2014 foi novamente marcado pelo intenso duelo entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi sobre o estatuto de melhor do Mundo, com os dois craques a darem argumentos aos dois lados das barricadas a um ritmo frenético, com recordes a caírem quase a um ritmo semanal. Pelo meio, o Real Madrid alcançou, finalmente, a desejada «décima» Liga dos Campeões em pleno Estádio da Luz, em Lisboa, com uma vitória sobre o vizinho Atlético que também acabou por alcançar o seu décimo título na liga espanhola, num ano em que Barça acabou literalmente em «blanco». Um ano que deixou os consagrados Manchester United e Milan fora das competições europeias. Um ano ainda marcado pela mudança de ciclo em Old Trafford, pela contestação a Arséne Wenger e por um drone com consequências avassaladoras. Thierry Henry foi, entretanto, o último de uma verdadeira constelação de estrelas a pendurar as botas.

Aqui estão os momentos internacionais de 2014.



De Bola em Bola: um ano a discutir Ronaldo e Messi
A 13 de janeiro de 2014, Cristiano Ronaldo recebeu, em lágrimas, a sua segunda Bola de Ouro, cinco anos depois da primeira, com 27,99 por cento dos votos, batendo Lionel Messi (24,72%) e Frank Ribéry (23,36%) por uma margem curta. Foi o pontapé de saída para novo duelo com o craque argentino do Barcelona, detentor de quatro bolas. Dois jogadores que têm crescido com a feroz concorrência entre ambos, que vão alimentando, semana a semana, com uma voracidade que os leva a derrubar recordes atrás de recordes, banalizando números que, ainda há pouco tempo, eram considerados como referências inatingíveis no futebol mundial. Mas nunca este duelo foi tão intenso como em 2014. No ano anterior, o internacional português tirou vantagem de uma lesão do argentino para se destacar nos números: 69 golos em 60 jogos contra apenas 45 golos em 46 jogos de Messi. Em 2014, a título individual, os dois rivais andaram sempre muito próximos e chegam ao final com números muito similares – 61 golos em 60 jogos para Ronaldo; 58 golo em 66 jogos para Messi – mas o internacional português acaba por vencer claramente em termos coletivos, conquistando sucessivamente a Taça do Rei, a Liga dos Campeões, a Supertaça da Europa e o Mundial de Clubes, num ano em que o Barça ficou em branco. Na atual edição da liga espanhola, Ronaldo conta com dez golos de avanço (25 contra 15), mas na Liga dos Campeões é o argentino que leva vantagem (8-5).



Marcas históricas de Zarra e Raúl caíram à passagem do furacão Messi
Foi, aliás, no terreno da Champions que os dois craques travaram uma das muitas lutas do ano, na corrida ao recorde de 71 golos de Raúl González na competição. Messi partiu à frente e igualou o recorde do antigo internacional espanhol a 5 de novembro quando marcou ao Ajax (2-0) e acabou por destacar-se na ronda seguinte, a 25 de novembro, com um «hat-trick» na goleada ao APOEL (4-0). Ronaldo acabaria por alcançar a marca de Raúl no dia seguinte, com um golo ao Basileia, mas já tinha perdido esta corrida. Três dias antes, a 22 do mesmo mês, Messi já tinha sido manchete nos jornais depois de ter batido o recorde absoluto de 251 golos de Telmo Zarra na liga espanhola com um «hat-trick» (mais um) na baliza de Beto (Sevilha). Pouco mais de uma semana depois, a 6 de dezembro, Cristiano Ronaldo derrubou o recorde de hat-tricks na liga espanhola, que Zarra partilhava com Alfredo Di Stéfano, somando o 22º frente ao Celta de Vigo. Com estes mesmos três golos, CR7 passava a ser o jogador mais rápido de sempre a chegar à marca dos 200 golos na liga espanhola, precisando apenas de 178 jogos, para desespero dos descendentes de Zarra que viram mais uma marca da grande referência da família cair por terra [Zarra tinha chegado aos 200 golos em 219 jogos]. O duelo, nesta altura, estava mais intenso do que nunca e Messi respondia no dia a seguir com o seu terceiro hat-trick em quatro jogos, passando a contar com 21, apenas menos um do que o português.



