Por: Rui Pedro Silva
 
Kobe Bryant, o fim. Dito assim, de forma crua, parece retirar-lhe o que construiu durante vinte anos de carreira ao mais alto nível, sempre ao serviço da mesma equipa - cada vez mais uma raridade.
 
Num desporto de alto nível, Kobe Bryant não se limitou a ser um atleta de elite. Foi um predador, um animal competitivo que cheirava as presas como se estivesse numa selva sem ser alvo de atenções. Mas não estava. Desde os 17 anos, idade com que foi escolhido pelos Charlotte Hornets (depois de os LA Lakers lhes terem segredado o nome ao ouvido apenas alguns minutos antes do momento da verdade), Kobe sempre foi uma estrela. Amado por uns, odiado por outros, angariou milhões de testemunhas.
 
Até agora, 13 de abril. Foi o último dia. O dia em que uma carreira repleta de altos e baixos (em que os primeiros serão sempre mais memoráveis) chegou ao... fim. O dia em que a estação de metro do Pico, a escassos metros da entrada Sul do Staples Center foi rebatizada com o seu nome - apenas por 24 horas. O dia em que os rivais baixaram as defesas e reconheceram a qualidade inexcedível de um talento incomparável na NBA.
 
 
E o dia em que bilhetes comprados a 71,50 dólares a 15 de outubro chegaram a valer mais de 900 no mercado autorizado de revenda. Não foi um tiro no escuro mas uma antecipação do que se especulava e que se confirmou no final de novembro: Kobe Bryant ia acabar a carreira em abril de 2016.
 
O predador envelhecera. Os olhos que fitavam o cesto com uma vontade obsessiva de triunfar cansaram-se. E o grupo, em seu redor, tornou-se fraco. Onde noutros tempos houve Shaquille O'Neal, Pau Gasol ou Lamar Odom, há agora a juventude de Jordan Clarkson, D'Angelo Russell e Julius Randle. Só que para já não passam disso, promessas.
 
Mais do que um último jogo, tratava-se de uma despedida. Da última oportunidade que todos, adeptos dos Lakers ou não, teriam de reviver tudo o que Kobe alcançou desde 1996, com destaque para os cinco títulos de campeão - o último em 2010.
 
Quatro horas antes do arranque, já a praça central junto ao Staples Center estava apinhada. Os adeptos não se intimidaram na hora da homenagem e trouxeram o que podiam: camisolas de Bryant com os números 8 e 24 (os dois que utilizou pelos Lakers) mas também com o 33, da Lower Merion, escola secundária de onde saiu para a NBA.
 
 
E quem não tivesse aparecido vestido a rigor, também não havia problema. Para os vendedores ambulantes esta foi uma oportunidade de ouro, com t-shirts à medida da despedida e algumas das fotografias marcantes da carreira.
 
O Staples Center também se engalanou. Não esteve pronto tão cedo mas aos poucos forrou as suas paredes exteriores com imagens de Kobe Bryant e a inscrição #ThankYouKobe. De resto, muitos balões, insufláveis e entretenimento infindável para ajudar a passar as horas. 
 
 
Já lá dentro, depois de uma hora na fila, não havia dúvidas sobre o protagonista da noite. Logo na porta, uma chuva de ofertas, com destaque para um livro com os melhores momentos e imagens da carreira de Kobe. Depois, na cadeira, uma t-shirt dedicada ao #mambaday.
 
O court também estava equipado a preceito. De um lado, o número 24, do outro o 8. Enquanto o tempo passava, o ecrã gigante mostrava vídeos da carreira. 
 
As cheerleaders não tiveram folga mas não esteve longe disso. A cada pausa, o entretenimento era outro e o ecrã gigante só passava testemunhos sobre Kobe. Primeiro de antigos colegas, depois de rivais, passando por estrelas de outras modalidades como David Beckham e Novak Djokovic e figuras do cinema norte-americano com destaque para Jack Nicholson.
 
 
A última prenda
 
Os preparos da festa foram tão cuidadosos que Kobe Bryant não quis desiludir ninguém. Até porque antes do jogo fora anunciado por Magic Johnson como o melhor jogador dos Lakers da história. Mas o começo foi tremido. Falhou lançamentos e pareceu acusar uma pressão que venceu tantas vezes na carreira.
 
Um desarme de lançamento foi a faísca que faltava para incendiar a multidão do Staples Center e o próprio Kobe Bryant. As duas horas que se seguiram entraram na história. Há a forma crua de ver as coisas - Kobe tentou 50 lançamentos de campo e teve literalmente a equipa a jogar para si - mas a que entra na memória é a romântica. A de um jogador que se despediu depois de vinte anos com 60 pontos. E com uma vitória. Graças a ele, claro. E à forma como liderou o jogo nos minutos finais.
 
As cerca de 20 mil pessoas nas bancadas não eram espectadoras, eram testemunhas. E incrédulas. Não conseguiam acreditar no que se estava a passar à frente dos olhos. Podia prever-se uma noite com uma pontuação alta, mas nada assim. Os 40 pontos começaram por ser um objetivo interessante mas no quarto período os cânticos não deixavam dúvidas: "We want fifty! We want fifty!"
 
Kobe Bryant ouviu mas não quis saber. Como em tantas outras vezes, o base deu ainda mais um bocado do que se esperava dele e atingiu os 60. Não deixou o público de pé porque ele há muito que já estava assim, desde os 50 pontos, com as pernas trémulas e a garantia de que aquela noite se tornava cada vez mais memorável a cada instante, a cada lance, a cada ponto.
 
Quando o jogo acabou, a adrenalina manteve-se. Sobretudo para o protagonista da noite. Afinal de contas, por mais vidas que tenha marcado, nenhuma ficará tão revolucionada por este adeus como a dele. A vida de alguém que passou mais anos como jogador da NBA do que até chegar lá (não é para todos).
 
Kobe Bryant já não é jogador. Kobe Bryant passou a ser uma lenda viva, uma estrela que servirá de orientação para os futuros predadores. A partir de agora, o Mamba está out. E a NBA ficou mais pobre.
 
Veja o último ponto na carreira de Kobe Bryant
 
 

O último ponto na carreira de Kobe Bryant

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