Os Jogos Olímpicos vão mudar. Para se tornarem mais baratos, menos pesados para quem os organiza. São as ideias-chave de uma série de alterações anunciadas pelo Comité Olímpico Internacional (COI), para responder aos problemas crescentes em torno da organização dos Jogos. Agora, os mesmos Jogos passam a poder ser partilhados por várias cidades ou até países e deixa de haver um limite de modalidades, fixando-se antes num limite de provas.


Vários sinais recentes fizeram soar o alarme. O mais próximo o processo, que ainda decorre, de atribuição dos Jogos Olímpicos de inverno de 2022, que passou por desistências de candidaturas sucessivas, estando nesta altura reduzida a duas: Pequim e Almaty, no Cazaquistão. Os brutais custos estimados dos últimos Jogos de Inverno, no início deste ano em Sochi, também não ajudaram: a Rússia terá gasto 40 mil milhões de euros na organização. E depois há os elefantes brancos que ficaram das últimas organizações: Atenas 2004, onde muitas das infra-estruturas construídas de raíz estão agora ao abandono, também Pequim 2008.


O que está em causa é o lugar dos Jogos Olímpicos como o maior evento desportivo planetário, admitiu Thomas Bach, presidente do COI, na abertura da sessão plenária do organismo, que começou segunda-feira e terminou nesta terça-feira, no Mónaco. «Se não encararmos as mudanças aqui e agora, seremos atingidas por elas muito em breve», afirmou o antigo atleta alemão, que tomou posse em 2013 e defendeu desde que chegou este conjunto de mudanças. «Se estivesse a fazer este discurso num palco diria agora, com um sorriso irónico: «Mudar ou ser mudado, eis a questão.»


Bach conseguiu fazer aprovar por unanimidade um programa de 40 pontos, a que o COI chamou «Agenda 2020». Foram todos aprovados no primeiro dia, algo que nem o próprio dirigente esperava. Um sinal também de como a necessidade de mudança era evidente para todos.


O COI propõe-se ajudar eventuais candidatos, financeiramente e como consultor, para que evitem, por exemplo, construir infra-estruturas que as cidades não usarão no futuro. Recorrendo precisamente a outras cidades, no mesmo país ou noutro, que já tenham essas infra-estruturas, ou onde faça mais sentido que elas existam.


O fim do limite de 28 modalidades vai abrir caminho a muitas mudanças. Se não vai afetar os Jogos do Rio, em 2016, é possível que já haja alterações em Tóquio, em 2020, onde ganha força a ideia de que podem entrar o basebol e o softbol. O princípio de que os Jogos têm de ser organizados em função do limite de 310 eventos/competições irá tendencialmente obrigar algumas modalidades a reduzir o número de provas. Como nota José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, que falou com o Maisfutebol sobre as decisões do COI.


«Respondeu à pressão das modalidades, encontrando uma solução não tanto pelo número de modalidades mas pelo de eventos, mantendo o número de participantes. Neste momento a possibilidade que há é sobretudo de acrescentar modalidades, tendo algumas que reduzir as competições. Talvez modalidades com programas muito extensos, como a natação ou o atletismo.»


Claro que isto levantará outro tipo de questões. Já começaram. Depois da aprovação das alterações Dick Pound, o membro canadiano do COI, atirou para o ar algumas ideias sobre o assunto, quando lhe perguntaram que eventos podiam cair do programa: «A natação sincronizada, talvez o triplo salto...» Sebastian Coe, o antigo atleta britânico que presidiu à organização dos Jogos de 2012 e quer ser presidente da Federação Internacional de Atletismo, apressou-se a reagir: «O triplo salto é sacrossanto no atletismo.»


«Agora é um braço de ferro, quem já ganhou o direito a estar nos Jogos não quer perdê-lo», sorri José Manuel Constantino.


Numa análise global às alterações aprovadas, o presidente do COP acredita de resto que vão num bom caminho. «O conjunto de alterações que foram aprovadas procura responder ao que são as novas realidades, os novos desafios, particularmente no âmbito da sustentabilidade», nota: «É uma resposta à questão da sustentabilidade financeira de quem acolhe os Jogos. Permite que haja descentralização dos locais, aproveitando infra-estruturas que já existem, mas não na cidade-sede.»


«Esperemos que o futuro o venha a confirmar e que isto venha de algum modo democratizar a organização dos Jogos», observa.


O presidente do COP defende que a questão não se prende tanto com desinteresse na organização dos Jogos, mas com um afunilar dos países capazes de avançar: «É uma questão de dificuldades financeiras para cumprir os cadernos de encargos. São cada vez em menor número os países que têm condições de organização.»


As alterações abrem, em teoria, a possibilidade de países mais pequenos receberem algum evento olímpico, em associação com outro. Em Portugal, por uma questão geográfica essa questão só se poria à partida em relação a Espanha. Uma possibilidade teórica, admite José Manuel Constantino, nesta altura apenas isso: «Para Portugal só muito por arrastamento terá implicações. Portugal não tem escala, nem situação económica, que permita pensar numa candidatura. A Espanha perdeu a candidatura a 2020, não sei como avalia agora a situação. Mas pode-se abrir uma oportunidade, dentro de um regime de associação. Em termos teóricos sim.»


Entre os 40 pontos aprovados há outro com significado forte. Passará a estar claro na carta olímpica o princípio da não discriminação em função da orientação sexual. Uma alteração que acontece depois de toda a polémica em torno da Rússia e da sua política anti-homossexual.


As cinco ideias-chave da mudança


* O processo de candidatura passa a ter uma fase de «convites» a potenciais candidatos, para apresentarem um projeto «que se enquadre nas suas necessidades desportivas, económicas, sociais e ambientais de planeamento a longo prazo». Centradas na preocupação com a «sustentabilidade e o legado».


* Passa a ser previsto que algumas modalidades ou competições aconteçam fora da cidade anfitriã «e até, em casos excecionais», fora do país anfitrião.


* Reduzir os custos das candidaturas, «reduzindo o número de apresentações permitidas e com o COI a oferecer uma contribuição financeira significativa». Em simultâneo, o COI reforça a ideia de que a sustentabilidade de uma candidatura tem de ser tida em conta desde o início.


* Abolir o limite de 28 modalidades, numa mudança de lógica: deixa de ser um evento baseado em desportos, para passar a sê-lo em eventos. Tudo isto sem aumentar o número de atletas presentes ou a dimensão dos Jogos, um dos princípios de base da questão. Ou seja, podem ser mais desportos, mas terão de se dividir por um limite de 310 provas que atribuem medalhas, e um limite de 10500 atletas.


* Deixar claro na Carta Olímpica o princípio da não discriminação por orientação sexual. Passará a estar escrito de forma clara no princípio 6 do documento que define as regras fundamentais do movimento olímpico. Até agora, a formulação era esta: «Qualquer forma de discriminação relativa a um país ou a uma pessoa assente em considerações de raça, religião, política, sexo ou outras é incompatível com a pertença ao movimento olímpico.»