Mais longe e mais alto é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Aos 17 anos, Cláudia e Inês Vicente acabam de se sagrar vice-campeãs do mundo de hóquei em patins com a seleção portuguesa, no Chile. As gémeas de Turquel, da terra onde «os miúdos já nascem com patins nos pés», jogam há 14 anos e revelam que durante várias épocas trocavam de posição «sem ninguém reparar».

Portugal sagrou-se vice-campeão mundial tal como em 1998, 2000 e 2008, das duas últimas vezes com finais ibéricas. Mas a primeira reação após o jogo da final de sábado, entre Portugal e Espanha «foi de tristeza», confessam as duas jovens hoquistas. 

O facto de a decisão ter acontecido no prolongamento, com golo de ouro, custou mais. «Perder o jogo assim é horrível», lamentam. «Mas depois começaram a dizer-nos que não devíamos estar assim… Claro que é triste, mas fizemos um excelente campeonato. Depois no avião já vinha toda a gente com um bom espírito», contam.

Seleção que esteve no Mundial (foto FPP)

E é muito positivo o balanço que fazem da participação. «É uma experiência brutal estar a representar o país, com atletas excelentes, as melhores de Portugal». «Nós já trabalhávamos há três semanas juntas, formou-se um grupo muito bom que deu tudo dentro do campo. Foi um excelente convívio entre atletas, equipa técnica, staff», e ainda deu para fazer um bocadinho de turismo. «Nunca tínhamos ido ao Chile e, apesar de estarmos focadas num objetivo, também tivemos tempo para visitar».

Este foi o primeiro mundial das duas. «Eu já tinha estado num estágio, mas ali era um campeonato a sério e sente-se um arrepiozinho quando vamos para os jogos», conta Inês, avançada, autora de três golos no Mundial. Mas Cláudia, guarda-redes, já tinha participado no Europeu no ano passado, tendo-se sagrado vice-campeã da Europa com a camisola da seleção.

«Desta vez foi completamente diferente, até disse isso à Inês. É especial por ter estado com ela. Partilhámos quarto, juntámo-nos sempre na hora de descanso, e falámos disto e daquilo, pudemos desabafar sobre tudo e ela compreende-me como ninguém», conta Cláudia.

E se foi difícil para quem esteve presente, também não foi fácil para quem ficou. «No ano passado senti muito a falta dela. Ela esteve três semanas no estágio, eu fiquei em casa e não tinha nada para fazer, Sabia lá o que fazer…», revela Inês.

E essa ligação faz com que saibam também quando dar espaço uma à outra. «Depois da final, eu não fui abraçá-la porque sei que se tivesse ido começávamos as duas a chorar. Temos essa cumplicidade. Quando sabemos que não é o momento indicado, não vamos», explica Inês.

E como foi regresso a casa depois do Mundial? «É ótimo voltar a casa. Estávamos desejosas para ir à escola, queríamos ver os nossos amigos. E ainda por cima depois do que conseguimos. Toda a gente a dar-nos os parabéns… é um carinho especial», conta Inês.

«Quando chegámos aqui é que percebemos bem o que tínhamos conseguido. Toda a gente a dizer: “vice-campeãs do mundo com 17 anos, vocês são brutais”. E agora, pensando bem, somos vice-campeãs do mundo, é incrível».

Apesar de muito jovens, já praticam hóquei há 14 anos. «Jogamos desde os três anos», diz Cláudia e acrescenta: «Eu não imagino agora a minha vida sem hóquei, mas sei que um dia, se calhar, vai ter de acontecer».

«Nós importamo-nos com a escola, queremos ter boas notas, temos a nossa vida pessoal e o hóquei é o nosso refúgio dos problemas. No fim de um dia complicado, ir ao treino é a melhor coisa. Eu penso: vou defender umas bolas, vou descarregar a minha raiva - no caso dela, marca uns golos -, e acaba por passar tudo», explica.

