Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades

«Ainda não assimilei bem que realmente venci o título». Já passaram cerca de duas semanas desde que Diogo Ganchinho se sagrou campeão da Europa de trampolim individual, mas a realidade ainda se mistura com o sonho. O ginasta entra na história como o primeiro português a conseguir o ouro nesta especialidade.

«Não há sensação melhor do que conquistarmos um título para o nosso país», conta o ginasta português ao Maisfutebol. «Estou muito feliz porque estou há 25 anos já neste desporto e sabia que um dia podia ter realmente um grande título, mas é todo um conjunto de fatores que têm que ser conjugados no próprio dia e os nossos adversários também são muito fortes».

Desta vez os fatores conjugaram-se e ouro na final de Baku surge como momento alto de uma carreira que já vai longa. Aos 30 anos, Diogo Ganchinho conquistou o primeiro título numa grande competição, dedicado à avó que faleceu recentemente, uma medalha que já lhe tinha fugido antes e que surgiu quando já não tinha pressão para a ganhar.

«Já me sentia realizado com a carreira que tinha - já estive em Jogos Olímpicos, fiz medalhas em test events, em campeonatos do mundo -, estava bem comigo próprio e não tinha essa pressão de provar algo, a mim ou aos outros. Isso permite-me estar num estado de tranquilidade, apenas focado no meu exercício» e, segundo o ginasta, a par da «boa preparação» e de estar «bastante bem fisicamente», esse foi um dos segredos da vitória.

«Saber o que é ficar em 4.º e 5.º permitiu-me pensar que não tinha nada a perder e fazer um exercício livre de pressões», garantiu. «Senti-me sempre muito confortável na competição. Não houve espaço para falhas na minha mente».

E quando terminou a prova sentiu que conseguiria o ouro? «A sensação que tive foi de que tinha feito um bom exercício, tinha representado o meu país e o meu desporto como queria, e depois o resto seriam os pontos, e felizmente foi a medalha de ouro».

A conquista de Diogo Ganchinho não surgiu como uma surpresa para quem acompanha o trabalho do ginasta. «Muitas pessoas que me felicitaram, mesmo colegas estrangeiros, não pareciam surpreendidos com este título. Mas se calhar alguns deles já não acreditavam que eu tinha o potencial para conquistar um título major. Eu próprio algumas vezes duvidei, mas ali senti que tinha uma oportunidade que podia agarrar». E agarrou.

O ginasta português conseguiu um total de 60.130 pontos, ficando à frente do bielorrusso Mikita Ilynikh (59.365) e do francês Allan Morante (59.315), dois nomes fortes da modalidade, numa cidade que se foi tornando talismã para o atleta.

«Já tinha feito em Baku em 2006 uma Taça do Mundo em que fiquei em 3.º no trampolim individual e terceiro no trampolim sincronizado. Ganhei duas medalhas em duas possíveis nessa Taça do Mundo. Também estive na final dos Jogos Europeus em 2015. Sem dúvida é um sítio especial pelas conquistas que consegui lá».

Diogo Ganchinho é agora atleta do Sporting, mas foi em Santo Estêvão, Benavente, que tudo começou e que fez grande parte do seu caminho nestes 25 anos. «Cresci num meio rural e quando começou foi novidade. Na nossa pequena vila toda a gente foi experimentar e eu também», recorda. Tinha seis anos, mas não mais deixou os trampolins e o seu percurso foi acompanhando o do CF Estevense. «O clube começou muito pequenino, apenas um mini trampolim e um colchão, e a classe do professor Carlos Matias [atual selecionador], e eu fui crescendo com ele».

«Era um desporto difícil, exigia muita coordenação, muita técnica, aperfeiçoar os movimentos era uma coisa que às vezes demorava, mas isso cativava-me porque também tenho alguma tendência para o perfecionismo e queria sempre voltar quando não conseguia fazer alguma figura», conta, acrescentando que «foi por aí que a paixão foi crescendo».

E os trampolins trouxeram outro lado que fascinou o jovem atleta: as viagens. A primeira delas, ao Canadá, aos 9 anos, no seu primeiro campeonato do mundo. «Comecei a viajar muito cedo e queria continuar a viajar, a fazer amigos pelo mundo inteiro», conta.