Atlético Madrid campeão dezoito anos depois
Enquanto Cristiano Ronaldo e Messi andavam entretidos a derrubar recordes, o Atlético Madrid festejava a sua «décima» particular, a 17 de maio, colocando um parêntesis em nove anos de ditadura de blancos e culés. A conquista do título espanhol deu-se com um empate em pleno Camp Nou (1-1). Uma conquista histórica dos colchoneros que estavam afastados da ribalta do futebol espanhol há dezoito anos, desde o último título conquistado sob o comando de Radomir Antic, em 1996, numa altura em que Diego Simeone ainda jogava no Vicente Calderón. O treinador argentino foi, aliás, decisivo na conquista deste título, blindando o balneário e construindo um grupo que, desde cedo, arregaçou as mangas e cerrou os dentes para fazer frente aos dois «gigantes» de Espanha. O argentino tirou máximo potencial de uma equipa que já vinha dando sinais de crescimento em anos anteriores com as conquistas da Liga Europa e da Taça do Rei. Sinais subestimados pelos rivais, que não previam que a filosofia de pensar jogo a jogo, de extrema solidariedade em campo, polvilhada com eficácia e qualidade, fosse capaz de ir tão longe. Nada melhor do que as palavras de Diego Simeone, na festa do título, para resumir esta temporada do Atlético. Palavras que reproduzimos na íntegra, em castelhano, como foram expelidas, para manter a intensidade com que foram ditas, uma vez que são bem percetíveis para os portugueses: «No es solamente una Liga, muchachos. No es solamente una Liga, mujeres. Es algo mucho más importante lo que estos chicos les transmite a todos ustedes: que si se cree y se trabaja, se puede».



Uma época em cheio que, além do título, também conduziu os colchoneros à final da Liga dos Campeões depois de um percurso que ultrapassou as melhores expetativas. Depois de uma fase de grupos em que a equipa de Diego Simeone acabou à frente do Zenit e do FC Porto, os colchoneros, na fase a eliminar, deixaram sucessivamente pelo caminho colossos como o Milan, Barcelona e Chelsea. Na final de Lisboa, estiveram a ganhar desde o minuto 36, mas, como vamos ver a seguir, caíram aos 93.



A «décima» estava reservada para Lisboa
«La décima». Um objetivo que já parecia um mito desde 2002, quando o Real Madrid de Luís Figo conquistou a nona com o inesquecível «volley» de Zidane. Ano após ano falava-se na décima, José Mourinho bem tentou, mas em três anos sucessivos, caiu nas meias-finais, diante do Bayern, Barcelona e Dortmund. A Décima estava mesmo destinada para Lisboa e para Carlo Ancelotti, doze anos depois da nona. A fase de grupos tinha sido ultrapassada com uma mão atrás das costas, com cinco vitórias e apenas um empate. Depois, a fase a eliminar, foi sempre em alemão, primeiro com o Schalke, depois com o Dortmund e, no último passo, o Bayern, com destaque para a goleada em Munique (4-0), com dois de Sergio Ramos [sempre presente nos momentos decisivos] e do incontornável Cristiano Ronaldo. A barreira que tinha travado os «blancos» nos últimos anos estava ultrapassada e o caminho para Lisboa estava aberto. Do outro lado estava o vizinho Atlético Madrid para uma final inédita. Pela primeira vez em 59 anos, a final juntava dois clubes a mesma cidade. Faltava apenas um passo, mas o nervosismo tomou conta dos merengues em Lisboa e foram os colchoneros que ganharam vantagem, aos 36 minutos, por Godin [que acabaria por ser decisivo na conquista do título espanhol]. A ansiedade prolongou-se até ao minuto 93 no Estádio da Luz. Na sequência de um canto, Sergio Ramos [outra vez ele] elevou-se nas alturas e cabeceou para as redes de Courtois.



O Real Madrid acabaria por descomprimir e acabou por golear com golos de Gareth Bale, Marcelo e Cristiano Ronaldo (4-1). A Praça Cibelles transbordou com duzentas mil pessoas em Madrid à espera dos heróis de Lisboa.



Bayern esmagador festeja título em março



A 25 de março a máquina de fazer golos e triturar adversários de Pep Guardiola festejava a conquista do 24º título na Bundesliga no Estádio Olímpico de Berlim. Nunca um campeão tinha sido encontrado tão cedo, a sete jornadas do fim (!). A festa foi feita depois da vitória sobre o Hertha (3-1), na 27ª jornada, depois do 19º triunfo consecutivo da equipa bávara, o que já por si era um recorde. Em final de março, o Bayern já tinha 25 inalcançáveis pontos de vantagem sobre o Dortmund [na última jornada a diferença seria de apenas 19, depois do Bayern levantar o pé, ficando a um ponto do recorde de 91 pontos estabelecido, um ano antes, por Jupp Heynckes]. Não há memória de uma supremacia tão acentuada que, até ver, está a ter transição para a presente época. O Bayern chega ao intervalo de inverno no topo da classificação, sem derrotas, com mais onze pontos do que o Wolfsburgo e, desta vez, sem a sombra do B. Dortmund de Jürgen Klopp que, depois de perder Lewandowski para a equipa bávara, agoniza no último lugar da classificação com os mesmos pontos do que o Friburgo.



