Nos tempos de Alex Ferguson em Old Trafford tornaram-se lendárias as reviravoltas do Manchester United nos últimos minutos, a alimentar o mito do «Fergie time», o período de descontos que valia mais para os «red devils» que para os rivais. Este domingo Van Persie prolongou esse espírito, para marcar ao cair do pano o golo do empate ( 1-1) frente ao Chelsea e deixar Van Gaal a sorrir no final do duelo com José Mourinho, no segundo reencontro entre dois dos treinadores mais marcantes destes tempos.

O reencontro propriamente dito foi cordial, como era de esperar.
O jogo foi intenso. Teve um golo de Drogba, o primeiro no campeonato neste regresso ao Chelsea, o primeiro em mais de dois anos na Premier League. Teve a expulsão de Ivanovic por segundo amarelo, pouco antes do golo da igualdade de Van Persie. E, no final, deixou o Chelsea ainda seguro na frente, 
agora com quatro pontos de vantagem sobre o incrível Southampton. O United está a dez pontos. E se esta foi apenas a segunda vez que a equipa de Mourinho perdeu pontos na Premiership, o facto é que foram ambas nas viagens a Manchester. Frente ao City foi Frank Lampard quem tirou dois pontos ao «seu» Chelsea, agora foi Van Persie.

Não foi bom para Mourinho.


No final, o treinador português elogiou a exibição da equipa e a forma como cresceu em relação à época passada, mas deixou clara a sua irritação em relação ao árbitro. Não apenas pela expulsão de Ivanovic no final, disse Mourinho.

A análise de Van Gaal foi diferente, o treinador acha que a sua equipa até jogou o suficiente para vencer e isso é dizer muito de uma equipa em mudança como é este Manchester United. Também defendeu que Ivanovic foi bem expulso, porque «atingiu Di María não uma, mas duas vezes».

Não são estas divergências que vão afetar a ligação entre Mourinho e Van Gaal, seguramente. A relação deles é antiga e forte, facto que ambos reforçaram claramente antes do jogo. Aliás, por estes dias a imprensa inglesa recuperou a forma como Van Gaal revelou, há alguns meses, que foi exatamente o mau feitio de Mourinho que o seduziu, quando chegou a altura de decidir se mantinha o português perto de si em Barcelona, depois da saída de Bobby Robson.

«O Mourinho achava que lhe tinha sido prometido um cargo na formação, ou até que podia ser o próximo treinador, e ninguém tinha falado com ele. Estava tão zangado e gritou tanto pelo facto de não ter sido consultado que fiquei impressionado. Soube nesse dia que ele era especial. Ele disse-me quem era e trabalhámos juntos durante três anos», contou Van Gaal.

Estávamos em 1997. De então para cá, José Mourinho cresceu. Tornou-se treinador principal em 2000. Foi campeão europeu pelo FC Porto em 2004. E voltou a ser campeão europeu seis anos mais tarde, frente a Van Gaal.

Inter-Bayer Munique, a final da Liga dos Campeões de 2010, que a equipa italiana venceu por 2-0. Foi um Inter ultra-defensivo, numa exibição que valeu muitas críticas a Mourinho e lhe colou definitivamente o rótulo de treinador calculista e defensivo, mas Van Gaal não foi por aí depois da final do Bernabéu. «Atacámos, o Inter defendeu, mas é preciso estar em grande forma para vencer o Inter e nós não estivemos em grande forma hoje. O Inter mereceu ganhar.»

Mourinho sempre falou com respeito de Van Gaal, também. Respeito assente numa ligação pessoal.

Mas também respeito pelo treinador, que o português define como um dos seus «grandes amigos no futebol». E cuja qualidade elogia sempre que pode. Como a propósito do Mundial 2014, quando disse que Van Gaal conseguiu levar a Holanda mais longe do que a qualidade da equipa justificava.

Van Gaal tem 23 anos de carreira, Mourinho 14. Genericamente, os números de ambos são estes.


Mourinho foi campeão em quatro países diferentes: Portugal, Inglaterra, Itália e Espanha. Van Gaal ganhou as ligas holandesa, espanhola e alemã. Antes do encontro deste domingo, o holandês admitia que o português até já pode tê-lo ultrapassado. «Ele é um dos melhores treinadores do mundo, acho que até pode ser melhor do que eu», dizia, notando que Mourinho já foi campeão, por exemplo, em mais países do que ele. Além de ter duas Ligas dos Campeões e ele, Van Gaal, uma, ganha pelo Ajax em 1995. «Mas acho que podemos ganhar este jogo, e se puder ganhar um título noutro país volto a ficar igual a ele.»

Não ganhou o jogo, o título não é para já. E, se havia algum tira-teimas para resolver entre ambos, também pode esperar. Como tinha dito Mourinho, acontecesse o que acontecesse em Old Trafford, a relação entre ambos continuaria igual, com 90 minutos de intervalo para o jogo.

O abraço no final, ainda que com rostos mais fechados que no início, confirma-o.