Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Esta semana falamos sobre muay thai, a arte marcial tailandesa conhecida como a «arte dos oito membros», porque utiliza as mãos, os cotovelos, as pernas e os pés para «responder». Violento? Não, de todo.

Rui Botelho, Bruno Almeida e Maria Lobo são portugueses e são campeões da Europa, e garantem-nos isso, apesar de ela já ter «partido a cara duas vezes, uma com uma cabeçada num choque casual». Os três conquistaram o lugar mais alto do pódio no Europeu realizado em Split, na Croácia, no final de outubro e são mais três exemplos de esforço, superação e sucesso. Mas não só. São muito mais do que isso.

Em comum, para além do sucesso e do recente ouro já referido, têm o mesmo clube: o Dinamite Team, sediado em Mafra e em Lisboa e que pertence a Dina Pedro, um dos grandes nomes da modalidade no nosso país e que venceu títulos europeus e mundiais.

Bruno Almeida

A «escola» é boa e eles também, mas as histórias são diferentes. Rui Botelho começou na modalidade como alternativa forçada ao «mau comportamento». Ideia do pai que quis «orientar» o filho para caminhos melhores do que aqueles que estava a seguir aos 15 anos. Já lá vão seis.

«Naquela altura não me andava a portar bem na escola, estava a tornar-me um pouco delinquente e o meu pai decidiu pôr-me a fazer alguma coisa para ocupar o tempo e não fazer disparates. Havia um open day e fui experimentar. Apaixonei-me logo, não houve hipóteses», disse ao Maisfutebol.

Já Bruno Almeida, que antes tinha praticado karaté, entrou para a modalidade porque um primo mais velho já a praticava: «Vi vários combates dele, gostei e quis participar. Aconteceu tudo aos 15 anos, agora tenho quase 24 [faz esta sexta-feira]. Ou seja, pratico há cerca de nove anos.»

O caso de Maria Lobo, agora com 29 anos, é diferente. Foi como o Rui, ideia dos pais, mas por outras razões: «Já praticava judo, mas por causa do aumento da violência na escola eles quiseram-me pôr a mim e ao meu irmão num desporto mais agressivo para nos sabermos defender. Entrámos por brincadeira, ganhei o gosto e fiquei. O meu irmão saiu, é mais preguiçoso e baldou-se.»

Ainda assim, apesar da ideia correta dos pais da Maria, que a mesma salienta foi para «saber defender-se» é preciso sublinhar o que Rui diz: «Agressividade não é violência. No muay thai a agressividade é importante, sim, mas não se pode confundir com violência. É um desporto de combate, mas não é violento.»

Até consegue é ser libertador, que o diga Rui que se descobriu com a prática da modalidade: «Senti logo diferença no meu comportamento, até na escola ao nível da concentração. No ringue sentia-me mais aliviado e isso ainda hoje acontece. Quanto tenho problemas, chego ao ginásio e passa tudo.»

É portanto uma boa alternativa também neste aspeto e na rebeldia da juventude: «Nunca andei à porrada na rua, mas picava o meu pai e o meu irmão. A partir do momento em que pude começar a fazê-lo num sítio próprio deixei de ter essa vontade. Os miúdos aprendem que não têm de andar à porrada, mas já sabem safar-se.»

Rui Botelho

E eles os três safam-se, e bem.  Ainda assim, nenhum pensou chegar onde chegou, mas o certo é que à medida que o tempo foi passando investiram no muay thai e nos sacrifícios. Todos treinam dez vezes (!) por semana, bidiário, descansando apenas um dia em cada sete.

«É ao domingo, mas nem assim mudo as regras que tenho durante a semana», disse Rui: «Não me deito depois da meia-noite, mesmo que não treine; tenho cuidado com a alimentação e não como doces ou bebo álcool. Só quando estou de férias - cerca de um mês durante todo o ano, mas de forma comedida.»

O Bruno segue o mesmo ritmo de vida e é acompanhado por uma nutricionista para se «alimentar da melhor maneira e ter o peso certo para competir». Quando se gosta tudo é mais fácil, por isso Bruno diz que não se sente a fazer muitos sacrifícios e quando estudava também conseguia conciliar.

«Estava a tirar Sociologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, mas desisti recentemente. Não foi por não conseguir conciliar, apesar do esforço, mas sim porque não estava a gostar tanto do curso quanto pensava e porque decidi investir mais no muay thai.»

Aconteceu o mesmo com a Maria, que se licenciou em Design e Comunicação. Ainda estagiou na área, mas decidiu concentrar-se em absoluto na modalidade: «Não era uma prioridade face ao muay thai. Sei que o corpo um dia vai pedir para parar, por isso depois volto ao design.»

Maria Lobo

Ao contrário de outros casos nas diversas modalidades, o Rui, o Bruno e a Maria são profissionais. Vivem para o desporto e tentam viver do mesmo. «Recebemos por combate, não temos salário. Somos como os artistas, como se fossemos uma banda. Contratam-nos e vamos atuar naquela ‘gala’, é assim o nosso caché», revelou a Maria.

Nuns combates paga-se melhor do que noutros, por isso contam com a ajuda preciosa dos pais. «Tenho uma ‘ganda’ mãe que me apoia e ajuda, porque se calhar com outros pais teria de trabalhar e não teria os mesmos resultados», justificou Rui. O mesmo diz Bruno: «Como vivo com os meus pais não tenho despesas de casa e claro que isso é logo uma grande ajuda. O que ganho no muay thai é para mim e dá.»

Dá e dará, porque é na modalidade que os três querem continuar por muitos e bons anos. Até o corpo deixar e depois de alcançados outros títulos porque, apesar de os que já conseguiram os colocarem no lote dos melhores portugueses, querem mais.

«Quero conquistar tudo e continuar a competir entre os melhores. Já o faço e quero continuar a fazer», revelou Bruno. E o Rui quer o mesmo: «Não quero ser o número um, mas quero lutar contra os melhores. Gostava de ficar no top10 na Tailândia. Na minha categoria os lutadores são quase todos tailandeses, por isso um estrangeiro estar nos 10 melhor é gratificante, quer dizer muito.»

A Maria, que às vezes causa surpresa por ser rapariga e fazer ‘disto’ vida, também não foge à regra: «Quero desafiar-me todos os dias, crescer. Ser uma das melhores. Não a melhor porque acho que não há melhores, há sim um grupo de elite e é aí que eu quero estar.»