Se até há alguns meses fizéssemos uma lista dos dez treinadores referência do futebol brasileiro, certamente que Marcelo Oliveira não constaria do rol.

Mas a verdade é que o treinador do Cruzeiro agarrou, com todo o mérito, o Brasileirão 2013, com uma vantagem
tão folgada quanto inesperada : mais vitórias; menos derrotas; melhor ataque; segunda melhor defesa; primeira equipa da história do Campeonato Brasileiro a vencer pelo menos uma vez todos os seus adversários; campeão mais precoce, a par do São Paulo, desde que o Brasileirão se disputa em sistema de pontos.

Numa era em que os treinadores se destacam cada vez mais jovens, o Brasil continua a ser uma exceção: Marcelo Oliveira, até agora excluído do clube dos melhores, conheceu o sucesso aos 58 anos.

Como é que isto foi possível? Certamente pelo bom trabalho de preparação efetuado para o Brasileirão 2013 e que implicou uma alteração de perto de 70% do plantel.

Este êxito retumbante da Raposa desmonta, também, o mito de que uma «equipa em construção» não consegue ser campeã no primeiro ano: com tantas mudanças no onze e no plantel, os resultados deste Cruzeiro de Marcelo Oliveira surgiram
de imediato

Treinador tardio

Marcelo de Oliveira Santos Uzai nasceu em Pedro Leopoldo, Minas Gerais, há 58 anos. Como treinador, tem sem dúvida o seu ponto mais alto neste título folgado do Brasileirão, conquistado tão cedo, com tanto avanço e de forma incontestável.

Até esta época inesperadamente gloriosa, manteve-se como um treinador discreto, longe de ser apontado como um dos melhores do Brasil, mas com uma qualidade técnica sólida e apreciada pelos seus pares.

Antes de orientar o Cruzeiro, começou como treinador no grande rival, o Atlético Mineiro, há 11 anos. Entre 2003 e 2007, passou outras quatro vezes pelo comando do Mineiro. Antes, foi durante vários anos o responsável pelas categorias de base do Galo.

«O Marcelo era uma espécie de treinador de reserva do Atlético Mineiro. Quando as coisas corriam mal, iam buscá-lo para interino, mas nunca foi encarado como primeira solução», explica Rodrigo Fonseca, jornalista do «SuperEsportes», portal UAI, sediado em Belo Horizonte, em declarações para a Maisfutebol Total.

Em 2007, orientou o CRB, no ano seguinte passou pela sexta vez a equipa principal do Galo.

Entre 2009 e 2012, cumpriu um tirocínio pelo futebol brasileiro profundo, entre Ipatinga (2009), Paraná (2010), Coritiba (2011 e 2012, na melhor experiência antes do Cruzeiro, com duas finais da Copa Brasil e dois títulos estaduais e que lhe valeram o título de treinador do ano no Brasil), até que teve a sua primeira grande oportunidade, ao orientar o Vasco da Gama.

Mas não correu bem em São Januário: em dez jogos, duas vitórias dois empates em seis derrotas, mais um treinador mal-sucedido num Vasco em grande conturbação nos últimos anos.

Tudo mudou, para melhor, em 2013, este ano da graça do futebol mineiro (Galo campeão sul-americano, Raposa campeã brasileira).

De eterno interino no Galo a campeão na Raposa

Mas Marcelo Oliveira tem tudo menos um percurso ortodoxo, como treinador de futebol.

Começou no banco, ao comando de uma equipa sénior, apenas aos 47 anos, quando assumiu pela primeira vez (num total de seis) a equipa principal do Atlético Mineiro, clube que representou como jogador durante 25 anos.

«Quando o Alexandre Kalil assumiu a presidência do Atlético Mineiro, o Marcelo era o técnico do clube. E o Kalil quis um treinador de ponta, não considerou que ele fosse treinador para o Galo», lembra Rodrigo Fonseca.

O passado no grande rival e a passagem pelo escrete 

O futebol provoca surpresas que, muitas vezes, ultrapassam a nossa imaginação.

Dificilmente Marcelo Oliveira poderia imaginar, há alguns anos, que viria a ser campeão brasileiro conduzindo o Cruzeiro, o grande rival do seu clube de origem.

No Atlético Mineiro, Marcelo Oliveira terminou a sua formação e estreou-se no futebol profissional, pela mão do mítico Telé Santana.

Vinte e cinco épocas seguidas como joga dor do Galo (entre 1969 e 1984, com empréstimos ao Botafogo e ao Nacional de Montevideu, do Uruguai, nas últimas quatro) fazem de Marcelo um nome associado ao clube do Independência.

Mas a verdade é que foi na Raposa, e não no Galo, que Marcelo Oliveira teve o sucesso máximo como treinador.

O agora treinador campeão brasileiro foi, como jogador, um internacional de curta duração, com sete partidas pelo escrete e dois golos marcados, entre 1975 e 1977. «O Marcelo Oliveira foi um bom jogador, um camisa 10 com habilidade, era titular do At. Mineiro, chegou à seleção. É alguém que sabe bastante de futebol e vive o jogo», observa Rodrigo Fonseca.

Tranquilo, organizado e dialogante

Marcelo Oliveira foge do protagonismo. As imagens da festa do Cruzeiro quase não apanham o treinador campeão. «Ele é super tranquilo. Discreto. Não gosta de aparecer, de estar na frente do pelotão. Gosta de dialogar, de analisar, aceita as críticas. Foge da polémica. E os jogadores gostam disso, elogiam-no»», comenta Rodrigo Fonseca, numa análise ao perfil de Marcelo Oliveira.

O jornalista brasileiro, que vive em Belo Horizonte, sempre se habituou a respeitar o «bom senso» do novo treinador campeão brasileiro. «Ele é organizado, sabe planear. Fez apostas certas, ao chegar ao Cruzeiro. Apostou em jogadores que conhece, como Everton Ribeiro ou Ricardo Goulart, que se revelaram do melhores deste Brasileirão. E foi buscar talentos como Dedé ou Júlio Baptista, nomes já firmados. Resultou».

Contestado pela torcida do Cruzeiro, por ser uma figura da história recente do eterno rival Atlético Mineiro, Marcelo Oliveira soube esperar e impôs-se pela qualidade do seu trabalho.

A partir de agora, terá que ser apontado como um treinador de topo no Brasil. Mérito dele.