Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Os astros pareciam alinhar-se para tudo correr mal a Duarte Vale no quadro de pares do torneio de juniores do Open da Austrália. Uns dias antes do arranque do primeiro Grand Slam da temporada, o tenista português de 18 anos recebeu uma péssima notícia. O parceiro, o canadiano e número três do ranking de juniores Benjamin Sigouin, tinha-se lesionado num torneio de preparação.

«Fui falar com ele e ele disse-me que não sabia se recuperava a tempo do Open da Austrália. Falou com os fisioterapeutas e os médicos, que lhe falaram em dois dias. Só que ao fim de dois dias ele ainda nem conseguia pôr o pé no chão e fizeram-lhe um novo diagnóstico: tinha de parar quatro semanas», recorda Duarte Vale em conversa com o Maisfutebol.

O português, que até ia ter o estatuto de primeiro cabeça-de-série do torneio na variante de pares, ficava de repente sem parceiro. «Achei que não podia ter maior azar do que aquele e que não ia conseguir encontrar ninguém a tempo.»

Sem grandes expectativas para o torneio de pares, Duarte e o parceiro arranjado no dia das inscrições chegaram à final: «Tinha o parceiro lesionado e íamos jogar contra o par mais difícil. Pensei: 'Que mal fiz eu?'» (foto: facebook Clube de Campo Quinta da Moura)

O essencial da história já foi contado: Duarte fez dupla com o Finn Reynold, um neozelandês de 17 anos, e os dois chegaram à final do Open da Austrália. Perderam com uma dupla asiática, mas entenderam-se bem. Muito melhor do que seria de esperar. «Eu até achava que íamos perder logo na primeira ronda, até porque calhámos com os terceiros cabeças-de-série. Na minha opinião, o par mais difícil. Ainda por cima perdemos o primeiro set por 6-1 e as minhas expectativas estavam baixíssimas, mas recuperámos e depois veio a confiança.»

A confiança e a química entre dois miúdos que nunca se tinham cruzado sequer como adversários, quanto mais do mesmo lado da rede. «Eu conheci-o num torneio na Holanda há dois anos, mas não fiquei amigo dele, nem de perto. Nunca mais o vi até ao torneio de preparação para o Open da Austrália. Cruzava-me com ele todos os dias, dizia-lhe ‘olá’, ‘estás bom?’ e não mais do que isso», diz.

Os treinos na academia de Bollettieri

A conversa com Duarte Vale com o Maisfutebol faz-se via Whatsapp. O jovem tenista, o segundo português a atingir uma final de um «major» a seguir a Frederico Silva (duas vitórias e uma final perdida também em juniores), está na Florida (Estados Unidos), onde treina há cerca de ano e meio na IMG Academy, complexo de alto rendimento de ténis fundado pelo lendário Nick Bollettieri, mentor de Andre Agassi.

Duarte passa cerca de metade do ano radicado nos Estados Unidos, onde participa em torneios de juniores e em futures. Descobriram-no em vésperas de um Orange Bowl, considerado o torneio mais importante do mundo para jovens, e fizeram-lhe um convite para integrar a academia. «Era uma proposta demasiado boa para dizer que não», vinca. «Estou a dois minutos dos campos, há ginásio, fisioterapeuta, restaurante, alojamento e não tenho de pagar nada.»

Em troca, Duarte tem de dedicar-se quase exclusivamente ao ténis e fica submetido a um regime quase militar. «Acordo às 6 da manhã, treino das 7h00 às 10h00, depois faço físico até às 11h00, almoço e volto a treinar das 2 da tarde às 3 e meia ou 4 da tarde. Por volta das 5 e meia janto, faço alguns trabalhos para a escola e vou dormir.»

As diferenças em comparação com a realidade portuguesa são grandes, reconhece. Não tanto na qualidade dos tenistas (embora o nível seja diferente), mas mais por estar tudo muito disperso. «Tenho de fazer alguns quilómetros para ir treinar e se chove tenho de ir para o Centro Nacional do Jamor. Em Portugal também há bons jogadores, mas estão em clubes diferentes. Aqui tenho tudo isso num só lugar», observa.

O princípio de tudo com uma raqueta do Mickey

A ida para os Estados Unidos foi talvez o passo mais importante de uma ligação ao ténis que começou quando não tinha mais do que cinco anos. O irmão, sete anos mais velho, jogava ténis num clube na Quinta da Marinha. «Um treinador de lá deu-me uma raqueta do Mickey e eu adorei-a, não a largava. Entretanto, os meus pais meteram-me no ténis para fazer desporto», recorda.

