Paulo Tavares, 53 anos, cumpre a sexta época ao comando do Sp. Braga/AAUM. Levou o clube, amador, à primeira final de um campeonato no final da época passada. Perdeu para o Sporting, mas garantiu um lugar inédito na fase principal das competições europeias. Esta quarta-feira e até domingo, na Eslovénia, os minhotos estão na UEFA Futsal Cup. Estreiam-se contra o Inter, campeão europeu onde figura Ricardinho. Em entrevista ao Maisfutebol, o técnico reconhece inexperiência, mas vê hipóteses de passagem. Fala do despontar de jovens no clube, aponta a necessidade de melhorar o futsal a partir da formação em Portugal e assume que já foi sondado para o Benfica e Sporting. E então? «Não me seduz (risos)», vinca.

A par de Nuno Dias, é o treinador há mais épocas seguidas num clube da 1.ª Divisão. Esta é a sexta. A continuidade ajudou a afirmar o clube nas últimas épocas?

Penso que sim (risos). Braga, Associação Académica e Universidade do Minho gerem o projeto. É uma estrutura pequena, fácil de trabalhar. Quando fui convidado [2012] a ideia passava por colocar um Braga/AAUM mais competitivo. Estabilizar a equipa na 1.ª Divisão. Em dois anos, renovámos o plantel e fez-se um trabalho com juventude, estudantes universitários. Depois, três anos que falam por eles próprios. Objetivo, muito da equipa técnica, era sermos a melhor equipa a seguir às profissionais - Benfica e Sporting. Aproximámo-nos dessas equipas.

Fala em duas épocas de estabilização e três de afirmação…

Tinha de ser. Com orçamento pequeno, tínhamos de procurar novos talentos. Foi o que fizemos. Desde Fábio Cecílio, Nilson, André Coelho, Tiago Brito... Não era pelo que íamos pagar que íamos conseguir, mas sim através da universidade, pagando propinas, dando condições à malta que estudava e mesclar juventude com experiência, com Miguel Almeida, Vítor Hugo, André Machado. Era quase impensável nestes três anos ficarmos em segundo lugar. Há dois anos, nas meias-finais com o Sporting, perdemos mais por fatores extra. Este ano, foi o culminar de tudo: ultrapassar o Benfica, chegar à final de um campeonato e, com isso, conseguir estar na UEFA. Paga-se o preço: a maioria dos jogadores saíram.

No seu primeiro ano, quartos de final da liga. Seguem-se três meias-finais, perdidas para Benfica e Sporting. Por fim, uma final. É um Braga à altura dos dois crónicos candidatos?

Não. Assumir uma candidatura a um título exige muito. Organização, profissionalismo. Sporting e Benfica têm grandes vantagens. Estar a falar de um Braga a lutar pelo título é quase utopia. Não posso treinar quando quero. Não posso fazer treino bidiário. Tenho atletas que trabalham e que estudam. A ideia passa pelo mesmo: tentar que o Braga seja a equipa mais forte a seguir a Benfica e Sporting.

Paulo Tavares ao lado de Marinho, um dos jogadores mais experientes da equipa

Nunca ficou a sensação do quase?

Quando fomos arrumados pelo Sporting nas meias-finais, estaríamos mais perto porque tínhamos a equipa toda. Era mais fácil acreditar que na final se poderia fazer algo mais com o Benfica. Não que o Benfica seja mais fraco. Tem a ver com o modelo da final. Nesse ano, a final seria a cada fim-de-semana e não nos moldes como foi esta, com o Sporting. Tivemos de jogar a cada três dias, com viagens quase no mesmo dia. Ainda perdemos o André Coelho e o Sporting dava-se ao luxo de deixar cinco elementos de fora. Penalizou-nos imenso. Se tínhamos ido à final [em 2015/16] estaríamos mais perto de um título. O que se passou naquele pavilhão [Odivelas] não pode acontecer. Lutar pelo título tem muito que se lhe diga. Tem de se ter uma estrutura forte e focada só nesse objetivo.

Recorda-se de algum episódio?

Retirar a rede e permitir que os adeptos do Sporting pudessem atirar água, cadeiras, ultrapassou o razoável. Se se passasse em Braga, não sei o que aconteceria. Se calhar a secção fechava. O jogo é para se jogar no campo. Isso não aconteceu.

O futsal é uma modalidade em crescimento em Portugal, embora de pouco profissionalismo. Como é que o Braga, equipa amadora, sustenta estes resultados?

A qualidade da estrutura. Somos poucos e, modéstia à parte, trabalhamos bem. Temos como grande trunfo o estudo. Além de colocar o atleta a jogar ao mais alto nível, pode continuar os seus estudos. É fundamental. É a nossa força.

Mesmo perdendo jogadores de vulto ao longo das épocas: Amílcar, Fábio Cecílio, Miguel Almeida e, esta época, Tiago Brito e André Coelho. Entre outros…

Faz parte. Há que renovar. Temos gente jovem referenciada. A equipa, este ano, é a mais jovem da liga. Há uma grande diferença face ao passado. Neste momento, os atletas que achamos importantes, temo-los com contrato. Para o André Coelho sair, o Benfica tinha de falar com o Braga. É uma diferença para melhor. Dá-nos segurança. Tirando isso, vai ser este o projeto do Braga. Orçamento pequeno, ambição grande. Há que ter boas escolhas.

E é mais difícil manter as referências no plantel…

Quando é para Benfica, Sporting, projetos profissionais onde vão ganhar seis ou sete vezes mais e lutar por títulos, é difícil segurá-los. Mas dá gozo. Já colocámos na seleção Fábio Cecílio, André Coelho, Tiago Brito, Nilson e Vítor Hugo, guarda-redes que conseguimos recuperar. Provámos a quem andava distraído que o melhor guarda-redes português e a atuar em Portugal está no Braga.

Como técnico, é aliciante reconstruir a equipa ano após ano?

É, muita dor de cabeça (risos). Dá-me mais algum gozo trabalhar como o Sporting. Basta ver como têm a secção de futsal organizada. É um clube referência. Bem gerido, plantel de grande qualidade, maioria de seleções nacionais e um grande trunfo: aquele plantel joga junto há quantos anos? Qualidade da equipa técnica, não há nada a dizer. Torna-se difícil para os outros. No nosso caso, é todos os anos coisas novas. Miúdos com 19 e 20 anos são as nossas medalhas. Há quem se deslumbre com títulos. Para mim, o André Coelho é um título, o Tiago Brito outro, o Vítor Hugo, o Divanei… e tantos outros jovens bem trabalhados por mim e por quem está comigo. São grandes medalhas vê-los na seleção. Outros irão. É o projeto que mais gozo me está a dar desde que sou treinador.

É a época mais difícil de reconstrução?

É. E além de ser muita gente, não conseguimos contratar jogadores portugueses de qualidade. Não tivemos capacidade financeira. Tentámos, porque os conhecíamos e eles conhecem a liga. A maioria das contratações são jogadores que no ano passado eram juniores. Alguns ainda são. Não conhecem a liga, não conhecem pavilhões, adversários. É começar exatamente do zero. Ano de grande aprendizagem.

Disse que há três anos a final podia ser um cenário utópico. E este ano?

No passado, muita gente queria que o Braga assumisse candidatura ao título. É utopia. Chegar a uma final, é diferente. Poder ganhar uma taça não é utopia para nós, nem para Fundão ou Módicus. Essas equipas têm plantéis que trabalham bem. Final este ano? Depende do que a equipa vai conseguir crescer. E há a questão das lesões. Se não perdemos ninguém dos que dá mais experiência à equipa, não vejo porque não.

Já levou o Braga a uma final da taça, supertaça e campeonato. Falta um título?

Começando a ganhar mais estaleca. Precisamos de não levar sangrias. Que não estejam todos os anos a sair e a entrar quatro a cinco jogadores.

Foi o primeiro português a treinar na Rússia, no CSKA. Aí, Nuno Dias como adjunto e Cardinal ou Ricardinho no plantel. Como foi o trabalho com os portugueses?

O Nuno foi um trabalho conjunto. Excelente. Ficou uma amizade grande. Dentro de campo, não. Ele é um chato de primeira, eu sou um chato de primeira. Tem feito um trabalho de grande qualidade no Sporting. O Cardinal está nos cinco melhores pivôs do mundo, atleta de eleição. Há muitos anos, fui buscar esse menino ao Miramar. Ainda tropeçava nos pés dele, ele sabe disso e lançámo-lo na Fundação [Jorge Antunes]. Era júnior, jogava pouco e pediu para sair. A partir daí, o percurso fala por ele. De todos os que me passaram, muito à conta do trabalho dele, foi o jogador que mais evoluiu. Ricardinho, atleta fora de série. Trabalha como ninguém. Lembro-me dele no Miramar, nos juvenis. Já dizia que ia ter potencial enorme. A grande vantagem do Ricardinho é que é bom em quase tudo.

