As acusações de doping abalam o atletismo; as acusações de corrupção abalam a FIFA. Se não há dois escândalos sem três, 2016 começa com o ténis abalado por alegações de manipulação de resultados.

Mas, além disso, os estilhaços da bomba que detonou nesta segunda-feira atingem a modalidade nas suas estruturas, pois, para lá de ser colocada em causa a integridade dos resultados – com intervenientes de topo incluídos – as instâncias do ténis também são questionadas na forma como (não) têm respondido aos avisos de que há resultados suspeitos de dependerem de apostas.

O escândalo que ameaça a credibilidade do ténis no dia em que começou a jogar-se o quadro principal do Open da Austrália foi divulgado por dois serviços noticiosos: a inglesa «BBC» e o BuzzFeed News» dos Estados Unidos.

As investigações são semelhantes no analisar do escândalo, nas suas fontes e no estabelecimento das conclusões. O início é remetido para agosto de 2007 e para o encontro que opôs no torneio de Sopot, na Polónia, o russo Nikolay Davydenko e o argentino Martín Vassallo Argüello.

Davydenko era o nº4 do mundo, Vassallo Argüello era o 87º. Quando começou o jogo, o russo já não era o favorito nas apostas. E, já depois de ter ganho primeiro set e estar na frente do segundo, as apostas contra ele continuaram. Apostas de milhões de libras foram feitas a partir de um grupo de contas de apostadores na Rússia. Depois de Davydenko abandonar o jogo por lesão, a Betfair tomou a decisão (até então) inédita de anular todas as apostas daquele encontro.

Perante o inusitado e as suspeitas levantadas, as entidades responsáveis pelo ténis a nível mundial decidiram fazer uma investigação que, por falta de uma instância própria competente para o assunto, foi entregue a um grupo de investigadores especializados da Autoridade Britânica das Corridas de Cavalos.

28 nomes suspeitos

Mark Pihillps, da equipa de investigação disse à «BBC»: «Em quase 20 anos de trabalho na indústria das apostas... nunca vi um jogo ou um acorrida com probabilidades tão irreais.» O relatório foi apresentado à Associação dos Tenistas Profissionais (ATP) em 2008. O ATP ilibou os dois jogadores de violarem regras, mas, segundo a BBC, o relatório refere que «podia ter conclusões diferentes». Davydenko defendeu-se, na altura, como recorda o «BuzzFeed»: «Eu não sei como entregar um encontro.»

Esta foi a ponta de uma investigação em que Mark Phillips analisou padrões de apostas em milhares de jogos identificando três organizações apostando somas avultadas em encontros que pareciam manipulados. Um dos padrões, segundo contou á «BBC» era este: «Havia um jogador que ganhava um set e depois ficava a vencer com um break de vantagem e, então, quase ao mesmo tempo que isso acontecia, havia um fluxo de dinheiro no outro jogador que miraculosamente ganhava oito jogos de seguida.»

Nesta investigação à manipulação de resultados no ténis foram sinalizados três grupos de contas de apostadores: um na região de Moscovo, com apostas em cinco encontros suspeitos; outro na Sicília, com apostas em 12 encontros suspeitos, três deles em Wimbledon e um em Roland Garros; e outro no norte da Itália, com apostas em 28 encontros suspeitos, em que as suspeitas «sugeriam de forma veemente que ambos os jogadores do encontro estavam envolvidos na conspiração» - segundo Phillips, à «BBC».

A recém-formada Unidade de Integridade do Ténis (TIU) recebeu o trabalho dos investigadores em 2008 e Phillips frisou ao media inglês que «as provas eram muito fortes» pensando que «a TIU ficaria muito entusiasmada em obtê-las». O trabalho dos investigadores nomeou 28 jogadores como participando nos jogos suspeitos.

«Havia um núcleo de cerca de 10 que acreditávamos serem os perpetradores mais comuns, que estavam de facto na raiz do problema», revelou ainda Phillips na «BBC» onde disse também que completado o trabalho, ele e os seus colegas continuaram a fazer avisos ao TIU: «Depressa ficou evidente que não queriam o nosso aconselhamento sobre isso ou o que quer que fosse.»

ATP desvaloriza grau de incidência

O TIU informou a estação inglesa que o Programa Anti-Corrupção introduzido em 2009 não podia agir retroativamente e «como resultado, nenhuma investigação nova sobre qualquer um dos 28 jogadores referidos no relatório de 2008 foi aberta». O «BuzzFeed» falou com o antigo chefe de polícia que fez o relatório recomendando a formação da TIU depois da investigação de 2008. «O que ele fizeram é uma solução plástica que não foi eficiente na altura e não o é agora», afirmou Ben Gunn.

O presidente do Comité do Grand Slam da Federação Internacional de Ténis (ITF) saiu em defesa da credibilidade do ténis logo pouco depois de entregues os relatórios. Como recorda o media norte-americano, Bill Babcok, deu uma garantia: o ténis «está saudável».

