Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

Ivo Oliveira não conseguiu sentir no próprio dia o sabor da primeira medalha de um ciclista português em Mundiais de Pista na categoria de elite.

O português, de 21 anos, perdeu o ouro na prova de perseguição individual para o italiano Filippo Ganna. Custou, mas agora, duas semanas depois de ter ficado na história do ciclismo português, reconhece que a prata já sabe... a prata. «Sem dúvida que sim! No dia em que a recebi nem lhe dei muito valor, por assim dizer. O sentimento de frustração era maior, era o de ter estado tão perto e de não ter conseguido. Mas agora olho para trás e penso que Portugal nunca antes tinha conseguido uma medalha de elites. Há dois ou três anos nem pensava que isto seria possível e agora já caí mais em mim e sinto-me bastante feliz», garante Ivo Oliveira em conversa com o Maisfutebol.

Filippo Ganna, colega de Rui Costa na UAE Team-Emirates, é uma espécie de némesis para Ivo Oliveira. Talvez também por isso a derrota – se assim lhe podemos chamar – tenha custado um pouco mais a digerir. «Esta foi a terceira final que fiz com ele no espaço de dois anos e eu perdi as três vezes. Se era uma questão pessoal? [Risos] Não, mas quase que parecia», conta, lembrando as finais perdidas nos Europeus de sub-23 em 2016 e de elites no final de 2017.

Desta vez, os sinais dados na qualificação, onde pulverizou o recorde nacional e fez o quarto melhor tempo de sempre na prova de perseguição individual (4m12,365s), legitimavam o sonho de subir ao lugar mais alto do pódio, mas a final, realizada poucas horas depois, foi mais lenta. «É sempre difícil recuperar de um esforço desses mas não acredito que foi por causa desses 4m12s que fiquei mais cansado. Por norma, as finais são sempre um pouco mais lentas.»

Depois de ter rodado à frente do adversário durante a maior parte da corrida, Ivo Oliveira acabou por ficar para trás no último dos quatro quilómetros.

«A minha prova foi muito controlada. Se formos ver os tempos por volta, fiz praticamente sempre o mesmo tempo, por isso não sinto que tenha quebrado muito. A estratégia dele passa sempre por começar mais lento e aumentar o ritmo progressivamente. Nas últimas duas voltas [500 metros] percebi que ele já ia à minha frente e isso acabou por ser um bocado desmotivador.»

O filme de uma corrida que valeu a Ivo Oliveira, com apenas 21 anos, a décima medalha do currículo em campeonatos da Europa e do Mundo entre juniores, sub-23 e elites.

Um medalheiro recheado que vai alimentando juntamente com o irmão gémeo Rui, também ele com resultados de relevo no ciclismo de pista e que no dia anterior à prata de Ivo se tinha tornado no melhor representante luso em Mundiais no velódromo, com um quinto lugar na prova de scratch.

A influência familiar e o antes e o depois dos gémeos Oliveira

A paixão pela modalidade dos irmãos Oliveira pela modalidade não surgiu do nada. O pai foi diretor-desportivo da Marinox-Canelas, uma antiga equipa profissional que chegou a integrar o pelotão da Volta a Portugal, e o irmão mais velho – Hélder Oliveira – representou a seleção e chegou a ser campeão nacional de sub-23 em estrada e em pista. «Ele foi o maior motivador para eu o Rui ingressarmos no ciclismo, sem dúvida.»

Ivo assume sem problemas que ele e o irmão têm ajudado a mudar a forma como o ciclismo de pista é visto a partir de fora. «Penso que depois das medalhas que temos conquistado começou a falar-se mais do ciclismo de pista em Portugal. Há quatro ou cinco anos ninguém sabia o que era o ciclismo de pista, mas aos poucos está a começar a dar-se mais valor a esta vertente do ciclismo», diz antes de lançar um apelo aos profissionais mais experientes e que podem, entende, ter um papel fundamental para alavancar ainda mais a modalidade no velódromo.

«Precisamos que os ciclistas profissionais mais velhos venham para a pista. É deles que parte a motivação dos mais jovens que, se virem os ciclistas das grandes equipas portuguesas na pista, começam a ganhar motivação. Eu e o Rui tentamos fazer a nossa parte: só conseguimos evoluir se tivermos gente na pista e nesse aspeto nota-se uma evolução. Há três ou quatro anos éramos três ou quatro nos campeonatos nacionais de pista e agora já somos bastantes.»

Ao centro com a medalha de prata ao peito. Rui Oliveira, irmão gémeo, à direita (foto: Facebook pessoal)

No dia em que conversou com o Maisfutebol, 11 dias após a prata conquistada a 2 de março na Holanda, Ivo Oliveira já tinha corrido uma prova em estrada e preparava-se para mais três na Bélgica. Da pista para a estrada, da estrada para a pista: a lufa-lufa do jovem ciclista português acompanhada por uma necessária mudança de chip que tem de ser feita por vezes num curto espaço de tempo, como aconteceu agora.

«Se é fácil fazer essa transição? Quando há tempo na pré-epoca, entre dezembro e janeiro, é um pouco mais fácil. Mas transitar em pouco tempo, passar dos Mundiais de Pista para uma corrida de 200 quilómetros, não é assim tão fácil. São bicicletas diferentes, posições corporais diferentes, outra quilometragem e na pista só tempo um andamento. Mas depois da primeira corrida, em que se sentem um bocado essas diferenças, ganha-se ritmo nas pernas», observa.

Olhos postos no futuro e o desejo do ouro já a seguir à prata

Com mais sucesso internacional na pista do que no ciclismo mais convencional, Ivo Oliveira diz que, aos 21 anos, ainda está a tentar perceber onde pode render mais na estrada. «Estou a descobrir-me aos poucos, mas tenho feito bons contrarrelógios, bons prólogos, gosto de etapas de sobe e desce e não sprinto mal em grupos pequenos: a técnica de pista dá-me alguma vantagem nesse aspeto.»

Agora, depois da prata nos Mundiais, que se seguiu a outro segundo lugar nos Europeus há menos de cinco meses, Ivo já aponta aos próximos objetivos: conseguir um resultado de relevo na estrada ainda em 2018, garantir o apuramento para os Jogos Olímpicos de Tóquio em pista e sentir, ao contrário do que aconteceu no passado dia 2, o sabor de uma conquista assim que cruzar a meta. «No próximo ano vou tentar o lugar mais alto: é para isso que vou trabalhar», remata.

Créditos da foto de capa: Facebook pessoal