Reencontra-o agora na estreia na UEFA Futsal Cup. Alguma estratégia para o parar?

O problema não é o Ricardinho. É o Ricardinho, o Rafael, o Daniel. É o coletivo. Para mim [o Inter] é a melhor equipa do mundo. Os princípios defensivos que eles utilizam, nós também utilizamos. Em ataque, impressionante a forma como conseguem alterar ritmos de jogo, como têm a bola e a fazem correr entre todos os jogadores. O Ricardinho é o melhor jogador do Inter, mas o problema não é só ele. É o nosso primeiro jogo, importante para estarmos equilibrados, perceber as diferenças abismais. Atrasar o golo do Inter, de forma a não descambar.

Equipa do Sp. Braga/AAUM, à partida para a Eslovénia, onde disputa a fase principal da UEFA Futsal Cup

Mental e fisicamente. O Braga/AAUM está preparado para a aventura europeia?

Apesar de sermos uma equipa amadora, o problema não é físico. Mental, sim.

O que tem dito aos jogadores?

Faz parte do crescimento deles. Ver o Ricardinho ali ao lado e ter de o defender… é complicado. Temos dez, 11 jogadores. Dá para fazer a gestão, apesar de ser competição de quatro dias. Os brasileiros do Inter são internacionais da seleção. Os miúdos que tenho conhecem-nos da televisão, como ídolos. A parte emocional vai ser a mais difícil.

Além do Inter, atual campeão europeu, Dina Moscovo e o anfitrão Maribor. O que pode fazer o Braga?

Maribor é uma equipa forte fisicamente. É o clube que mais dificuldade temos tido em reunir informação. Penso que perderam jogadores fundamentais para a liga italiana. Se tiverem a equipa do ano passado, complicado para nós. O Dina é uma equipa cínica. Defende baixo, faz das transições a sua arma. A equipa menos é o Braga. Não tem experiência deste tipo de competições. Mas temos esperança de passar.

Considera-se um treinador calmo? Evidencia, grosso modo, essa postura no banco.

Calmo, acho que sim. Às vezes tenho receio de ser exigente demais, porque a maioria são jovens.

Já são quase 20 anos como treinador. O que mais mudou no futsal?

Muita coisa… Não tudo para melhor. Na formação, não melhorámos. Não temos um documento orientador para que os atletas, quando chegam a juniores, tenham conhecimento do jogo em termos defensivos, ofensivos e trabalho emocional. Isso não é feito em Portugal. Se não melhorarmos, dificilmente se ganha alguma coisa a nível de seleção nacional. É difícil combater uma Espanha que faz este trabalho como ninguém. Temos de ir às bases. Do que fazia há dez anos e o que faço hoje, é inacreditável a evolução, para melhor. Acho que quem mais faz por evoluir em Portugal são os treinadores.

Há mais ferramentas…

Muito mais.

E por isso pergunto se continua a haver lugar à reinvenção tática do jogo.

Sempre. Melhoramentos em termos ofensivos e defensivos. Criar estratégias para defender de forma diferente. Há lugar à imaginação.

O Paulo tem um vasto currículo interno. Do Miramar ao Braga, passando por Famalicense, FJ Antunes e Módicus. Em Portugal, falta treinar Benfica e Sporting?

Não me seduz. Já fui convidado (risos). Houve sondagem. Se um dia acontecer, aconteceu. Onde estou, sinto-me realizado. Não vivo obcecado, só porque tenho de ser campeão, aparecer nos jornais. O meu trabalho é naquele piso, 40 por 20. Aí sinto-me à vontade, com o meu grupo de trabalho.

Tem algum objetivo a concretizar na modalidade?

Gostava de poder atribuir um título ao Braga. São cinco anos, tenho mais quatro pela frente. Terei nove anos de Braga e gostaria de oferecer um título àqueles adeptos fantásticos. Não tenho ambições desmedidas. É importante sentir-me bem onde estou. Posso trabalhar com gente jovem. É um gozo enorme pegar em miúdos. Lembro-me do primeiro dia do André Coelho: quando o convidei para vir para o Braga, quase nem levantava a cabeça a falar para mim. Hoje é o melhor fixo a atuar em Portugal.

*Fotografias: SC Braga/AAUM | Daniel Azevedo