Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Jéssica Augusto conquistou no passado mês de abril a primeira maratona da carreira, ao fim de 20 anos a correr e de muitos pódios. A atleta do Sporting chegou ao título que há muito perseguia e depois de dez maratonas. 
 
Aconteceu em Hamburgo. Foi bom, muito bom, mas Jéssica Augusto queria mais. Quer sempre mais.
 
«Era um título que estava à procura, é verdade, mas, mais do que isso, queria bater o meu recorde pessoal e o nacional, que pertence à Rosa Mota. Infelizmente não apanhei as melhores condições e acabei apenas por ganhar. Mas vá, deu-me prestigio e deixou-me contente.»
 
2h 25m 30s foi o tempo, mas Jéssica Augusto queria fazer os 42.195 quilómetros em menos de 2h 23m 29s. «Sou muito exigente comigo mesma. Mal consigo um objetivo já estou a pensar no próximo», disse ao Maisfutebol, admitindo que está no desporto como na vida: «Também no meu dia a dia sou exigente. Quero dar sempre o melhor de mim.»
 
Com esse lema, a atleta de 35 anos, soma dezenas de pódios e de primeiros lugares. Entre tantos e uns mais significativos é difícil dizer quais a marcaram mais, mas não tem dúvidas de que o primeiro título, em 2000, ainda como júnior, foi especial: «Ser campeã da Europa de Corta-mato deu-me motivação para continuar a correr.»
 
Depois disso foi sempre a somar. Ser medalha de ouro nos 5000 metros das Universíadas, em Banguecoque, em 2007, também foi importante, mas todos os títulos o são. E em 2017 já foi também Campeã Nacional de Estrada e de Corta-mato Longo.
 
Com Dulce Félix no Campeonato da Europa de Corta-mato em Albufeira (2010), no qual venceu a medalha de ouro
No entanto, como qualquer atleta, em qualquer que seja a modalidade, a carreira de Jéssica Augusto também tem momentos menos bons e que custam a ultrapassar: «É difícil quando preparamos um objetivo e uma semana antes nos aparece uma lesão. Treinamos muito até lá chegar e é frustrante quando não conseguimos dar a volta.»
 
Aconteceu, por exemplo nos últimos Jogos Olímpicos, os do Rio, mas Jéssica Augusto já está focada nos próximos. Em 2020 já terá 38 anos, mas isso não a assusta até porque sabe o que vale e há por aí «quarentonas que são campeãs».
 
«Enquanto tiver força, vontade e objetivos na minha cabeça irei continuar. Com o passar dos anos as pernas começam a falhar, aquilo que fazíamos antes com maior facilidade agora custa mais, mesmo a nível de preparação, mas vou continuar sabendo que um dia terei de pôr um ponto final na carreira.»
 
Nos primeiros Jogos Olímpicos em que participou, Londres 2012 - foi 6.ª na maratona 
Foi para o Sp. Braga porque não queria ser ultrapassada por um amigo
 
Jéssica Augusto começou a correr no desporto escolar e foi ganhando o gosto, mas teve um símbolo nacional da modalidade a inspirá-la Fernanda Ribeiro. «Sou fã dela. Ela foi a grande culpada por eu ter ido para o atletismo e por esta minha paixão.»
 
«Lembro-me de em 1996 estar na aldeia da minha mãe e fazer direta para a ver correr [medalha de ouro nos JO de Atlanta]», recordou, admitindo que agora fica satisfeita por também ver o seu nome associado a uma nova era de sucesso do atletismo português e ser reconhecida pelo que tem conquistado, mas também pelo que tem vivido.
 
«É muito bom, claro. Além disso, comecei a ver a Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Carlos Lopes e Rui Silva, e a tê-los como ídolos, e de repente sou colega deles. Via-os a competir em casa, na televisão, e inspiravam-me. Nunca imaginei que poderia estar a treinar ou a estagiar com eles, sobretudo com a Fernanda e com o Rui - os meus ídolos.»
 
Ainda assim, também um colega da escola foi importante para Jéssica Augusto chegar ao Sp. Braga em 1997 e dar os primeiros passos para uma carreira da qual se orgulha e que é, atualmente, das melhores do atletismo português.
 
«Ele disse-me que ia para o atletismo do Sp. Braga e como eu competia muito com ele, disse-lhe logo: ‘Então vou atrás de ti porque se não vou passar a perder contigo e não quero’.»
 
Chegada ao clube bracarense, «viram que havia talento e vontade» e começou aí o percurso normal de qualquer atleta. Representou o Sp. Braga até 2006, rumando depois ao Maratona Portugal e entre 2009 e 2015 correu apenas por si e com o patrocínio da Nike. Até chegar ao Sporting, onde está atualmente.
 
Em representação do Sporting [Fotografia cedida pelo Sporting]
«Benfica? É bom termos um clube que nos queira fazer frente»
 
As diferenças de ter ou não ter clube são várias e assinar pelo Sporting foi, obviamente, uma boa decisão: «Num clube não treino apenas para os meus objetivos, treino também para os do clube que, depois, são igualmente meus. É uma motivação extra estar ligada a um clube. Há mais objetivos, provas nacionais e internacionais, e somos apoiados de maneira diferente. Neste momento, a Nike dá-me o material e o Sporting dá-me apoio médico, psicológico. No fundo, o Sporting dá-me tudo, e prestigio.»
 
«É um orgulho vestir esta camisola», acrescentou, referindo que não considera que o atletismo do clube de Alvalade esteja a um nível mais baixo do que já esteve: «Para mim, nunca deixou de ser o que era. Mas, é certo, passou por um momento de transição, do Moniz Pereira para o Carlos Lopes, e isso nunca é fácil.»
 
«O Sporting nunca deixou de fazer grandes conquistas. É um clube que aposta na formação e nos atletas. Isso vê-se nos resultados. O Benfica cresceu, mas é bom que tenha investido. É bom termos um clube que nos queira fazer frente porque se não o campeonato não teria piada. Esta luta entre Sporting e Benfica é boa, é pena não termos mais clubes para se juntarem a nós», justificou. 
 
Atleta e mãe, a pensar já no futuro
 
Em 2015, uns meses antes de assinar pelo Sporting, Jéssica Augusto foi mãe pela primeira vez. E aí abrandou: «Mal soube que estava grávida parei. Soube quando estava com seis semanas e quis aproveitar ao máximo.»
 
«Ia treinando com amigas que não eram muito ligadas ao desporto, mas que faziam caminhadas e que queriam correr um bocado. Também ia com elas para o ginásio, mas não treinava a sério. Treinava duas vezes por semana e nem sempre», contou, atirando entre risos: «E foi aí que engordei 20 quilos, também porque comia bem!»
 
«Quando engravidei pesava 44 quilos. 12 perdi logo com o parto, os restantes foram mais difíceis perder, mas já perdi.»
 
Esteve nove meses afastada, voltando a treinar quando a Leonor, agora com quase dois anos, tinha um mês. «Quando ela fez 30 dias comecei a trabalhar em conjunto com o meu fisioterapeuta e voltei ao trabalho de core e de correção da bacia. Só depois, um mês mais tarde, é que comecei a correr.»
 
Agora tem a vida de qualquer atleta, mas também a de mãe muito presente: «Acordo cedo, tomo o pequeno-almoço, trato da Leonor, levo-a ao colégio, treino, almoço, descanso e volto a treinar. Perto das 18h vou buscá-la e passamos o resto do dia juntas.»
 
«Corro todos os dias duas vezes, de manhã e à tarde, menos ao domingo que faço um treino mais ligeiro. Em época de maratona faço 200/210 quilómetros por semana», pormenorizou.
 
Para o ano acrescentará ao dia a dia a Universidade. Jéssica Augusto entrou na licenciatura de enfermagem, na Universidade do Minho, em 2005, mas acabou por desistir. «Fiz algumas cadeiras no primeiro ano e não continuei também por que se passou para o processo de Bolonha. Por ser atleta profissional, pedi época especial e acabaram por se esquecer. Aí acabei por desistir.»
 
«Não me arrependo», disse, para imediatamente atirar: «Mas tenho medo do futuro. Não por não ter a vida estabilizada, porque tenho, ganhei para isso, felizmente, mas como não me vejo sem o atletismo e como não tenho garantia de emprego depois disto, assusto-me um bocado.»
 
«Por isso, tomei a decisão de no próximo ano iniciar a licenciatura em educação física e depois vamos ver como me organizo, vão ser três anos. Primeiro a licenciatura e depois dos JO terei tempo para pensar no mestrado e, mais à frente, começar uma nova vida no mercado de trabalho», acrescentou.
 
Ser treinadora não está obviamente descartado, mas Jéssica Augusto admite que gosta «muito de marketing e da parte da organização de eventos»: «Logo se vê, o futuro pode passar por aí.»
 
«Nós atletas achamos que nunca fizemos nada e não sabemos o que pôr no currículo, mas como me disseram uma vez: ‘Tens medo de quê? Percebes de liderança e de trabalho em equipa. Não tenhas medo. Não correste apenas, foste aprendendo ao longo da carreira a liderar e a saber estar em equipa, entre outras coisas’.»
 
O certo é que, seja a fazer o que for, Jéssica Augusto quer continuar a dar o melhor de si e a ter sucesso: «Vou continuar a ‘correr’ para ficar em primeiro. Sempre, em tudo.»