«Essa experiência foi determinante para continuar a praticar. Depois de ver atletas de outros países a fazerem coisas extraordinárias de que eu não estava à espera de serem possíveis percebi que queria realmente regressar», recorda.

Para continuar, Diogo Ganchinho teve de ir abdicando ao longo dos anos de alguns «caprichos que merecemos», nomeadamente na fase da adolescência. «Lembro-me de que muitas vezes os meus colegas iam três semanas de férias para o Algarve e nós ficávamos a treinar o verão todo. Aí conseguíamos treinar duas vezes por dia e ainda fazer mais atividades, era quando evoluía mais», recorda. «Felizmente tinha um grupo de colegas e amigos que treinava comigo e isso fez muita diferença».

Diogo Ganchinho e Diogo Abreu na final de trampolim sincronizado nos Mundiais de Sofia 2017 (Stoyan Nenov/REUTERS)

Do mini-trampolim e duplo mini-trampolim o ginasta passou então para o trampolim, que entretanto passou a ser modalidade olímpica e trouxe uma nova meta para Diogo Ganchinho. «Lembro-me de pensar que seria um objetivo na minha carreira estar nuns Jogos Olímpicos».

E conseguiu. Esteve em Pequim, onde foi 11.º classificado, e em Londres, onde foi o 15.º. Na prova de teste dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro foi o 3º classificado, mas não competiu na prova olímpica, por a quota portuguesa já estar preenchida.

«É uma experiência excecional para a vida de um atleta», recorda. «Estamos no mesmo contexto de ídolos que temos no desporto, como jogadores da NBA, de futebol, tenistas muito conhecidos e ícones do desporto mundial… Sentimo-nos um bocado especiais por fazermos parte desse lote».

E Tóquio, é um objetivo? «São possíveis duas vagas no máximo, mas é muito difícil. Normalmente só conseguimos uma, mas com a equipa que temos, que é uma das cinco melhores do mundo, há vários ginastas que podem contribuir para a obtenção dessas quotas e eu quero ter também um papel determinante nisso», frisa.

Diogo Ganchinho medalha de bronze no evento teste para os Jogos Olímpicos Rio2016 (Pilar Olivares/REUTERS)

Depois de 20 anos no CF Estevense, Diogo deixou o clube e a vila de Santo Estevão e mudou-se para Lisboa. «Estive no Lisboa Ginásio, treinei com grandes treinadores», recorda, e depois mudou-se para o Sporting.

«Estar num clube como o Sporting tem a sua magia. É um clube grande e aquilo que nós fazemos, sendo ainda um desporto relativamente pequeno, tem outro impacto. Acabamos por contribuir para uma projeção maior da nossa modalidade», diz o atleta.

Um exemplo disso foi o facto de o ginasta ter sido convidado para saltar em Alvalade no intervalo do clássico com o FC Porto, da meia-final da Taça de Portugal.

«Foi uma experiência memorável. Estavam perto de 50 mil pessoas no estádio. Foi uma oportunidade única de mostrar um bocadinho daquilo que nós fazemos», garantiu.

Diogo Ganchinho não é de ficar parado. «Sempre fui muito, muito ativo e o desporto faz parte da minha vida». Além do futebol, que sempre gostou mais «de praticar do que de assistir», surf, skate e snowboard são alguns dos hobbies. Conseguiu ainda conciliar a vida académica com a alta competição.

Estudou Ciências da Comunicação e pertence à iniciativa Global Shapers, criada pelo Fórum Económico Mundial, em que um grupo de jovens quer contribuir para a solução de problemas dentro da sua comunidade.

Para o futuro, o atleta quer ver mais condições para quem pratica trampolins. «Nós temos alguns apoios, bolsas do Comité Olímpico e do Sporting, mas ainda é muito, muito, muito difícil viver só dos trampolins».

«Um dos meus sonhos é ver os miúdos mais novos, daqui a uns anos, serem profissionais do meu desporto com uma frequência maior. O caminho é longo, mas eu gostaria de fazer parte dele dando essa projeção à modalidade, trazendo esses resultados para Portugal, para que os mais novos tenham mais oportunidades e possam ser profissionais. Seria muito, muito bom de ver», frisa.