Cláudia Vicente (foto FPP)

O que levou Cláudia e Inês a começaram a jogar tão novas? «Aqui em Turquel os miúdos já nascem com os patins nos pés. O nosso pai jogou hóquei e agora é um dos dirigentes do clube, e a nossa irmã Sofia também joga no Turquel, estamos as três na mesma equipa. Com três anos, víamos a Sofia e já dizíamos que queríamos ir para lá, mas é óbvio que teve a influência do meu pai».

A experiência da irmã na seleção acabou por ajudar também nas internacionalizações. «No ano passado, quando fui para o Europeu, sabia que havia praxes, e liguei-lhe para ela me dizer quais eram, para ir preparada. E ela explicou-me tudo. E já ia mais tranquila», conta Cláudia.

E Sofia serve também como inspiração. «Ela é conhecida por muitas seleções, mesmo na da Espanha, com quem jogámos, e toda a gente nos pergunta por ela. Sentimo-nos importantes por sermos irmãs dela e queremos mostrar que temos o mesmo valor».

Inês Vicente (foto FPP)

E como acabaram as gémeas a jogar em posições diferentes? «Quando jogávamos nos infantis, numa época era uma à baliza, na outra época era a outra. Trocávamos sem ninguém reparar porque gostávamos de estar nas duas posições e acabávamos por trocar. Mas depois eu devo ter percebido que gostava mais de ir à baliza e ela de estar como jogadora», conta Cláudia.

«Mesmo agora, ela não se safa nada mal a jogadora e eu não me safo mal a guarda-redes. Às vezes, no treino, por brincadeira, trocámos. Tenho jeito, não sei. Mas claro que agora somos treinadas para as funções específicas. Há técnicas que não se podem disfarçar», acrescenta Inês.

O facto de jogarem em posições diferentes faz com que vejam o jogo de maneira diferente, por vezes. «Já chegámos a discutir depois dos treinos. Coisas de guarda-redes que ela não percebe e coisas de jogadora que eu não percebo. E depois discutimos», conta Cláudia.

Com treinos três noites por semana e jogos ao fim de semana, as gémeas dizem que «dá para conciliar com as aulas», mas há coisas que deixam de fazer por causa do hóquei. 

«Claro que deixamos de fazer muitas coisas, como estudar ou estar com as pessoas que queremos. Principalmente ao fim de semana. Perdemos muito tempo, não só nos jogos, porque temos que estar lá muito tempo antes para aquecer, mas também a ir para lá, porque normalmente vamos jogar a Lisboa e a viagem demora uma hora. É quase o dia inteiro».

E o que fica de lado? «Festas de anos, por exemplo, há imensas vezes em que nos convidam e nós dizemos: não podemos, temos jogo. Mas nós gostamos e às vezes até preferimos ir para um jogo do que ir para uma festa».

Os amigos compreendem e ajudam a superar isso. «No mundial houve uma festa de uns amigos nossos e eles estiveram a ver o nosso jogo da final. Até mandaram vídeos para nós vermos. E estavam sempre a mandar mensagens, a apoiar. Isso foi importante, porque, mesmo nós estando bem lá, há sempre pressão. Estávamos lá com um objetivo, temos que dar o nosso máximo, e não podíamos falhar, porque havia muitas pessoas que queriam estar onde nós estávamos».

E os amigos, muitos deles também hoquistas, foram fundamentais neste regresso. «Tiraram apontamentos na escola para nós e estão a ajudar-nos a apanhar a matéria».

No futuro querem «continuar a trabalhar para evoluir e ir à seleção». «É fácil chegar ao auge, manter-se lá é que é difícil. E o auge é a seleção», frisam. E confessam outro objetivo: «O nosso sonho é ficar no Turquel até acabarmos. É o nosso clube do coração».

«Na faculdade vai ser complicado, porque nós queremos ir estudar para Lisboa. Mas há duas colegas do clube que este ano conseguiram conciliar e nós também queremos fazer isso. É um esforço que temos que fazer».