Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Maya Gabeira tornou-se conhecida em Portugal em 2013 depois de sofrer um grave acidente na Praia do Norte, numa das primeiras vezes que surfou na Nazaré, mas antes disso já tinha sido notícia um pouco por todo o Mundo. 

Brasileira, agora com 30 anos, nasceu no Rio de Janeiro e praticou ballet, mas desde cedo que se apaixonou pelo surf. Rumou ao Hawai com apenas 17 anos e desde aí que tem passado muitas horas no mar e alcançado muitos títulos e distinções.

Em 2008, Maya Gabeira tornou-se na primeira mulher a surfar no mar do Alasca e já venceu em cinco ocasiões o Billabong XXL Global Big Wave Awards. Agora concorre a um lugar no Guinness depois de ter surfado na Nazaré uma onda de - possivelmente - 24 metros.

Em dia de ondas impraticáveis na Praia do Norte, Maya Gabeira não foi ao mar e esteve à conversa com o Maisfutebol, dando-se a conhecer e revelando como tudo começou: «Tinha 13 anos quando experimentei pela primeira, foi por causa de um namorado. Achei um desporto difícil, desafiador e ‘cool’. As pessoas do surf eram as mais ‘legais’, viviam no ambiente da praia e da saúde, então interessei-me muito e comecei a praticar.»

Nunca pensou ser o que hoje é no mundo do surf, mas garante que nada foi e é por acaso. «Sempre fui uma pessoa de sonhos grandes e muito focada, nunca fui de fazer as coisas por fazer. Sempre tive sonhos e metas, colocando tudo em prol disso. O que tenho conquistado é fruto de muito trabalho», disse.

VÍDEO: a onda que pode levar Maya Gabeira ao Guinness

«Podemos ser o que queremos» e para ser surfista também foi empregada de mesa

Filha de pai político e jornalista - Fernando Gabeira - e mãe estilista - Yamê Reis -, Maya Gabeira sempre acompanhou a profissão dos pais, mas nunca quis seguir o caminho de nenhum deles. 

«Acho que podemos e devemos ser sempre aquilo que queremos», começou por dizer, justificando: «Apesar de tudo aquilo que poderia ter sido, com a ajuda dos meus pais, o surf foi sempre a minha paixão e preferi seguir pelo desporto. Não me lembro de alguma vez ter pensado em fazer outra coisa.»

Por isso, deixou os estudos, a família e os amigos para trás. «Larguei tudo na loucura, saí com a minha prancha», contou.

«Fui para o Hawai para investir na carreira, mas sabia que ia ser difícil ser profissional e competir no WSL. Fui aos 17 anos, trabalhava como empregada de mesa e passava o resto do tempo na água. Fiz isso durante dois anos e sempre apostei mais nas ondas grandes, porque me desafiavam mais. Acabei por ir por aí e mesmo sabendo que seria difícil de me profissionalizar, acreditei que poderia ter sucesso.»

E tem tido. Sustos, também.

Na Indonésia, onde gosta de aproveitar o tempo-livre ( Facebook )

'Apagou' na Nazaré, mas não desistiu e continuou a sonhar

O primeiro grande susto de Maya Gabeira no mar foi em 2011 quando, no Taiti, caiu durante uma manobra e foi atingida por várias ondas, tendo sido resgatada pela equipa de apoio. O último, foi na Nazaré em 2013.

A surfista, que tentava bater o recorde de maior onda surfada na Praia do Norte, caiu e foi resgatada inconsciente pelo amigo e também surfista Carlos Bule. Teve de ser reanimada e acabou por partir «apenas» um tornozelo, passando ainda algum tempo no hospital.

As imagens correram o mundo e causaram algum choque. Maya Gabeira viu-as na altura e prefere esquecer-se delas, mas recorda bem o que aconteceu: «Apaguei. Quer saber se vi Deus? (risos) Apaguei já quase na areia, lembro-me disso. Claro que me assustei, mas pensamos sempre que temos chance de nos salvar e salvei.»

No entanto, a surfista viveu um longo calvário depois desse episódio. «Além da lesão, fui operada três vezes à coluna e tive médicos a dizer-me que não poderia surfar mais», afirmou.

«Também achei que nunca mais voltaria a surfar como hoje, mas nunca deixei de trabalhar e de sonhar. Foi com o tempo, com a persistência e, como prefiro dizer, pela não desistência. Continuei mais devagar, com maiores dificuldades, e o tempo foi resolvendo o que havia para resolver na minha cabeça e no meu corpo.»

Por isso, a onda surfada no dia 21 de janeiro na Praia do Norte, que a poderá levar ao Guinness, teve um sabor ainda mais especial: «Para mim significa um trabalho concluído, um sonho realizado e que esteve quase a ser impossível de realizar depois do acidente. Na primeira vez que tentei lá chegar quase morri.»

«Estive três anos a trabalhar no escuro - sem os holofotes, que também são o menos importante -, e depois conseguir isto, uma onda que pode ser considerada a maior, foi bom claro. Não sabia se ia conseguir ou não, depende da sorte e da onda certa, mas fiz tudo para estar no lugar certo na hora certa», disse satisfeita.

«Bom dia do meu farol favorito», escreveu no Facebook - Praia do Norte

Nazaré: a nova casa e até nome do futuro cão

A Nazaré é por isso, e apesar de tudo, especial. 

«Quando cheguei aqui em 2013 vi um potencial inacreditável, as melhores ondas do mundo, um lugar pouco explorado, uma cultura maravilhosa num país que falava a minha língua. Para mim, foi o ponto de partida para uma nova fase; uma segunda fase da minha carreira. Estava farta dos Estados Unidos e estava pronta para outra aventura», revelou.

E por isso é que também não pôs a hipóteses de não voltar à Nazaré depois acidente: «São coisas que acontecem. Voltei e agora vivo vários meses em Portugal, aproveito muito. No ano passado estive quatro meses, este ano cinco.»

«Gosto de vários outros mares, mas este é o que mais surfo agora e o que mais gosto, onde me sinto em casa», disse, antes de justificar que tem «tanto medo do mar da Nazaré como de todos os outros».

«O medo faz parte, e fazia mesmo antes dos sustos. Acho que temos de ter medo, também como forma de respeitar, mas tentamos trabalhar e preparar-nos para estar em harmonia com essa situação perigosa e de risco e depois tentamos tomar as decisões certas para superar os limites.» 

Limites esses que gosta de ir superando e batendo, mas neste momento não tem nenhum objetivo em mente: «Não pensei ainda (risos). Para já, a meta é tentar abrir a categoria feminina no Guinness, que é algo mais político do que de performance, e amolgar o recorde.»

Enquanto espera por isso, vai aproveitando o tempo nesta «vida solitária» de surfista e que a tem afastado da família e aguarda ansiosamente pelo companheiro com quem passará a dividir a casa e a vida.

«Há muito que quero um cão, mas a minha vida não me permitia ter um e agora a minha mãe, que me vai ajudar com ele, disse que podia arranjar um», contou entusiasmada.

O cão só chega em abril, mas Maya Gabeira já conta os dias para o ter e até já lhe deu nome: «Naza de Nazaré, claro.»

VEJA TAMBÉM A REPORTAGEM DA TVI COM MAYA GABEIRA