O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:
Leia a apresentação de Marco Leite
MARCO LEITE, PREPARADOR-FÍSICO DO AEL LIMASSOL
Da realidade da Faculdade à real realidade.
Parece estranho. Sem sentido. Diria que parece ser complexo (gosto muito deste termo, complexo, está muito em voga). Como o início da nossa vida profissional. Confusa. Foi assim que me senti no início. Presumo que todos quando começam se sentem assim. Perdidos.
Parece um daqueles temas da área à qual dedico 15 anos da minha vida e que abundam na biblioteca da Faculdade onde estudei: «Teses de Mestrado» e «Teses de doutoramento». São procurados com muita frequência.
Mas na realidade, a Faculdade é um ponto de partida. Uma partida sem volta. Sem volta, pois nos cantos e cantinhos, ouvimos falar do jogo. Futebol, entenda-se.
Mexerica-se aqui e ali. No bar os alunos mais dedicados à «causa» rodeiam professores que com tez avermelhada devido ao calor do discurso, incutem nestes ávidos «bebedores» de ideias, ideais.
Mas de paixão. Entre eles trocam pensamentos e filosofias futebolísticas, de forma açérrima. Aclubisticamente, mas interessantemente. Sem volta, porque na repografia, nas salas, nos ginásios, no seio da academia, se discute também de clube ao peito.
Onde todos têm razão e falam uns por cima dos outros, falando mais alto para se fazerem ouvir. Sem volta, porque o turbilhão teórico, enche as nossas cabecinhas, entusiastas e atentas, sedentas, novas e sem experiência.
Professores exaltados e exaltantes, expõem as suas teorias, com falta de ar, de tão empolgados que estão, a defender a sua dama. Arrebatadores, é certo.
Professores menos exaltados, que de uma forma menos exuberante, nos relatam e transmitem episódios profissionais e formas de pensar não menos intressantes.
Assim é a vida, numa Faculdade como a minha.
É a realidade. E tudo isto é do meu ponto de vista muito importante. Sem dúvida. Mas, constatei que não é suficiente¿ Quando batemos de frente, com o início da nossa profissão, o pânico chega. E esta é outra realidade.
Atrevo-me a dizer (e eu não descobri a pólvora) que, é PRECISO MUITO MAIS. É preciso uma «praticidade» feroz. Ver no terreno como se faz. Explicar como lidar, com o jogador novo e até com o «velho». Com aquele que se queixa de tudo e de nada, ou com aquele que nunca está bem com o treino.
Ora por isto, ora por aquilo, ora porque é assim, ora porque é assado. Com aqueles que repetidamente incorrem nos mesmos erros, ou que se acham acima dos outros por verem muitos «filmes» do Messi e do Ronaldo.
Como enfrentar salários em atraso, durante meses a fio, com jogadores com contas e rendas para pagar. Com jogadores que ganham menos e outros mais. Com personalidades e feitios diferentes. Como encarar as diversas nacionalidades, etnias e religiões. Com o Ramadão.
E eles é que são os artistas do jogo.
Como dar a volta com a falta de condições, estruturas e material. Muitas vezes lutar com a falta de profissionalismo de alguns pseudoprofissionais. De tratadores da relva e roupeiros que, de tão apaixonados, comprometem-se de forma única, com a relva e rouparia.
Para não falar por exemplo, de directores com menor ou maior dedicação. Com devotos Presidentes, mais ou menos carismáticos. Como reagir com a falta de resultados, com o mediatismo, com a vontade de um presidente, e com a mesma vontade de um jogador. Com sócios e simpatizantes.
Tudo o que estudei foi de facto importante. Nao tenho dúvida. Mas irrita-me. Irrita-me o facto de perceber, que muitas vezes não estamos preparados. Preparados para a realidade.
Porventura nunca estaremos.