Wenger festeja título no ano em que é posto em causa
«Temos estado sob pressão nas últimas épocas, acusavam-nos de não sermos impiedosos, de não aproveitar as oportunidades. Mas o treinador sempre acreditou em nós, e este título é para ele. Sabemos que ele vai renovar».
A Frase é de Aaron Ramsey e data de 17 de maio, dia em que o Arsenal conquistou a Taça de Inglaterra, com uma reviravolta frente ao Hull City (3-2) que valeu o primeiro título em nove anos par Arséne Wenger. Uma final extremanete emotiva, disputada no Estádio de Wembley à mesma hora que no Camp Nou Barcelona e Atlético Madrid decidiam o título espanhol. Tudo apontava para mais uma grande desilusão para os «gunners» que, aos nove minutos de jogo (!), já perdiam por 0-2, fruto da desatenção em lances de bola parada. Cazorla, na marcação de um livre [vale a pena rever], reduziu, enquanto Koscielny levou o jogo para prolongamento, numa altura em que a equipa londrina já estava claramente por cima do jogo.



As entradas de Wilshere e Rosicky, na etapa final, deram a machadada final na defesa do Hull, com a reviravolta a consumar-se num golo magnífico de Ramsey, após passe de calcanhar de Giroud.

Foi certamente o melhor dia do ano para Arséne Wenger. A partir daqui começou a crescer uma contestação ao treinador francês que se acentuou no final do ano. Em novembro, um grupo de adeptos publicou um vídeo em que, de forma cortês, agradeceram ao treinador francês os momentos vitoriosos. Mas também, numa lógica de foi bom enquanto durou, trataram de deixar claro que querem que acabe mesmo. Já em dezembro, outro grupo de adeptos, certamente com menos sentido de humor, vaiou o treinador na estação de comboios, quando o Arsenal se preparava para regressar a Londres depois de uma embaraçosa derrota diante do Stoke (2-3). Mas a verdade é que Arséne Wenger ainda lá está e mais uma vez, em fevereiro, estará a disputar os 16 avos de final da Liga dos Campeões com o Monaco de Leonardo Jardim.



United fora da Europa: do pesadelo de Moyes, à ascensão de Van Gaal



Há um ano destacámos aqui a despedida de Alex Ferguson que, ao fim de 27 anos à frente do Manchester United, passava o testemunho a outro escocês, David Moyes, que tinha somado créditos à frente do Everton, mas que nunca conseguiu convenceu o Teatro dos Sonhos. Quis o destino que fossem os «azuis» de Liverpool a precipitar a saída do escocês, a 20 de abril, com uma derrota em Goodison Park. Uma derrota, mais uma, mas esta a ditar que o United não passaria do sétimo lugar e, por consequência, ficaria, pela primeira em 24 anos, fora da Europa. Não seria, aliás, o único consagrado a falhar a Europa. Na mesma semana, o Milan também acabaria a Série A no sétimo lugar e também ficou em jejum europeu. Dois dias depois David Moyes deixava o comando da equipa e abria espaço para a entrada de Louis van Gaal que assumiria o comando da equipa depois de ter conduzido a Holanda até às meias-finais do Campeonato do Mundo no Brasil.


Abria-se um novo ciclo em Old Trafford, com renovadas expetativas, sustentadas num investimento próximo dos 200 milhões de euros que permitiram as contratações de jogadores como Di María, Falcao, Luke Shaw, Ander Herrera, Daley blind e Marcos Rojo. Mas o dinheiro, por si só, não resolve tudo. Mesmo sem Europa, o United chega ao final do ano na terceira posição da Premier League a sete pontos do vizinho City e a dez do Chelsea de José Mourinho.

