Cruijff contra Capello. O futebol de ataque contra o cinismo italiano. 1994, Atenas, 18 de maio. Um golpe de teatro apoteótico no Olímpico. O fim do «Dream Team», com um  BANG! ensurdecedor. O Barcelona não voltaria a ganhar com o holandês ao leme. Era o fim da revolução  cruijffiana, o princípio do fim de Cruijff, que ainda teria de caminhar mais dois anos pelo deserto.

Ataque  culé ligado pela amizade Stoichkov-Romário, com Begiristain a somar. Guardiola no comando de um meio-campo que misturava Bakero e Amor. O revolucionário holandês deixara de fora Michael Laudrup. Fôra obrigado a escolher, a UEFA obrigava a apenas três estrangeiros, uma coisa bizarra nos tempos que correm. E além dos dois da frente havia ainda o bombardeiro Ronald Koeman. Imprescindível. 

Do outro lado, o Milan parecia dizimado por lesões. Os holandeses já lá não moravam. Não havia Rijkaard, vendido ao Ajax, Gullit fazia exílio na Sampdoria, Van Basten perdia toda a temporada com a lesão no tendão de Aquiles que lhe acabaria com a carreira. Antes da final, Capello ficaria ainda sem dois históricos, Costacurta e Baresi, e Lentini, o mais caro do mundo, apresentava-se com problemas físicos. Ao escolher, Capello preferiu Boban, Desailly e Savicevic, que caíra finalmente nas boas graças do técnico, depois de ter chegado ameaçar bater com a porta. De fora, um trio de luxo: o romeno Raducioiu, o holandês Brian Laudrup - os dois irmãos viram a final em casa - e o goleador francês Jean-Pierre Papin.

O favoritismo era todo catalão. O Barça, tetracampeão espanhol - com alguma felicidade, graças a um penálti falhado por Djukic, do Corunha, frente ao Valência, na última jornada -, já sentia nas mãos a segunda Taça dos Campeões. Cruijff nem mordia os lábios quando dizia que «o Milan não era assim tão bom». «Mais completos, mais competitivos e mais experientes», garantia sobre os seus jogadores. Cantava de galo na véspera. E apontava. «Eles baseiam o seu jogo na defesa, o nosso é baseado no ataque. Enquanto nós contratámos Romário, eles gastaram milhões com Desailly.» As palavras terão incendiado o balneário  rossonero. «Não o tivesse dito e as coisas podiam ter sido diferentes», reconheceria Costacurta algum tempo depois. 

A confiança  culé era total. «Vão e divirtam-se. Vocês são melhores e vão ganhar» foi tudo o que Cruijff disse aos jogadores na palestra antes do encontro. Noventa minutos depois, o génio que levara o Barça à primeira Liga dos Campeões, dois anos antes, perante a Sampdoria, era de novo um tolo. O tolo que menosprezara um clube da grandeza do AC Milan. Só canecos tinha três de avanço.



Nas meias-finais, tudo tranquilo. O Barcelona derrotara o FC Porto, o Milan o Mónaco. 3-0 em ambas as partidas. Eram as duas melhores equipas, não havia dúvidas.

«Fiquei descansado quando vi que Laudrup não jogava», diria Capello depois do jogo. No Camp Nou pensava-se que o dinamarquês estava decidido a sair, por não ser aposta frequente. Começou a jogar ainda menos, até ao anúncio definitivo, dias depois da final. Ia para o Real Madrid! No Olímpico, o futebol do Barcelona nunca teve a bola. Guardiola não lhe conseguiu pegar, e esta nunca chegou a Stoichkov ou ao  baixinho Romário. Albertini, do outro lado, era a extensão em campo de Capello. Savicevic driblava, Boban ajudava. E havia Massaro, de remate fácil, que marcaria dois antes do intervalo. E, no final, festejaria com a camisola do ídolo Stoichkov vestida. 

Savicevic e Donadoni criaram os dois golos de Massaro, aos 22 e no segundo minuto de descontos da primeira parte. Na primeira foi só empurrar. A segunda jogada exigiu-lhe um tiro cruzado com o pé esquerdo. Cruijff corava de vergonha no banco. Os deuses do futebol estavam contra ele. Dois minutos depois do regresso, Nadal hesita e Savicevic mete o pé. O inglês Philip Don nada assinala. O auxiliar também não. Hoje seria falta, sem dúvida. O que se segue depois é um monumento. Um chapéu a um Zubizarreta desgovernado, em voo picado para trás.  Il Genio corre para a linha lateral  de braços para o ar, o Barça estava KO. Dois minutos depois, Savicevic outra vez. Acerta na trave! E, aos 57, é Desailly a vingar-se das palavras de Cruijff. O francês entra na área pela esquerda e remata em curva, sem hipótese de defesa para Zubizarreta. 



Depois da final, Cruijff começou a desmontar o «Dream Team». E, como se disse, não voltou a ganhar. Dois anos depois deixaria a Catalunha com o adeus ao clube e ao futebol. Tinha prometido não voltar a treinar. Zubizarreta, um dos históricos, que tinha contrato apalavrado, não renovou e saiu para o Valência. Romário, que se vingaria dos italianos no Mundial dos Estados Unidos meses depois, só estaria mais seis meses na Cidade Condal. As saudades tornavam as idas ao Brasil fossem mais frequentes, e Cruijff não lhe perdoou. Assinaria pelo Flamengo. Viria Bobby Robson para o banco, e Ronaldo o Fenómeno para o ataque. Mas o legado ficaria. A aposta na formação, com técnicos de alto nível desde muito cedo, continuou até hoje em La Masia.

No que diz respeito ao Milan, chegaria à terceira final consecutiva da Taça dos Campeões no ano seguinte, e voltaria a perder, tal como em 1993 (Marselha). E, como se fosse destino, havia novamente holandeses no seu caminho. O Ajax, de Louis van Gaal. Cruijff continua, hoje em dia, a ser uma espécie de consciência do Barça.



FICHA DE JOGO

Estádio Olímpico de Atenas
18 de maio de 1994
Final da Liga dos Campeões da UEFA
Árbitro: Philip Don (Inglaterra)
Ao intervalo: 2-0

MILAN - Rossi; Tassotti , Galli, Maldini (Nava, 83) e Panucci; Boban, Albertini, Desailly e Donadoni; Savicevic e Massaro
Treinador: Fabio Capello

BARCELONA - Zubizarreta; Ferrer, Koeman, Nadal e Sergi (Estebaranz, 71); Bakero, Guardiola e Amor; Romário, Begiristain (Eusebio, 51) e Stoichkov

Golos: 1-0, Massaro, 22; 2-0, Massaro, 45; 3-0, Savicevic, 47; 4-0, Desailly, 58

Disciplina: cartão amarelo a Tassotti (35), Massaro (45), Albertini (53) e Panucci (88); Stoichkov (24), Bakero (48), Nadal (54), Sergi (55), Ferrer (58)