1 de maio de 1994. Qualquer fã de Fórmula 1 consegue associar data ao evento. Aquele que foi um dos fins-de-semana mais trágicos da história do campeonato teve o epílogo de choque naquele domingo, completam-se agora vinte anos.

Era a terceira prova da temporada. Ayrton Senna estava no seu primeiro ano da Williams, depois de, nos dois anteriores, ter perdido os títulos para Nigel Mansell e Alain Prost, da equipa que agora era sua.

Eram os anos da suspensão ativa e do controlo de tração. A eletrónica começava a dar passos na Fórmula 1 e a Williams era pioneira, quebrando a hegemonia da Mclaren de Senna. O brasileiro, tricampeão do mundo (1988, 1989 e 1991), ficava para trás mas não desistia. Se não os podes vencer, junta-te a eles. E assim o fez.

Contudo, antes de a temporada de 1994 iniciar, a suspensão ativa é banida da Fórmula 1. A Williams cai e parece em pé de igualdade com as restantes. Até atrás da Benetton, onde começava a despontar um alemão com um estilo diferente de Senna. Menos vistoso, mais prático. Michael Schumacher, claro.

Foi Schumacher a ganhar as duas primeiras corridas do ano, no Brasil e no Japão. Senna conseguira a pole-position em ambos, mas falhara na corrida. Chegava à primeira prova na Europa, em San Marino, com a pressão de ter de vencer. 

A sua história acabou ali, mas não sem antes garantir mais uma «pole» a sua especialidade. Teve o recorde (65) por vários anos até ser batido por Michael Schumacher. 

Cronologia do fim-de-semana trágico de Imola:



«Ayrton era um dos pilotos que mais queria segurança»

A morte de Ayrton Senna, que se seguiu à de Roland Ratzenberger no sábado anterior, foi a última de um piloto de Fórmula 1 em competição. Max Mosley, presidente da FIA na altura, não teve dúvidas em dizer que aquela tragédia acabou por «salvar milhares de vidas».

«Foi o catalisador para uma mudança. Sem ele, não haveria Euro NCAP, nem testes de impacto, nem legislação na Comissão Europeia», afirmou, em entrevista recente à Agência Reuters.

O Maisfutebol conversou com Pedro Lamy, piloto que conviveu com Senna e viveu in loco a fase seguinte à sua morte, com Tiago Monteiro que chegou à Fórmula 1 na década seguinte, encontrando um mundo diferente e, por fim, António Félix da Costa, atual terceiro piloto da Red Bull.

Todos coincidem num ponto: a nível de segurança a Fórmula 1 mudou muito para melhor. E foi aquela tragédia a ser o infeliz ponto de partida.

«Convém não esquecer que o Ayrton era, precisamente, um dos grandes líderes entre os pilotos na procura por essa segurança. Ele estava a tentar, mas acho que foi preciso uma tragédia para que se pusesse mais em marcha. Muitas vezes é assim, infelizmente», lamenta Pedro Lamy.

Tiago Monteiro não tem dúvidas que «aos olhos do mundo há, claramente, uma F1 antes e outra depois do Ayrton Senna». «Ele já era um ídolo de milhões e depois de uma morte tão trágica e tão cedo, essa paixão e saudade só aumentou», destaca.

Félix da Costa, que tinha dois anos na altura e portanto apenas conhece as performances à posteriori, acha que Senna ajudou a «profissionalizar a Fórmula 1». 

«Depois do seu acidente a Fórmula 1 deu um grande passo ao nível de segurança, o que tinha de acontecer pois realmente era muito perigoso. Morreram vários pilotos, coisa que nos dias de hoje é muito menos frequente, mesmo quando há acidentes grandes», sublinha o piloto que compete este ano no DTM.

O que mudou em 20 anos?

As diferenças são evidentes. Tiago Monteiro enumera-as facilmente. «Começaram a ser construídos os chassis em carbono e os crash-tests tornaram-se obrigatórios e cada vez mais exigentes. Em 2005, quando cheguei à F1, muitas equipas reprovavam, hoje é muito raro», lembra.