Dos 28 jogadores apontados, alguns já se reformaram, mas outros continuam a jogar, a jogar nos grand slam e «incluindo o atual Open da Austrália», como escreve a «BBC» O «BuzzFeed» destaca que há «vencedores de torneios do grand slam em singulares e pares [que] estão entre o núcleo duro de 16 jogadores que repetidamente foram sinalizados por perderem encontros quando apostas altamente suspeitas foram feitas contra eles». E que não só há «um jogador top 50 a competir no Open da Austrália [que] é suspeito de repetidamente manipular o seu primeiro set», como «mais de metade» daqueles 16 «está na Austrália».

Ambos os serviços noticiosos não revelam os nomes que têm dos jogadores sinalizados porque não têm acesso às contas bancárias, telefones ou computadores, mas BBC apontam que a TIU tem poder para pedir aos tenistas toda a informação. A TIU informou que instaurou processos contra 13 jogadores (segundo o «Bbuzzfeed» de ranking baixo) banindo cinco.

O diretor executivo do ATP, Chris Kermode, disse à «BBC» que «a ideia de que o ténis não está a agir corretamente é ridícula» e que a corrupção «está lá», mas «num nível incrivelmente pequeno». Ao media norte-americano Mark Phillips considerou que «podiam ter-se livrado de uma rede de jogadores que quase deixava o desporto limpo por completo.» «Demos-lhes tudo embrulhado com uma bela fita cor de rosa e eles não fizeram nada», acrescentou.

Jogadores pedem nomes...

Richard Ings, antigo vce-presidente executivo para as regras e competição do ATP, diz que manipulação era uma «coisa regular» no desporto e que a resposta da TIU ao problema tem sido «desiludido muito» e é «muito secreta». Ao «BuzzFeed», Ings revelou que meia dezena de jogadores lhe contaram que foram contactados e lhes foi oferecido «montantes na ordem dos 50 mil dólares para entregarem um encontro de primeira ronda num torneio ATP de importância média».

Mark Davies, cofundador Betfair, afirmou ao serviço norte-americano: «Isto é algo que tínhamos visto a ser construído.» Ao «BuzzFeed, Ings foi taxativo: «Se fôssemos inventar um desporto feito à medida para a manipulação de resultados, o deporto a inventar chamar-se-ia ténis. Não é preciso muito esforço a um jogador para entregar um encontro sem o adversário ou os árbitros ou os adeptos ou mesmo os media terem noção. Onde se torna notório é no mercado das apostas.»

Os jogadores não ficaram calados, nem os deixaram, pois, nas conferências de imprensa após os encontros desta segunda-feira da primeira ronda do Open da Austrália, a questão de resultados manipulados por causa das apostas foi tema inevitável. Novak Djokovic até começou por confirmar que foi um alvo, em 2006, para entregar um jogo a troco de 200 mil dólares.

«Não fui abordado diretamente. Fui abordado através de pessoas que trabalhavam comigo na altura. Claro que recusámos imediatamente», disse o sérvio. O nº1 do mundo não deixou, porém de rejeitar a ideia de suspeitas generalizadas sobre o ténis: «Não acho que haja uma sombra sobre o nosso desporto. Não há ainda provas reais sobre qualquer jogador no ativo. Enquanto for assim é apenas especulação.»

Gilles Simon respondeu na mesma sintonia de defesa do seu desporto, como escreve o «L’Équipe»: «Os jogos manipulados são como o doping, qualquer coisa que pode fazer mal ao nosso desporto. Quando um tipo é apanhado é apanhado. E se alguém vender o seu jogo saber-se-á É tão simples como isso.» E o membro do Conselho dos Jogadores usou a ironia: «No ano passado demos todos os nossos jogos ao Novak Djokovic.»

Já Roger Federer alertou que os únicos nomes conhecidos são os que já o eram relativamente ao tema e que foram ilibados. «Não sei exatamente o que há de novo. Percebo que lançam nomes antigos. Esse assunto já foi tratado», disse o suíço garantindo que nunca foi contactado por alguém para influenciar o resultado de um encontro seu.

O suíço pediu nomes quando se fala em suspeitas sobre vencedores do Grand Slam: «Quem? O Quê? É lançado assim. Gostaria muito de saber os nomes. Pelo menos, seria algo concreto e poder-se-ia discutir. Não faz qualquer sentido dar uma resposta que será pura especulação.»

…e outra regulação

No «El País», Roberto Bautista Agut duvida da dimensão do que foi relatado: «Parece-me estranho. É a primeira vez que ouço algo assim, parece-me que é muito forte.» «Não sei que provas terão, mas é raro haver arranjos num desporto como este. Frisando que consigo nunca houve contactos, o espanhol releva, porém, que «algum dia haverá uma desgraça por causa das apostas».

«Quando perdemos um jogo dizem-nos tudo. Eu levei uma mensagem no Facebook à polícia. Um tipo escreveu-me: Cuidado quando saíres à rua porque eu vou estar à espera e penduro-te de uma árvore», contou Almagro.

Nicolás Almagro também já recebeu ameaças. «Chegaram a dizer-me que iam partir-me as pernas», contou o espanhol apontando para a solução: «É muito simples: basta acabar com as apostas.» «É verdade que deixam muito dinheiro no ténis de que todos beneficiamos, mas é preciso encontrar alguma solução», assumiu.