São suspeitas sobre suspeitas. Uma série de informações divulgadas ao longo da última semana em meios de comunicação internacionais estão a abalar o atletismo. Começou com acusações de um sistema generalizado de doping e corrupção na Rússia, seguiu com dados que apontam para encobrimento da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), agora surgem listas de atletas que teriam apresentado resultados suspeitos, sem que nada tenha acontecido. Muito, muito fumo. A que as organizações internacionais estão a responder com cautela e promessas de investigação.


As acusações partiram de uma série de documentários na televisão pública alemã. No mais recente, no canal WDR, um antigo membro da comissão médica da IAAF, não identificado, revela que entre 2006 e 2008 houve uma série de análises ao sangue «altamente suspeitas», envolvendo 150 atletas, alguns deles de topo, que não foram investigadas.


O jornal francês LÉquipe também já tinha publicado informações que apontavam para encobrimento da IAAF. E agora o britânico «Telegraph» revela que teve acesso à lista de atletas em causa, a qual diz integrar atletas de 39 países, incluindo três britânicos, um deles de topo, mas também 58 russos, mais de um quarto do total. Menciona ainda 25 quenianos e inclui também sete portugueses no rol.


A lista, acrescenta o «Telegraph», inclui três campeões olímpicos em Londres 2012 e vários detentores de medalhas de ouro noutros Jogos Olímpicos ou grandes competições internacionais. Dos cerca de 150 nomes, 30 estiveram já envolvidos em casos públicos de doping nas suas carreiras.


A IAAF reagiu para já às alegação na TV alemã, num longo comunicado, em que, sem nunca negar a existência da tal lista, explica que o período de tempo citado é anterior a alterações profundas na luta antidoping, e nomeadamente à introdução do passaporte biológico. Antes, acrescenta, não era possível uma análise uniforme a testes sanguíneos, nem acusar de doping um atleta que apresentasse valores anormais. «Os testes sanguíneos recolhidos antes de 2009 eram usados como sinalização, para desencadear testes subsequentes de urina, para deteção de EPO.»


Defende também o comunicado da Federação internacional que a fonte da TV alemã não poderia saber se houve ou não testes subsequentes a análises suspeitas: «Um membro da Comissão Médica e Anti-Doping da IAAF não saberia se foram ou não conduzidos testes de follow-up.»


Termina a IAAF garantindo que vai «enviar diretamente para o Comité de Ética independente uma cópia do vídeo e a transcrição em inglês do documentário da WDR, que já está a investigar este assunto.»


A Agência Mundial Antidopagem, o organismo internacional responsável pela supervisão do doping no desporto, já tinha prometido investigar as acusações relativas à Rússia, e anunciou agora que vai analisar a fundo todas as suspeitas sobre a mesa. «Após revisão cuidada de uma série de documentários emitidos na última semana na Alemanha, a AMA anuncia que levará a cabo uma investigação completa sobre as alegações», diz um comunicado da agência divulgado nesta quarta-feira. «As alegações requerem um escrutínio profundo», defendeu o presidente da AMA, Craig Reedie.


Suspeitas de corrupção, também


E as questões em torno da organização que supervisiona o atletismo não se ficam por aqui. O presidente da IAAF, o senegalês Lamine Diack, está no centro da polémica, que não fica por aqui. A imprensa britânica fala também do envolvimento do filho de Diack, que é consultor da IAAF, no processo de candidatura à organização dos Mundiais de atletismo de 2017, ganha por Londres. O «Guardian» cita um documento no qual Papa Massata Diack requer o pagamento de cinco milhões de dólares à candidatura de Doha, no Qatar. Que acabou por perder a corrida mas ganhou-a agora, para 2019.


Lamine Diack falou nesta quarta-feira ao jornal LÉquipe, a prometer anunciar medidas para breve, e garantindo que não tem «medo de nada». Admitiu apenas, para já, afastar o presidente da Federação russa, Valentin Balakhnichev, que é também tesoureiro da IAAF: «Eu lido com o Valentin. Ele pode dizer que abdica dos seus cargos até a investigação estar concluída.»