«Aumentou-se o cockpit na zona da cabeça. No tempo do Senna os ombros ficavam de fora, hoje em dia isso é impossível. Melhorou-se a forma de segurar os pneus, para que não saltem e possam causar danos aos pilotos e ao próprio público. Havia muitas pernas partidas porque os triângulos da suspensão entravam no monolugar quando havia um choque mais violento e aconteciam as fraturas. Encontrou-se um sistema em que os triângulos partem quando há o embate», descreve.

E continua: «A entrada de ar no motor foi reforçada e numa só peça para não desfazer. Os capacetes passaram a ser mais resistentes e leves, com viseiras mais resistentes, também. Foi muita coisa a mudar.»

Além disso, os próprios circuitos passaram a ser escrutinados de outra forma pela FIA. Eram precisas mais escapatórias, outras condições no asfalto e proximidades. Caíram pistas históricas do calendário, como o Estoril, por exemplo.

Tudo isto retirou perigo à Fórmula 1, mas não o eliminou de vez. António Félix da Costa, que ainda recentemente testou com um monolugar da F1, lembra que risco há sempre. Os pilotos é que fazem por esquecê-lo.

«Quando estamos focados e dentro do carro é algo em que não pensamos. No fundo ser piloto é uma profissão como outra qualquer hoje em dia. Em qualquer desporto se vê acidentes e mortes», lamenta.

Pedro Lamy acha que os pilotos «têm sempre consciência do risco, mas agora menos, sobretudo na F1.» «Continua a ser um desporto bastante perigoso mas as outras categorias são mais», considera.

«Não dá para os pilotos esquecerem os riscos. Estamos a andar a 300km/h. A sorte desempenha um papel importante, também. Um acidente muito aparatoso pode não ter nenhuma sequela e às vezes um acidente de nada, um toque de lado ou assim, pode ter consequências graves», lembra Tiago Monteiro.

O piloto da Honda no WTCC dá o exemplo do acidente de Felipe Massa em 2009, no GP da Hungria, um dos mais graves dos últimos anos. E nada o fazia prever.

«Foi atingido por uma mola de outro carro. Dentro do azar que foi uma mola saltar de um carro, bater no chão e saltar a altura suficiente para o atingir na cabeça, teve a sorte de ser naquele local. Um pouco mais ao lado poderia ter perdido uma vista ou até ficado lá…», descreve.

A evolução que mais se fala nos tempos que correm é o fecho do cockpit, à semelhança do que acontece nos protótipos de Le Mans. Tiago Monteiro aprova: «Mesmo fechado não se perde a essência do monolugar e bater a 300km/h com a cabeça protegida é sempre diferente.»

O monolugar do futuro?



Lamy: «Senna disse-me: dá graças a Deus por estares bem»

Pedro Lamy nunca escondeu que Ayrton Senna era uma das pessoas que estava mais próximo de si no paddock da F1. «Tínhamos alguma proximidade devido ao Ayrton gostar muito de Portugal. Ajudou-me muito sobretudo pela ligação ao Domingos Piedade, que ele também tinha», explicou, ao nosso jornal.

«A última vez que estive com o Ayrton foi no sábado antes da corrida, já depois da qualificação. Fui visitar o Rubinho [Barrichello] e encontrei-o lá. Estava a sair, falámos um pouco. Disse-me para dar graças a Deus por eu estar bem. Dava para notar o estado de emoção do Ayrton. Estava emocionado, chocado até. Era evidente que aquilo tinha mexido com ele, até porque, naquela altura, já tinha morrido também o Ratzenberger», recorda Lamy.

Senna partiu, a Fórmula 1 ficou. Monteiro recorda um piloto «que pertencia ao restrito grupo dos melhores de sempre». «Ele já era um ídolo de multidões e a forma madrugadora e trágica como partiu só fez aumentar esse sentimento e essa saudade», considera.

Lamy não tem dúvidas que o brasileiro gostaria do que é hoje o «Grande Circo», vinte anos depois da tragédia de Imola.

«A Fórmula 1 atual está muito interessante. Está competitiva. Tenho a certeza que o Ayrton iria gostar. Eu gosto, ele também ia gostar», remata, entre risos. 

Os melhores momentos de Ayrton Senna: