Depois de há duas semanas ter perdido a mulher e os dois filhos, vítimas de uma intoxicação por gás, tudo fazia crer que o fundista Carlos Calado, da equipa Gémeos Castro, não estaria presente no Campeonato Nacional de corta-mato longo, que se realiza no próximo domingo na pista do Estádio Nacional. Mas a verdade é que o atleta algarvio vai competir no Jamor e, como contou esta sexta-feira ao Maisfutebol, foi por homenagem à família que decidiu correr.

«Decidi há dois dias que vou participar no Campeonato Nacional. Vou fazer uma homenagem à minha mulher e aos meus filhos, porque era vontade deles que eu participasse na prova e também será a minha», confessou Calado, antes de iniciar o treino da manhã, juntamente com Domingos Castro e Hélder Ornelas, dois outros atletas da equipa Gémeos Castro. «Para mim, ainda é muito difícil falar disto, mas eu decidi correr por eles e não porque tivesse vontade de correr. Era a vontade da minha mulher e eu vou alinhar na prova de domingo», acrescentou o atleta.

Emocionado e com enorme humildade, Carlos Calado pediu compreensão a todos os que o possam ver falhar. «Fisicamente sinto-me bem, psicologicamente é que estou muito abalado e só tenho é que pedir desculpa às pessoas se a prova não me correr bem. Todas as pessoas vão compreender a minha situação».

Seja qual for o seu resultado, Carlos Calado garante que para já vai continuar a fazer aquilo de que mais gosta ao lado das pessoas que, para ele, são muito especiais. «Eu vou continuar no atletismo, porque tenho muitos amigos que me têm ajudado. Se não fossem eles, talvez abandonasse a carreira e fosse trabalhar para um sítio qualquer, mas a vontade deles é que eu continue», disse o atleta referindo «Domingos Castro, Dionísio e Humberto Sequeira».

Sobre a atitude de José Mourinho, treinador do F. C. Porto, que no último jogo com o Benfica ofereceu a Calado o prémio de jogo e uma camisola autografada por todos os jogadores da equipa «azul e branca», o atleta contou como tudo aconteceu. «Foi uma atitude bonita, uma oportunidade única e uma coisa digna de se ver. Já tínhamos tido um encontro em que eu fui apresentado à equipa e na altura foi-me dito que se o Porto ganhasse o prémio de jogo do Mourinho me seria atribuído. No entanto, eu aproveito para agradecer a atitude que o Mourinho teve comigo»

E para além da amizade e do desporto, Carlos Calado já recorreu a outra terapia. Ontem esteve na primeira consulta com um psicólogo e o balanço é para já muito positivo. «Estive na consulta e senti-me bem, falámos bastante, contei as minhas mágoas e desabafei tudo o que sentia e acho que uma situação destas faz bem a todas as pessoas, porque vão buscar-se conversas que nunca tivemos com ninguém, conversas profundas. Isto é uma dor muito grande que só se cura com o tempo. Não posso apagar com uma borracha toda a minha vida de há dez anos a esta parte, para depois sofrer uma recaída dentro de cinco ou seis anos. Prefiro então curar isto ao natural, sem calmantes, sem nada, mas ficar curado.»

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