Tudo tem princípio, meio e fim, seja um projeto, um simples jogo de futebol ou, principalmente, a vida. E o desaparecimento de alguém traz dor, pesar e um vazio. Resta, a quem fica, a memória de quem partilhou momentos e experiências. É este o enquadramento que envolve o plantel do Wolfsburgo, adversário do Sporting nos 16 avos de final da Liga Europa, depois do falecimento de Junior Malanda, a 10 de janeiro, num acidente de viação quando estaria a caminho do aeroporto para viajar para a África do Sul, onde a sua equipa ia cumprir o habitual estágio de inverno.

Jogador do Wolfsburgo morre em acidente de viação

Esse dia marcou um ponto de viragem no quotidiano da equipa onde alinha o português Vieirinha, a assinar uma primeira metade de temporada fantástica: ocupa o segundo lugar na Bundesliga e carimbou a passagem às eliminatórias decisivas da Liga Europa.

Malanda não era propriamente um titular indiscutível na equipa que o técnico Dieter Hecking comanda há dois anos. Ainda assim, era frequentemente utilizado, porque, apesar de não ter o mesmo talento que alguns dos seus colegas de formação na Bélgica, como Thorgan Hazard ou Dennis Praet, era fiável. E Hecking fez questão de frisar isso no dia seguinte ao seu desaparecimento: «O vazio que deixa é enorme. Era a alma da equipa».

Os «lobos» têm cumprido luto nas últimas semanas, mas o regresso à competição está já aí, no próximo sábado, na receção ao líder Bayern Munique. Além da dificuldade que representa, por si só, defrontar os campeões alemães, esta será a primeira partida oficial sem Malanda no balneário, quinze dias antes do embate com o Sporting.

«Todo este processo foi duro para nós. Dizer adeus ao Junior [Malanda] magoou-nos imenso, mas foi importante porque queríamos prestar um último tributo. Vamos sentir a sua falta e aquele caminho que vamos percorrer no túnel de acesso ao relvado, no jogo com o Bayern, em nossa casa, será diferente, carregado de emoção», disse Klaus Allofs, diretor geral do clube germânico, em declarações ao site da UEFA.

Jorge Silvério: «Não há receitas mágicas»

A MFTotal quis saber de que forma os clubes podem lidar com este tipo de situações, que transfiguram toda a uma dinâmica de grupo. Por isso contactámos o especialista em Psicologia do Desporto, Jorge Silvério que, antes de mais, deixou uma certeza: não há receitas mágicas. «Infelizmente já lidei com várias situações desta índole e posso garantir que não há nenhuma fórmula especial. Tudo parte de uma análise ao grupo, percebendo as suas dinâmicas, para depois agir em conformidade com as necessidades», disse, lembrando a complexidade que é agir sobre um grupo.

«Num grupo, todos os indivíduos têm características diferentes. Isto exige, claro, uma atenção redobrada por parte dos dirigentes, porque aqueles que estavam mais próximos do falecido podem/devem merecer uma atenção especial. O trabalho tem que ser bem feito, é fundamental devolver a estabilidade à equipa», sublinhou.

Confrontado com uma eventual quebra no rendimento desportivo dos germânicos, Jorge Silvério traça dois cenários possíveis, reforçando a hipótese de o grupo se fortalecer e usar o acontecimento como fonte de motivação. «Isto é uma análise feita à distância, sem estar na posse de todos os dados, mas diria que há dois caminhos. A equipa pode deixa-se abalar e quebrar o seu rendimento, ou, se o trabalho for bem feito, os dirigentes podem tentar transformar a tristeza, a dor e a frustração em algo de positivo. A probabilidade de as coisas correm bem é elevada», rematou o especialista doutorado pela Universidade do Minho que, nos últimos anos, trabalhou com vários clubes e jogadores.

Olhando para o passado recente, numa breve análise aos últimos casos de equipas que viram desaparecer algum dos seus atletas, facilmente se encontram exemplos dos dois caminhos apontados por Jorge Silvério.

Os casos de Fehér e Puerta

onze anos, por exemplo, o Benfica via cair, inanimado, no relvado do Estádio Dom Afonso Henriques, em Guimarães, o avançado Miklos Fehér. O húngaro viria a falecer no Hospital, num dos dias mais negros da história do futebol português.

O plantel, às ordens de José António Camacho, abanou, fez o seu luto, mas uniu-se em redor da aura do jogador.
A sua camisola permaneceu no balneário, o lugar, onde habitualmente se sentava permaneceu inalterado. Era uma forma de o manter no grupo. Poucos meses depois, a equipa celebrava a conquista da Taça de Portugal, no Jamor, frente ao FC Porto, de José Mourinho, troféu que haveria de dedicar a Fehér e Bruno Baião, dois atletas desaparecidos nesse ano.

No verão de 2007 foi o Sevilha a passar por uma situação semelhante, vendo desaparecer o jovem jogador António Puerta, de 22 anos. O jogador, formado na ‘cantera’ do Sevilla, sofreu um episódio cardíaco poucos dias depois dos andaluzes celebrarem a conquista da Liga Europa, diante do Espanhol, curiosamente num jogo em que Puerta assumiu a responsabilidade de converter o penálti decisivo.

A temporada 2006/2007 foi de ouro para o Sevilha, que juntou à Liga Europa, a Supertaça de Espanha e a Supertaça Europeia. O desaparecimento do jogador trouxe um interregno nas conquistas sevilhanas.

Três dias depois da morte do jogador, o Sevilha perdeu a Supertaça Europeia, para Milan, acabando,depois, por concluir a Liga na quinta posição, duas abaixo do que fizera no ano anterior. Na Liga dos Campeões caiu nos 1/8 final diante do Fenerbahçe.

O interregno sem títulos durou quase três anos, até à conquista da Taça do Rei na temporada 2009/2010.

Wofsburgo contrata psicólogo que ajudou Hannover após a morte de Enke

Neste enquadramento é importante perceber que passos estão a ser dados pelo Wolfsburgo. Uma das primeiras medidas foi contratar o psicólogo Andreas Marlovitz para ajudar na recuperação psicológica do plantel.

O especialista apresenta, na sua folha de serviço, experiência em episódios semelhante, tendo sido recrutado pelo Hannover 96 aquando do desaparecimento do antigo guarda-redes do Benfica, Robert Enke, em novembro de 2009.
Marlovitz tem acompanhado a equipa desde o estágio na África do Sul tentando aliviar a pressão que paira sobre os ombros dos jogadores. Até porque vem aí a fase de decisões e os próximos meses serão vividos intensamente.

«Tenho a noção de que não vou acertar em tudo. Não conter as lágrimas ajudou-me imenso. Não nos podemos dar ao luxo de as guardar durante mais duas ou três semanas. Tenho imensa fé nos meus jogadores. O carácter da equipa é forte, temos muita qualidade e espero que consigamos demonstrar isso ao longo da segunda metade da temporada», concluiu Hecking, em declarações à Kicker.