Carlos Gomes, antigo guarda-redes do Sporting e da Selecção Nacional, faleceu esta segunda-feira no Barreiro, vítima de doença prolongada. Aos 73 anos, desaparece uma figura mítica, que alguns dizem ter sido o melhor guarda-redes da história do futebol português, e de que todos recordam a irreverência, imagem de marca de um rebelde.

Nascido a 18 de Janeiro de 1932, Carlos Gomes chegou ao Sporting com 18 anos, proveniente do Barreirense, o clube da sua terra. O primeiro sinal da sua personalidade contestatária aconteceu quando lhe comunicaram, sem consulta prévia, que iria para o Sporting. Bateu o pé, regateou e conseguiu negociar uma transferência que, segundo conta o site oficial do Sporting, valeu 50 contos para o Barreirense e outros 50 para si próprio, quando os «leões» originalmente apenas lhe ofereciam 10.
Quando chegou foi suplente de João Azevedo, mas na época seguinte ganhou a titularidade, aos 19 anos. Ao longo de oito épocas no clube, ganhou cinco campeonatos, com o tetra de 51 a 54 pelo meio, mais uma Taça de Portugal, e chegou à Selecção Nacional, que representou por 18 vezes. Era um ídolo para os adeptos e uma dor de cabeça para os dirigentes, um contestatário por vocação que acumulou castigos e suspensões, não apenas no clube mas também na selecção. Entre 1955 e 1956 esteve afastado da equipa das quinas durante quase um ano, suspenso por desentendimentos com um director federativo.
Em 1958, descontente com o salário que recebia no Sporting, mudou-se para Espanha, para o Granada, numa transferência que rendeu aos «leões» um milhão de pesetas. Mas, nesses tempos do Portugal fascista e de regulamentos esclavagistas, permaneceu ligado ao Sporting. O Real Madrid e o Barcelona quiseram contratá-lo, mas os «leões» apenas autorizaram que fosse para o Oviedo. Pelo meio apareceu o Salgueiros e, suspeitando que o Benfica estaria por trás da história, os dirigentes do Sporting mandaram-no regressar.
No meio de todas as atribulações representou a selecção pela última vez com 26 anos, em Maio de 1958. Podia ter ainda um grande futuro pela frente com a camisola das quinas, mas ficou por aí.
Voltou a Lisboa em 1961, mas não chegou a acordo sobre os salários e foi suspenso pelo Sporting. Dedicou-se à actividade de comerciante, mas queria voltar a jogar. A saída foi o Atlético, mas as atribulações continuavam. Foi acusado de violação, reclamou inocência e disse-se vítima de uma cilada montada pela PIDE e pelos dirigentes do Sporting. Acabou por decidir fugir do país, aproveitando um jogo com o V. Guimarães.
O plano é contado pelo próprio Carlos Gomes e citado no site oficial do Sporting: «Concentrei-me com a equipa, para não levantar suspeitas. Tentaria não só fazer um bom jogo, como teria de lesionar-me, porque enquanto durasse a cura, ninguém haveria de suspeitar e ganharia alguns dias preciosos. Não fiz um jogo extraordinário, mas lesionei-me como o previsto. Perto do vestiário, voltei-me para terreno e para o público, enquanto chorava em silêncio...», recordou.
Foi para Espanha, depois para Marrocos, onde ainda jogou e brilhou. Só em 1963 ficou livre do contrato com o Sporting mas, condenado a 11 anos de prisão, manteve-se pelo Norte de África. A autorização para voltar a Portugal surgiu em 1983.
Descansa agora o guarda-redes que actuava sempre de preto e um dia explicou porquê a um jornalista espanhol, de novo em citação do site do Sporting: «Visto-me de preto, pois enquanto o futebol português estiver nas mãos dos doutores está de luto.»