O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

Rastilho da Danish Dynamite. Aos 21, no México, comparam-no a Platini e Maradona. Pé direito, pé esquerdo, e o adversário a ficar para trás. Direito, esquerdo; e outro a cair. A finta com assinatura, que se repete, impossível de anular.

A estrela mais brilhante, vestida com aquela camisola irrepetível, fato carnavalesco, de elegância impar, em 1986. Ou depois, de blaugrana, no Dream Team de Cruijff.

O Dream Team do Barcelona reunido em 1999 para um jogo de homenagem.

O drible curto, com o arranque imediato. A aceleração fantástica, que quebra linhas e coloca-o na cara do golo. Joga metros acima de todos, mostrando uma visão periférica absurda, capaz de rasgar defesas com um passe, mesmo que não esteja a olhar. Valdano pensa o mesmo e escreve que «tem olhos por todo o lado».

É um dos melhores passadores da história do jogo. Um 10 gigante entre gigantes. Um 10 completo e, por isso, um Zidane antecipado.

A Dinamarca dos eighties é uma equipa de rua, que se reúne para jogar enquanto os bares não abrem. De dribladores, e Michael é mais um. They were red, they were white, they were Danish Dynamite! Uma nova Laranja Mecânica, mais evoluída e menos laranja, com a mesma consciência do espaço e das movimentações incessantes, e ao mesmo tempo capaz de tirar meio mundo da frente.

Preben Elkjaer Larsen, Michael Laudrup, Soren Lerby, Frank Arnesen e Morten Olsen, jogadores de classe mundial, tornados equipa por um alemão disciplinador, mas também sagaz e humano chamado Sepp Piontek. Michael era o melhor, o primeiro traço das obras-primas.

Falha ser sucessor de Platini na Juventus, depois de ter sido contratado ao Brondby. Falhará, porque não ganhará nenhum grande título internacional à exceção da Taça dos Campeões de 1992 com o Barcelona, individual e coletivamente, nem o Euro-92, porque se chateia com Moller-Nielsen e abandona a equipa. Mas falha com uma classe extraterrestre.

Cruijff exigia-lhe 100 por cento porque dizia que jogava a 80, 90, e Michael saiu para o rival Real Madrid.

Tem na sua carreira um mundo de ses que acompanham o próprio país. E se o fantástico Allan Simonsen não tivesse fraturado a perna frente à França no primeiro jogo do Euro-84? E se a equipa não tivesse acertado duas vezes no poste na derrota com a Espanha? E se Elkjaer, que raramente falhava, não tivesse atirado um penálti por cima no desempate com os espanhóis. Como seria ainda se Piontek tivesse descansado os seus jogadores no último jogo do grupo em 86 frente à Alemanha? Ou se Arnesen não tivesse a mulher doente, com doença desconhecida, e não estivesse particularmente agressivo ao ponto de ser expulso, falhando o embate com a Roja? E, finalmente, se Jesper Olsen não tivesse feito aquele passe inacreditável que isola Butragueño para o empate antes do desabar completo, goleados?

Sem muitos troféus, Michael Laudrup é o génio que alimenta Stoichkov, Zamorano e Elkjaer Larsen para delícia de culés, madridistas e dos roligans dinamarqueses, os bebedolas mais simpáticos do planeta.

Que seria de Elkjaer sem Laudrup? Provavelmente, este fantástico graffiti em Copenhaga nunca existiria:

E se Jesus regressar? Colocamos Elkjaer numa das alas!

Tantas saudades, Michael!

Michael Laudrup
Data de nascimento: 15 de junho de 1964

1981-82, KB, 14 jogos, 3 golos
1982-83, Brondby, 38 jogos, 24 golos
1983-85, Lazio, 60 jogos, 9 golos
1985-89, Juventus, 102 jogos, 16 golos
1989-94, Barcelona, 167 jogos, 49 golos
1994-96, Real Madrid, 62 jogos, 12 golos
1996-97, Vissel Kobe, 15 jogos, 6 golos
1997-98, Ajax, 21 jogos, 11 golos

Internacional A: 104 jogos, 37 golos

Palmarés:

1 título de campeão italiano (1985-86)
1 Taça Intercontinental (1985)
5 títulos de campeão espanhol (1990-91, 1991-92, 1992-93 e 1993-94 pelo Barcelona; e 1994-95 pelo Real Madrid)
1 Taça do Rei (1989-90)
2 Supertaças de Espanha (1991 e 1992)
1 Taça dos Clubes Campeões Europeus (1991-92)
1 Supertaça Europeia (1992)
1 título de campeão holandês (1997-98)
1 Taça da Holanda (1997-98)
1 Taça das Confederações (1995)

Jogador dinamarquês do ano (1982 e 1985)
Melhor jogador estrangeiro do ano em Espanha (1991-92)
Melhor jogador estrangeiro dos últimos 25 anos em Espanha (1974-1999)
Top 100 de sempre da FIFA e World Soccer.

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Nº 1: Enzo Francescoli
Nº 2: Dejan Savicevic