Drone faz vítimas nos Balcãs



Ano de explosão dos drones, com a transformação de arma de guerra implacável em brinquedo acessível, houve um que foi protagonista num jogo de futebol, num dos acontecimentos que marca definitivamente o ano de 2014. Aconteceu a 14 de outubro, no Estádio do Partizan, em Belgrado, num jogo já por si de alto risco, por razões políticas e históricas, com a Albânia a visitar a Sérvia com sete jogadores nascidos no Kosovo, palco de uma guerra sangrenta em 1999 e cuja independência nunca foi aceite pelos Sérvios. Estava, decorrridos 42 minutos, quando o jogo foi subitamente interrompido pela entrada de um drone que transportava uma bandeira da «Grande Albânia» e a palavra «authocthonous». Mitrovic, ex-jogador do Benfica, esticou um braço e, com a ajuda de Gudelj, puxou o aparelho para o relvado. Os jogadores albaneses reagiram e instalou-se a confusão no relvado, alimentada com a entrada de adeptos e várias agressões. Os jogadores da Albânia acabaram por recolher aos balneários para não mais regressar. Os sérvios ainda tentaram voltar ao campo, mas as condições para se voltar a jogar futebol estavam definitivamente corrompidas. A UEFA acabou por reagir com mão pesada, atribuindo a vitória à Sérvia (3-0), por desistência do adversário, mas retirando três pontos à equipa da casa, pelos incidentes em campo. Um castigo que acabou por ser favorável às contas de Portugal que, com as vitórias sobre a Dinamarca e, mais tarde, sobre a Arménia, na estreia de Fernando Santos, destacou-se no segundo lugar do Grupo I, com menos um ponto e menos um jogo do que a Dinamarca.



Thierry Henry foi último a pendurar as botas, mas houve muitos mais...
 




A 16 de dezembro Thierry Henry colocou um ponto final do que ele descreveu como «uma jornada incrível» de vinte anos a jogar futebol. Uns dias antes já tinha anunciado que, aos 37 anos, tinha feito o seu último jogo pelos New York Red Bulls, o último clube de uma carreira brilhante que contou com ainda com passagens pelo Monaco, Juventus, Barcelona e, obviamente, pelo Arsenal onde, entre 199 e 2007, deixou os melhores anos da sua carreira, com o inesquecível número 14 nas costas. No total de 917 jogos feitos nestes 20 anos de carreira, Thierry Henry marcou 411 golos. Duzentos e vinte e oito destes golos foram com a camisola do Arsenal fazendo dele o maior goleador da história do clube londrino (em 258 jogos). Cento e setenta e cinco destes golos foram na liga inglesa dando-lhe o título de melhor marcador estrangeiro de sempre na Premier League. O antigo avançado está, aliás, de regresso na Londres onde vai dar início a uma carreira de comentador, ao serviço da «Sky Sports».


Thierry Henry foi apenas o último de uma constelação de estrelas que pendurou as botas em 2014, entre os quais destacamos Ryan Giggs (Manchester United, 40 anos), Carles Puyol (Barcelona, 36 anos), Javier Zanetti (Inter Milão, 41 anos), Clarence Seedorf (Ajax, Real Madrid, Milan e Botafogo, 38 anos), Rivaldo (Palmeiras, D. Corunha, Barcelona, Milan, 41 anos) ou Landon Donovan (B. Leverkusen, Bayern Munique, Everton e Los Angeles Galaxy).



Uma lista que pode ser ainda maior se juntarmos ainda Juan Sebastian Verón (Boca Juniors, Sampdória, Parma, Lazio, Manchster United, Chelsea e Inter, 39 anos), Gabriel Heinze (Sporting, PSG, Manchester United, Real Madrid, Marselha e Roma, 36 anos), Juninho Pernambucano (Lyon, 41 anos), Eric Abidal (Monaco, Lille, Lyon e Barcelona, 35 anos) ou Mauro Camoranesi (Juventus, 38 anos). O futebol ficou definitivamente mais pobre.

A primeira vez do San Lorenzo: acabou-se a chacota...



Considerado um dos cinco grandes da Argentina, o centenário Club Atletico San Lorenzo de Almagro era alvo de constante chacota dos restantes quatro, que o apelidavam de «Club Argentino Sin Libertadores de América» por ser o único que não tinha i maior troféu da América do Sul no seu currículo. Uma lacuna que o clube de Almagro cobriu a 14 de agosto com uma vitória sobre os paraguaios do Nacional. Uma vitória que levou os adeptos às ruas de Buenos Aires e a equipa ao Vaticano onde reside o mais notável adepto do Ciclón: o papa Francisco.