Duarte aos nove anos. Foi campeão nacional em todos os escalões até aos 18 anos (foto: arquivo pessoal)

Até por volta dos dez anos, a paixão de Duarte Vale recaía sobre futebol, mas a partir daí virou-se definitivamente para o ténis. A razão? Começou a jogar bem e a ganhar. «É difícil desfrutar do ténis se não se conseguir jogar bem. No futebol, qualquer pessoa pode chutar uma bola. No ténis, ou joga-se bem ou não se consegue jogar», aponta.

Foi mais ou menos com essa idade que Duarte começou a ganhar torneios. Ao regional, com nove anos, seguiu-se o nacional, com dez, em provas inseridas no Programa Nacional de Detecção de Talentos.

Assumidamente ignorantes, perguntamos em que outros escalões foi campeão nacional. «Por todos», dispara: «Doze, 14, 16 duas vezes e de sub-18 quando tinha 16 anos. Se o pessoal já não me pode ver à frente? Do outro lado do campo, se calhar não [risos]. Mas ainda me dou bastante bem com a malta.»

Federer, Nadal e o convívio com as estrelas

Duarte Vale não viu a final do Open da Austrália. O duelo em cinco sets entre Roger Federer e Rafael Nadal começou às 19h00 em Melbourne, onde são mais 16 horas do que na costa leste dos Estados Unidos. «Fui para casa de um amigo e a ideia era ficarmos acordados até ao jogo, que era às 3 da manhã de cá. Mas não aguentei, estava muito cansado», assume.

O jovem tenista diz ser um admirador confesso de ambos e que, por isso, ficaria contente com a vitória de qualquer um. «Os dois são tão surreais que é difícil dizer por quer torcia. Mas, se tivesse de escolher, optava pelo Federer.»

Duarte, que até nem olha para o suíço como uma referência para tentar imitar no court («é demasiado perfeito»), chegou a estar cara a cara com ele em Wimbledon após um treino testemunhado por centenas de pessoas e a que se seguiu uma longa sessão de fotografias e autógrafos. «Ele podia ter ido direto para o balneário, mas preferiu dar atenção às pessoas. Eu também não perdi a minha oportunidade, claro! Ele foi bastante simpático e acessível. Depois de tudo o que já ganhou, continuar a ser este tipo de pessoa, a tirar fotografias com toda a gente e a dar autógrafos sem problemas.»

No court, Duarte Vale já trocou bolas com o número 5 do mundo, o japonês Kei Nishikori, que também evoluiu na academia de Bollettieri. «Não falamos muito, ele é bastante reservado. Mas a bola dele anda imenso, sim», testemunha.

«Cresci a admirar jogadores com garra: Nadal, Hewitt e mesmo o Ferrer e o João Sousa. Têm uma grande atitude. Federer? É demasiado perfeito», diz o jovem português

O futuro e o sonho de um dia chegar ao top-10

Aos 18 anos, Duarte segue no 14.º lugar no ranking mundial de juniores. O Open da Austrália, apesar da final em pares, deixou-lhe uma espécie de amargo de boca. Tinha a ambição de atingir pelo menos as meias-finais, mas caiu na terceira ronda em três parciais aos pés de Menelaos Efstathiou, um cipriota proveniente do qualifying.

«Não fiquei satisfeito. Estive a ganhar 4-2 no segundo set e deixei de concentrar-me no que devia fazer. Não é que pensasse que o jogo já estava ganho, mas deixei de ter aquele sentido de urgência que costumo ter quando estou por exemplo a perder por 5-4 e é preciso jogar o ponto seguinte como se fosse o último. Fiquei devastado por perder, por deixar escapar o jogo depois de o ter na mão. Não só por mim, mas porque estava a representar também a minha família e o meu país. Senti que desapontei alguém», assume.

Uma desilusão que não belisca os objetivos projetados para uma carreira que ainda está a começar. Duarte Vale quer evoluir no ranking para que daqui a dois anos já consiga entrar em torneios de categoria ATP, onde Portugal só está representado pelo Estoril Open.

O futuro? Colher os frutos de um desporto que ainda o obriga a investir quase a 100 por cento e, quem sabe, estar um dia entre os melhores. «É difícil, mas o meu sonho é chegar ao top-10. A um top-50 consigo chegar e, a partir daí, os pormenores tornam-se muito importantes», conclui.

* A foto de capa foi cedida por Duarte Vale ao Maisfutebol

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