O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

Dennis, the menace. Non-Flying Dutchman. The Iceman. Simplesmente, Bergkamp.

Um dos mais refinados futebolistas da história, é ao serviço de um Arsenal de luxo que lhe dá todo o espaço do mundo para criar, naquela torrente de ataque que tinha como invariável ponto de chegada o francês Thierry Henry, que ganha o estatuto de lenda. Bergkamp é o 10-arquitecto, mas sobretudo o 10 do improviso.

A verdade, se é que a permitem, é que o holandês de Amesterdão está desde cedo destinado a ser mais do que um número. É um 10, porque tem esse número gravado no sangue, mas um de largo espectro, capaz de pisar todos os metros quadrados de terreno do meio-campo para a frente, criando para os outros e finalizando, também ele, as suas próprias obras de arte. Capaz de iludir toda uma defesa da Juventus antes do passe de mestre para Ljungberg em 2001, ou de ser ele a assinar as melhores peças.

Há dois golos – se é que é possível escolher apenas dois – que o definem, arrisco. Um deles improvável, inexplicável, irrepetível – irrepetível é o talvez o melhor adjetivo –, fruto apenas do seu génio, frente ao candidato ao título Newcastle, em 2002 e num Saint James Park em ebulição.

«Na maior parte do tempo estava sozinho, apenas a chutar a bola contra a parede, a ver como ressaltava, como regressava aos meus pés e a controlava. Não estava obcecado, estava apenas curioso em saber como a bola se movia, no que o efeito resultava e o que podíamos fazer com cada efeito.» (Dennis Bergkamp, na autobiografia «Stilness and Speed»)

Vieira, Bergkamp, Pires e novamente Bergkamp de costas para a baliza, com o grego Dabizas a ser o último obstáculo até Shay Given. Pé esquerdo, o efeito incrível – o efeito, claro! – a fazer a bola contornar o grego. Como se a bota fosse a parede para onde bateu tantas bolas. Depois, o golo que arruma os magpies de Bobby Robson na corrida ao título. No fim do novelo, a naturalidade na expressão. Uma impassibilidade incrível. Apenas mais um dia no escritório. No seu.

«Vi que a bola estava muito para trás em relação ao meu corpo e tive de virar-me para controlá-la. A maneira mais rápida de virá-la a meu favor foi aquela. Parece um pouco especial ou estranho, mas para mim foi a forma mais rápida de chegar à baliza.»

O outro golo marcara-o quatro anos antes, um pontapé no estômago da Argentina de trivela, depois de um passe pesadíssimo de De Boer. Receção e finta, e Ayala batido por entre as pernas. O remate perante Roa e a bola no fundo das redes.

Essa Holanda cai nas meias-finais com o Brasil, e o melhor golo da carreira de Dennis, segundo ele próprio, não tem o valor que merecia.

Feliz em Amesterdão, no Ajax, e ainda mais em Londres, no Arsenal. As duas épocas em Milão, ao serviço do Inter, são para esquecer. Depois de se ter consagrado melhor marcador da Eredivisie em 1991 e 1993, e eleito melhor futebolista holandês por duas vezes, o rígido calcio não lhe dá a liberdade de que precisa. Cruijff aconselha-o a não assinar pelo Real Madrid e decide-se pelo Giuseppe Meazza, onde tem à sua espera um tridente para completar com Ruben Soza e Toto Schillaci, que pouco funciona. Sobretudo com o holandês a 9.

Highbury é porto de abrigo. A máquina de ataque orquestrada por Wenger no ano seguinte à sua chegada é o terreno fértil onde faz crescer todo o seu talento, com o esperado complemento dos títulos: três campeonatos, quatro taças de Inglaterra e uma final da Liga dos Campeões. Duas vezes finalista da Bola de Ouro, é eleito por Pelé um dos 100 melhores jogadores vivos de sempre. Com toda a justiça para o Non-Flying Dutchman, que desde 1994 não volta a entrar num avião e que, por isso, perde alguns jogos importantes das provas europeias.

Veloz, sim. Habilidoso, com um primeiro toque e um controlo de bola soberbos. Elegante. Sobretudo, inteligentíssimo e conhecedor. Ter-se estreado como lateral-direito pelo Ajax terá ajudado a compreender os defesas e a tornar-se um driblador exímio – que não gostava de truques, apesar de alguns dos seus melhores momentos terem nascido desses momentos de improviso e magia – e um arquitecto de grandes golos, reclamados por si ou oferecidos a Wright, a Anelka, a Henry. Dennis foi especial. E não precisou de voltar a voar para prová-lo.

Momentos de genialidade:

Dennis Nicolaas Maria Bergkamp
Data de nascimento: 10 de maio de 1969

1986-93, Ajax, 185 jogos, 103 golos
1993-95, Inter, 52 jogos, 11 golos
1995-2006, Arsenal, 315 jogos, 87 golos

Holanda, 79 jogos, 37 golos
1 Taça das Taças (Ajax, 1986-87)
2 Taça UEFA (Ajax, 1991-92; Inter, 1993-94)
3 títulos ingleses (Arsenal, 1997-98, 2001-02 e 2003-04)
1 título holandês (Ajax, 1989-90)
4 Taças de Inglaterra (1997-98, 2001-02, 2002-03 e 2004-05)
2 taças holandesas (Ajax, 1986-87 e 1992-93)
3 Community Shield (Arsenal, 1998, 2002 e 2004)

Alguns prémios individuais:

Melhor marcador da seleção holandesa de sempre (de 1998 até 2003)
Melhor marcador da liga holandesa: 1990-91, 1991-92 e 1992-93
Melhor jogador holandês do ano: 1991 e 1992
Melhor marcador do Euro-92
3º classificado no FIFA World Player of the Year : 1993 e 1997
Melhor marcador da Taça UEFA: 1993-94
Football Writer’s Footballer of the Year: 1997-98
Professional Footballer’s Player of the Year: 1997-98
Golo da época da Premier League: 1997-98 e 2001-02
1º ranking das assistências da Premier League: 1998-99
FIFA 100

Primeira série:

Nº 1: Enzo Francescoli
Nº 2: Dejan Savicevic
Nº 3: Michael Laudrup
Nº 4: Juan Román Riquelme
Nº 5: Zico
Nº 6: Roberto Baggio
Nº 7: Zinedine Zidane
Nº 8: Rui Costa
Nº 9: Gheorghe Hagi
Nº 10: Diego Maradona

Segunda série:

Nº 11: Ronaldinho Gaúcho