na comunicação social e depois faltam também patrocinadores, porque o que eles querem, logicamente, é serem vistos, falados e ter resultados.»

«Neste momento a canoagem está muito melhor, não tem a ver com o que era quando comecei, agora começa a ter destaque e um papel importante no desporto português», acrescentou, mostrando-se focado no seu papel: «Continuar com este trabalho, ajudar a modalidade e o desporto português; conquistar títulos. É isso que nos tem feito crescer, a todos os níveis.»