Hyeon Chung não tinha mais do que seis anos quando um médico lhe prescreveu a prática de ténis como forma de atenuar o elevado grau de astigmatismo.

«Sim, o doutor disse-me que seguir a bola amarela ia fazer bem à visão. E disse que jogar ténis era melhor do que estudar. Se é mais engraçado do que ler livro? Claramente», disse o jovem tenista sul-coreano recentemente numa entrevista ao site ATP World Tour.

Hyeon Chung tem 21 anos, joga com óculos desde sempre, usa aparelho, tem borbulhas na cara e é seguramente um dos tenistas mais falados do momento. Dois dias após ter eliminado o 4.º cabeça-de-série Alexander Zverev, deixou pelo caminho Novak Djokovic nos oitavos de final do Open da Austrália, o primeiro Grand Slam da temporada.

DJOKOVIC, acabado de regressar aos courts após longa paragem por lesão – provavelmente ainda em busca do melhor nível – mas Djokovic: vencedor de 12 majors, seis deles ali, em Melbourne e na mítica Rod Laver Arena, de onde saiu nesta segunda-feira com um sentimento diferente de tantas outras vezes.

Derrotar aquele que já é, aos 30 anos, um dos tenistas mais consagrados da história, já seria por si só um feito digno de registo, mas a forma como Hyeon Chung o fez, em apenas três sets e dois anos depois de cair ali com uma derrota pesada frente ao mesmo adversário, eleva-o para outro patamar: 7-6 (7-4), 7-5 e 7-6 (7-3), assunto arrumado em três horas e 21 minutos de ténis de altíssima qualidade misturada com erros incaracterísticos de Novak Djokovic, que acumulou um total de 57 erros não forçados.

O sul-coreano, filho de um ex-tenista modesto e treinador de ténis, foi apenas o terceiro tenista a conseguir desenvencilhar-se do sérvio no Open da Austrália em apenas três parciais, depois de Marat Safin (2005) e Roger Federer (2007), altura em que Djoker tinha menos de 20 anos e ainda uma folha em branco em torneios do Grand Slam.

Em cima: Hyeon Chung aos 13 anos na Academia Bollettieri. Anos depois, em 2014, venceu a medalha de ouro na competição de pares no Jogos Asiáticos e conseguiu converter os habituais dois anos de serviço militar obrigatório na Coreia do Sul por quatro semanas

«Ele tem ténis para ser um top-10, sem dúvida. Onde pode chegar só depende dele. Tenho muito respeito por ele, porque trabalha arduamente, é disciplinado, é bom rapaz e é calmo. Percebe-se que ele preocupa-se com a carreira e com o seu desempenho. Por isso tenho a certeza de que ele vai atingir bons resultados no futuro», elogiou Djokovic em conferência de imprensa após um encontro no qual chegou a ser assistido ao cotovelo direito, o mesmo que o manteve afastado dos courts desde julho do ano passado.

Aquela que foi uma derrota dura para Djokovic foi, provavelmente, a mais saborosa vitória da carreira de Chung, que tinha até agora como melhor resultado num major uma presença na 3.ª ronda de Roland Garros.

«Quando eu era mais novo tentava copiá-lo: ele é o meu ídolo. O meu sonho tornou-se realidade», disparou, tímido, o protagonista da noite ainda no court, enquanto Jim Courier o tentava soltar.

Sim, apesar de ter chegado a pedir um reforço dos aplausos do público na sequência de um ponto de antologia no tie-break do terceiro set, a impressão no circuito é a de que Hyeon Chung é um rapaz discreto, um pouco ao encontro do perfil traçado por Novak Djokovic. «Não tem conta no Twitter e não publica no Facebook. Pelos padrões atuais, Chung parece invisível», pode ler-se num artigo recuperado pela ESPN.com pouco depois do encontro desta segunda-feira.

Chung passou pela academia de Nick Bollettieri, lendário treinador de Agassi, entre os 13 e os 15 anos: «Para dizer a verdade, ninguém pensava que ele chegaria a este nível», chegou a dizer Bollettieri

Hyeon Chung não foi tão precoce nem teve o crescimento meteórico de outros nomes pertencentes a uma casta de jovens tenistas que a ATP designa de Next Generation.

Não foi cabeça-de-série, nem sequer chegou ao Open da Austrália na sua melhor classificação da carreira (44.º). «Jogo há dois ou três anos no circuito [profissional] e tive sempre muitas lesões que me afastaram dois ou três meses todos os anos», justificou nesta segunda-feira em conferência de imprensa quando foi interpelado por um jornalista que parecia estar surpreendido por não ver pontos de contacto entre a qualidade do ténis apresentado e o lugar (58.º) que ocupa na hierarquia mundial.

Mas quem já se cruzou com ele em contextos mais exigentes no court reconhece-lhe talento e margem de progressão para se assumir como um valor seguro do ténis num futuro não muito distante. Prova disso são alguns resultados que alcançou contra gente da mesma geração. Alexander Zverev perdeu com ele na 3.ª ronda do Open da Austrália e Kyrgios conheceu esse sabor em Wimbledon um ano antes de ter surpreendido Rafael Nadal na relva londrina: duplo 6-2, num torneio no qual foi finalista vencido em juniores.

O que fez até ao princípio da segunda semana de competição no Open da Austrália acaba por confirmar os bons sinais deixados no final de 2017, quando venceu a primeira edição do Next Generation ATP Finals, torneio destinado aos melhores tenistas da temporada com idades até aos 21 anos. Alexander Zverev e Novak Djokovic foram só as duas vítimas mais recentes da pequena epopeia protagonizada por Chung em Melbourne: antes deles caíram Mischa (irmão de Alexander Zverev), e Daniil Medvedev, também ele apontado como um nome a ter em conta no futuro.

Todos eles chegaram ao primeiro Grand Slam da temporada com melhores classificações do que Hyeon Chung, que só agora, nos quartos de final, é teoricamente favorito à entrada para um encontro: diante de Tennys Sandgren, 97.º do ranking, na quarta-feira.