O futebol perdeu o seu sorriso mais rasgado, e o planeta disse-lhe adeus em uníssono. Despediu-se um dos maiores, e entre estes aquele que sempre quis ser diferente. O pai, que morreu quando tinha oito anos num acidente, dissera-lhe para ser livre com a bola, e foi o que fez por todo o lado. Para ele, não havia dúvidas, era «a criatividade acima do calculismo» e só jogava futebol porque se divertia. De resto, que importava?

Ganhava ou perdia sempre da mesma e única maneira, para muitos incompreensível, o que lhe trazia rótulos por vezes injustos: a sorrir. Ronaldinho foi único, maior do que os troféus coletivos ou prémios individuais que conquistou. Deixou marca, desenhou elásticos, passes a olhar para o lado contrário, receções com as costas. Chamavam-lhe bruxo, o bruxo do jogo.

Campeão do mundo, conquistou uma Liga dos Campeões, dois títulos espanhóis e um italiano, uma Copa América, dois FIFA World Player of the Year e uma Bola de Ouro da «France Football». Tudo somado, talvez saiba a pouco. Alguém que se compara a Pelé, Maradona e Cruijff poderia ter ganho mais. Só que nunca foi o que o movia. 

Seguiu os passos do irmão Roberto Assis no Grémio, aprendeu a european way em Paris, com o PSG, e foi contratado pelo Barcelona. Antes da era Guardiola, que mudou para sempre a história dos catalães, houve a sua. Foi Dinho quem ajudou os culés a mudar o equilíbrio de forças em Espanha, inspirando a equipa com os seus dribles e arrancadas fulminantes, e tornando-se também um dos mentores de Messi. O conselho do pai passou-o à Pulga

Sê livre com a bola!

Com Pep, saiu Ronaldinho. No Milan, começaram a aparecer as lesões, e já não conseguiu voar tão alto. O seu tempo como rei continental acabaria então, e voltaria ainda para o Brasil, onde ainda podia ser feliz com o seu futebol de rua.

Ronaldinho estreia-se no Barça frente ao Sevilha, num jogo com hora tardia - entra mesmo pela madrugada dentro -, face a um diferendo com a federação. Já na segunda parte e perante o impasse no marcador, pega na bola perto da linha do meio-campo e começa a fintar da esquerda para dentro, até ter espaço para um remate incrível, aconchegado pela trave para lá da linha de golo.

Não há melhor cartão de visita, melhor forma de dizer ao que vem

Outro momento que ninguém esquece é a fabulosa exibição frente ao Real Madrid no Santiago Bernabéu, na época 2005/06. Marca dois golos, o Barça vence por três (0-3) e é aplaudido de pé pelos adeptos blancos. Não é habitual na altura, sobretudo entre clubes com uma grandeza e rivalidade tão intensa, não o é ainda hoje.

Ronaldinho enche o campo, e ninguém duvida. É ele o melhor futebolista da atualidade.

Iker Casillas, atualmente no FC Porto, vítima de Dinho precisamente nesse encontro, foi dos primeiros a reagir à notícia do abandono, primeiro dada pelo irmão, e depois confirmada pelo próprio nas redes sociais.

Quem não se lembra também do golo ao Chelsea em Stamford Bridge, sem ângulo e sem balanço, na Liga dos Campeões, ou do livre à Inglaterra e a um Seaman que dava sempre um passinho à frente no Mundial de 2002? Ou de dois golos de bicicleta com a camisola blaugrana? Um génio! 

O mundo do futebol juntou-se no adeus. Os clubes claro, com os gigantes PSG, Barcelona e Milan obviamente à cabeça. Sempre manifestações de carinho, comuns quando se falam de lendas. Nos últimos anos, Ronaldinho representou Fluminense, Flamengo e Atlético Mineiro e o Querétaro, no México, mas há muito que só se conheciam aparições esporádicas do craque, nem sempre em campo. A última tinha sido a jogar futsal, na Índia. Apesar de não competir ao mais alto nível, fez questão de continuar a divertir-se.

Antigos colegas fizeram questão de deixar a sua mensagem. Dinho foi sobretudo para eles inspirador. No Escrete, no Barcelona e em alguns momentos no Milan. Léo Messi foi dos que não deixou passar em claro a notícia, a confirmação oficial do adeus. Tal como o antigo internacional português Deco, que também com ele se cruzou em Camp Nou.

Não são poucos os que colocam o antigo internacional brasileiro, o embaixador eterno do joga bonito, entre os maiores de todos os tempos. Um malabarista, o sucessor de Maradona, que, tal como Pelé, fizeram questão de manifestar o seu apoio. Gary Lineker, antigo internacional inglês e comentador desportivo, também passou a sua mensagem.

O adeus, esse, chegou pelo Facebook. Frases carregadas de emoção, mas certamente escritas à frente de um sorriso.

Ronaldinho divertiu-se, e ao fazê-lo não poderíamos ter passado melhor o tempo que passámos a vê-lo. O futebol, agora que se vai, continuará a sorrir. E é muito a ele que o deve! Obrigado, Dinho!