Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

«Quem manda no meu dia a dia é o mar, se estiver bom fico lá o dia todo», quem o diz é Joana Schenker, a luso-alemã, de 30 anos, que está na luta pelo título mundial de bodyboard (APB). Algo que nunca nenhum atleta português conseguiu.

Faltam duas etapas, uma na Nazaré, que já começou e decorre até dia 12 de outubro, e outra em La Guancha de 14 a 28 deste mesmo mês.

A atleta pode até ser já campeã em solo português. Para isso basta que nem Alexandra Rinder (Ilhas Canárias) nem Isabela Sousa (Brasil), as duas atletas que também estão na corrida, não cheguem à final do Nazaré Pro. 

«Ansiosa? Não. Estou tranquila porque o ano já está a correr acima das expetativas, mas agora, como estou tão perto e é um objetivo tão grande, vou dar tudo para lutar por ele», contou ao Maisfutebol.

Este é apenas o segundo ano em que Joana Schenker participa no circuito mundial de bodyboard e a meta era ficar nas oito primeiras. Daí, a satisfação pelo já alcançado: «Está a ser um ano excelente. É certo que não vou baixar os braços, mas se não conseguir ganhar também fico contente. Fica para uma próxima.»

A vitória na etapa de Sintra, no final de setembro, foi fundamental para a bodyboarder conquistar vários pontos na luta pelo título e conseguir a liderança no ranking mundial, mas a luso-alemã não se esquece da humildade com que começou e por isso recorda esse triunfo no plano simbólico.

«Vi essa prova há 14/15 anos e foi aí que se deu o clique, que me despertou o bichinho da competição. Adorei, fiquei admirada. Havia uma distância enorme entre mim e elas e agora, ao fim de tantos anos, conseguir ganhar a prova demonstra que todo o trabalho deu frutos», justificou, enaltecendo: «Foi especial.»

«Demonstrou-me a mim mesma que tenho valor e capacidade para estar entre as melhores, porque às vezes não acreditamos muito em nós. Deu-me ainda mais vontade para trabalhar e melhorar.»

Até aqui, em 22 anos de evento, só dois portugueses tinham vencido na Praia Grande: Manuel Centeno, em 2003, e Catarina Sousa, em 2009.

O pódio na etapa em Sintra ao lado de Alexandra Rinder e Isabela Sousa. Joana Schenker ficou em primeiro.

«Filha» de Sagres, sabe... surfar

Filha de pais alemães, que se mudaram para o Algarve, Joana Schenker já nasceu em território português. É a mais velha de quatro irmãs. Todas elas já experimentaram a modalidade, mas só Lara - a segunda mais velha - pratica com maior frequência e às vezes treina com Joana.

É normal fazer bodyboard em Sagres. «Os meus amigos praticavam. Experimentei e fui uma das que gostou e ficou», recordou. Começou tudo aos 13 anos e hoje tem a certeza: «Não, não consigo deixar o bodyboard.»

«Quando comecei, queria apenas divertir-me com os meus amigos. Com o tempo fui investindo e surgiu tudo normalmente.  Juniores, europeus e mundiais, mas nunca com a ambição de ganhar nada, apenas de desfrutar. Não sou uma pessoa muito competitiva de personalidade», referiu.

O mar - que lhe merece todo o respeito por saber a força que tem e porque lhe tem dado muito - significa trabalho, lazer e também um refúgio capaz até de lhe alterar o humor: «Ir à água faz parte da minha rotina diária, como tomar o pequeno-almoço ou dar uma volta todos os dias. Se fico muito tempo sem ir ao mar parece que tenho energia a mais, que não fiz o que devia ter feito naquele dia.»

«Tento sempre ir pelo menos uma vez por dia, mas nem sempre é possível. Ir uma horinha por dia é como picar o ponto. Funciona como terapia, onde estou sozinha e a fazer uma coisa só minha, onde não há mais nada - apesar das pessoas que lá andam também.»

A paixão pelo bodyboard é partilhada também com outra paixão, Francisco Pinheiro - o namorado, treinador e companheiro de ondas e aventuras. Juntos têm uma escola de bodyboard em Sagres «para ajudar jovens atletas a dar os primeiros passos».

Joana Schenker: «Não, não consigo deixar o bodyboard.»
 
Da recusa às aulas de educação física aos trabalhos temporários: tudo pelo bodyboard
 
Aluna de boas notas, Joana Schenker preferiu sempre o bodyboard às convencionais aulas de educação física. Por isso, entre o quinto e o novo ano recusou-se a participar nas aulas. Ato de rebeldia ou ideias fixas?
 
A justificação é simples: «Na minha cabeça não fazia sentido nenhum. Fazia outros desportos e aqueles não me diziam nada. Fiz recusa total nesses anos, não fiz aulas nenhumas. A minha mãe não me apoiou, claro, mas também não se opôs. Como tinha boas notas nas outras disciplinas podia dar-me a esse ‘luxo’.»
 
«Aproveitava esse tempo para fazer os trabalhos e estudar para depois, quando saísse da escola, puder ir surfar. Era quase uma gestão de tempo», justificou, dizendo que no décimo tudo mudou: «Aí acabei por fazer educação física porque era preciso para a média.»
 
Mesmo assim, Joana Schenker acabou por não entrar para a Universidade porque foi a partir dessa altura que começou a dedicar-se «a 100 por cento» ao bodyboard.
 
Seguiram-se também muitos sacrifícios e muita dedicação para se manter na modalidade.

Além de não ter conquistado títulos nacionais, apesar de ter vencido as provas - não era reconhecida como portuguesa por ter, até há poucos anos, somente nacionalidade alemã - Joana Schenker sofreu com a falta de patrocínios.

«No bodyboard, como noutras modalidades, só depois de certas etapas é que se recebem apoios. A mim valeu-me a minha família e a minha insistência até os conseguir. Tive muitos empregos, part-times e trabalhos temporários», revelou, dizendo que depois de tanta dedicação e esforço agora sente que «valeu a pena».

Nesse sentido, e pelo que tem conseguido, espera servir de motivação e de exemplo para aqueles que perante algumas adversidades desistem: «Que não percam a motivação e que apostem na modalidade. É possível viver do bodyboard. Há pessoas muito negativas e que desistem ainda antes de tentar. Temos de ser persistentes, as coisas acabam por acontecer.»

Com 30 anos, celebrados no dia 1 de outubro, Joana Schenker quer «continuar a evoluir, competir e lutar pelos objetivos que surjam». «O foco é sempre a evolução», referiu, dizendo que não tem data para parar: «Enquanto me sentir bem, tiver patrocínios e apoios, vou-me dedicar a isto porque é o que eu mais gosto de fazer.»

«Quando não for possível há outros caminhos, também ligados ao bodyboard. Estarei certamente ligada ao bodyboard, agora se será o meu trabalho principal não sei. Gosto muito de cozinhar, tenho muitas ideias. Logo de vê», acrescentou.

Joana Sckender, de 30 anos. Desde os 13 que pratica bodyboard.

O gosto pela comida vegetariana que é um modo de vida compatível com a alta-competição

Joana Schenker é vegetariana desde os 10 anos. Ou seja, há 20. Uma questão de opção e de consideração aos animais.

«Adoro animais, sempre adorei, e desde que me lembro que me fazia confusão comer carne ou peixe. Mas não tinha força de vontade para o fazer e gostava do sabor da carne. Aos 10 anos fui para a Índia com a minha mãe, durante um mês, e quando voltei acho que tive um salto de crescimento e deixei de comer carne e peixe, passei a ser vegetariana», contou.

Há quem diga que é um modo de vida e a atleta diz que «nada incompatível» com o alto-rendimento, ao contrário do que muita gente acha. Isso e que não há muitas alternativas ou pratos variados. «Há imensa comida para comer, muita variedade. Não tenho nenhuma deficiência de ferro, nem proteína nem nada disso», referiu.
 
«Não é de todo incompatível com a prática de exercício. Aliás, até acho que traz imensos benefícios: o corpo recupera melhor e tenho uma energia inesgotável», sublinhou, referindo que o único cuidado que tem é na hora das refeições quando está em competição: «O cuidado com as horas antes de ir para a água, como toda a gente.»
 
[Fotografias cedidas pela atleta. Facebook Joana Schenker.]