Quando Pep Guardiola viu o passe de Messi, deixando Neymar na cara de Neuer, para o 3-0 que praticamente sentencia a meia-final, deve ter reforçado a sensação de déjà vu que o acompanhou na noite do regresso ao Camp Nou.



E com toda a razão: o recital do argentino, com dois golos – já lá vamos. . . - e uma assistência foi a réplica perfeita de um outro, seis anos antes, quando Guardiola ocupava o banco dos visitados.

Em 8 de abril de 2009, então com apenas 21 anos, Messi tinha deixado a sua assinatura por todo o lado, na única vitória dos catalães em oito jogos oficiais com o Bayern (4-0). Dois golos e uma assistência na primeira parte embalaram os blaugrana para a primeira de duas Ligas dos Campeões ganhas com Guardiola no comando.



Seis anos depois desta imagem, os dois maiores símbolos da idade de ouro do clube catalão voltaram a encontrar-se, em lados opostos, e o monstro devorou o criador, repetindo a receita. Com uma diferença: se em 2009 precisou de 38 minutos para fazer o estrago decisivo, desta vez Messi concentrou a magia toda nos 17 minutos finais, já com descontos.

O golo que desbloqueou o marcador, aos 77 minutos, foi o primeiro sofrido pelo Bayern num remate de fora da área, em toda a campanha na Liga dos Campeões. E este dado, que poderia passar por simples curiosidade sem significado, tem dupla leitura: por um lado, de tributo à consistência tática do Bayern em situação de defesa organizada. Por outro, do talento incomparável de Messi para desequilibrar em espaços reduzidos – e, aproveitando uma saída perdida pelos alemães, nos pés de Rakitic, em encontrar o buraco da agulha para bater Neuer no poste mais próximo, algo a que o guarda-redes alemão decididamente não está habituado.





E se esta foi a noite de Messi, devidamente assinalada um pouco por todo o mundo, convém lembrar que até a esse 77º minuto estava a ser a noite de Neuer.



Só o talento do guarda-redes alemão, aliado ao bom trabalho de pressão defensiva montado por Guardiola, fazia com que o domínio do Barcelona, ilustrado por um saldo de 13-5 remates aos 75 minutos, tivesse zero golos de prémio. Até essa altura podia falar-se de uma reedição da final do Mundial, em que o bloco coletivo, da Alemanha, e o talento individual, de Neuer, se sobrepuseram à magia da pulga.



Mas o primeiro golo mudou o desfecho à história: três minutos depois, a obra de arte que vai ficar para sempre colada à carreira de Jerome Boateng desequilibrou a meia-final de forma clara,











antes de o 3-0, nos descontos, soar como a sentença definitiva.


Sim, é verdade que nesta temporada o Bayern já conseguiu quatro resultados na Liga dos Campeões que anulariam esta desvantagem em Munique. Mas nenhum perante uma equipa como o Barcelona, que chega a esta fase da época com as suas principais estrelas num momento de forma estratosférico. Para todos os efeitos, aqui fica o registo: 94% das equipas que vencem a primeira mão por 3-0 apuram-se, só 6% conseguem dar a volta.

Se o show de Messi não pode, nem deve, ser reduzido a números, não passa sem registo o facto de, com este bis, o argentino ter atingido os 77 golos na Liga dos Campeões, ultrapassando como melhor marcador de sempre Cristiano Ronaldo, que na véspera, em Turim, tinha chegado à cota 76. Para Messi, foi ainda o 10º golo nesta edição da prova, o que lhe permite isolar-se no comando da tabela, com mais um do que o português do Real Madrid e o brasileiro Luiz Adriano, do Shakhtar.

Ainda no capítulo das estatísticas, referência para outra, de enorme significado: uma das dúvidas que dominavam esta partida era a de quem teria mais posse de bola. Os dados oficiais da UEFA inclinam a balança a favor do Bayern (52/48) o que não acontecia ao Barcelona, em jogos da Liga dos Campeões, desde 2006. Mas este foi também o jogo em que o Bayern não conseguiu um só remate enquadrado com a baliza: a única defesa de Ter Stegen em todo o jogo nasceu de uma tentativa de Thiago Alcântara que ia para fora e ressaltou.

No plano ideológico, portanto, Guardiola ganhou a sua pequena primeira batalha – defender tendo a bola e atenuar as diferenças individuais, acentuadas, é bom não esquecer, por baixas muito importantes no lado alemão. Só que o plano serve de pouco quando do outro lado há um talento da dimensão de Messi, capaz aproveitar um erro para desequilibrar, em três minutos, aquilo que Neuer equilibrou durante tanto tempo. A conclusão moral do debate tinha sido antecipada pelo próprio Guardiola, antes do jogo: «Quando Messi está inspirado, não há forma de o parar». Mais uma vez, a criatura deu razão ao criador, resumindo o melhor futebol a uma coisa maravilhosamente simples.