O último clássico entre Benfica e FC Porto proporcionou uma reviravolta decisiva no campeonato nacional. Kelvin, o herói improvável, fez do minuto 92 (em rigor, foi ao minuto 91, mas alguém estava a contar?) um instante para recordar. Mas será que a sua vida mudou consideravelmente?

Aos 20 anos, o brasileiro inscreveu o seu nome na história do clube e reservou um espaço no museu azul e branco. Kelvin é hoje em dia um fenómeno de popularidade entre os adeptos.

O Benfica saiu do Dragão com o campeonato praticamente perdido, o título a fugir-lhe entre os dedos. Assim foi. Para a posterioridade ficou a imagem de Jorge Jesus ajoelhado na linha lateral, percebendo a importância daquele instante.

Jesus manteve o cargo, Artur Moraes continuou na baliza do Benfica até se lesionar, Liedson assistiu Kelvin mas despediu-se do FC Porto. O autor do golo foi louvado como herói, sem passar a ser utilizado com maior regularidade. A quem saiu a fava? Roderick Miranda.

«Sei que a última fotografia é sempre aquela que fica», desabafa o jovem internacional português, em Vila do Conde. Neste defeso, rescindiu com o clube encarnado e assinou pelo Rio Ave. Foi o fim de uma ligação que se iniciara no ano 2000. 

«O Chelsea até à morte» e o futuro

A 11 de maio de 2013, Kelvin Mateus de Oliveira mudou o rumo do campeonato nacional. Um pontapé cruzado, para lá do minuto 90, com um efeito caprichoso a encaminhar a bola para o fundo das redes. Explosão de alegria no Estádio do Dragão, a festa proporcionada por um pé esquerdo com pouca história no nosso futebol.

Até então, o jovem brasileiro era pouco mais que um valor para o futuro, um talento que garantira a vitória frente ao Sp. Braga (3-1) com dois golos num quarto-de-hora. Isso não bastara, ainda assim, para conquistar um lugar no onze do FC Porto. Cometeu erros nas semanas seguintes e atrasou a sua afirmação.

Tudo mudou naquele instante do clássico. Kelvin era agora a nova bandeira do clube. Sem pensar no assunto, foi para casa e concedeu uma entrevista a uma televisão do seu país. «Sou Chelsea até à morte», atirou, antes da final da Liga Europa. A rivalidade levada ao limite.



No final da temporada, o brasileiro projetou o futuro em conversa com o Maisfutebol e falou sobre a polémica criada. «Disse que ia torcer pelo Chelsea na final da Liga Europa, como disse que ia torcer pelo V. Guimarães na final da Taça, mas não tenho nada contra o Benfica. Foi apenas a minha opinião, tenho o direito de ter as minhas preferências», defendeu.

«Quero continuar a ajudar o FC Porto, mas se decidirem ceder-me, para ter mais ritmo de jogo, irei respeitar. A minha vontade é clara: quero ficar, estou mais crescido e espero dar mais na próxima época», acrescentou Kelvin. 

O esquerdino ficou no plantel e iniciou a pré-temporada com entusiasmo. Serviu até como rosto na campanha televisiva para o jogo de apresentação frente ao Celta de Vigo.


O Espaço K e três minutos em campo

Três minutos em campo na Supertaça de Portugal servem de aviso. A popularidade conquistada por Kelvin nos meses anteriores não lhe garante espaço na equipa.

Paulo Fonseca espera mais do jogador. Em outubro, o jovem de 20 anos parece uma mera peça de museu. Tem direito ao Espaço K, um local de eleição para Pinto da Costa, em que passam continuamente imagens do golo ao Benfica. Mas fica por aí.

Kelvin teve de esperar pelo último fim-de-semana para, em vésperas do reencontro com o Benfica, fazer o primeiro jogo como titular. Cumpre noventa minutos frente ao Atlético, na Taça de Portugal, e assinala o momento com um tento no Dragão. Uma vez mais, perto do final da partida.

Contas feitas, a vida do extremo brasileiro pode ter mudado mas a carreira segue ao mesmo ritmo. Os números são claros. Na época passada, até 7 de janeiro, Kelvin tinha participado em cinco jogos oficiais da equipa principal, num total de 203 minutos. Na presente temporada, no mesmo período, esteve em sete jogos do FC Porto, com um golo marcado. Minutos? 206. Apenas três de diferença.

«Kelvin é um jovem jogador que tem de evoluir em certos aspetos. Quando acharmos que é o momento ideal será chamado sem nenhum problema», explicou Paulo Fonseca. Chegou o momento, na antecâmara da visita ao Benfica?

O Maisfutebol procurou respostas ou simples opiniões junto dos representantes e dos familiares do jogador, mas estes garantem não ter autorização para falar com a imprensa. Sobram as declarações de Kelvin no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no final de dezembro: «Agora estou a ser mais utilizado, mas passei por um momento difícil nesta metade do ano.»


O minuto 92 para Roderick

Por cada herói surge um vilão e Roderick teve o papel indesejado neste filme. O jovem internacional português regressara ao Benfica no início de 2013, após seis meses pouco felizes no Deportivo da Corunha.

Jorge Jesus recuperou o ativo, ganhou mais um nome para o centro da defesa e surpreendeu com algumas experiências com Roderick como médio defensivo. A menos de meia-hora do final, no Estádio do Dragão, o jogador foi lançado nessa condição.

Surge o minuto 91 (ou 92, como ficou assente), Kelvin foge a Roderick e balança as redes encarnadas. O FC Porto passa para a frente do campeonato. É o início de um ciclo terrível para o Benfica.

No final da temporada, as partes chegam a acordo e surge a despedida. Roderick assina em definitivo pelo Rio Ave. Neste sábado, no mesmo dia em que o brasileiro regressou aos golos, o português conquistou um penálti decisivo – e polémico - para a sua equipa. Curiosamente, ao minuto 92.

A formação vila-condense bateu o V. Setúbal pela margem mínima e seguiu em frente na Taça de Portugal. À porta do estádio, sem a cobertura jornalística a que estava habituado, o jogador do Rio Ave é abordado pelo Maisfutebol.

Roderick não sabe se pode falar. Pergunta a um companheiro de equipa, mais experiente. «Fala à vontade, desde que não fales mal de mim!». Em Vila do Conde é assim. Após várias questões sobre o jogo, vira-se a agulha para o clássico e nota-se o ligeiro incómodo.

«Golo de Kelvin? Isso é coisa do passado, agora sou jogador do Rio Ave e quero apenas pensar no Rio Ave. Já disse o que tinha a dizer, não quero voltar a falar sobre isso», atira o português, procurando encerrar a questão.

Perante a insistência, Roderick solta mais um par de frases, educadamente. No fundo, sabe que algo mudou após aquele lance: «Sei que a última fotografia é sempre aquela que fica, mas como disse, agora represento o Rio Ave, não quero falar sobre esse tema.»

A realidade é outra. Aos 22 anos, o jogador que foi comparado a Mozer tenta ser feliz fora do Benfica. Em meia época, esteve em dez compromissos do Rio Ave, metade dos quais como titular: «Desde que cheguei, tenho procurado encontrar o meu espaço na equipa. Agora fiz dois jogos seguidos como titular e vou continuar a trabalhar para manter o lugar no onze»

Surge uma derradeira questão, colocada por um jornalista do Record. Tem a ver com o Rio Ave, mas serve para recuperar aquela aposta de risco no clássico. Sente-se melhor como central ou como trinco? «Tenho mais anos na carreira como central mas sou trabalhador de futebol e temos de jogar onde nos colocam, temos de estar preparados para isso».