*Enviado-especial ao Brasil

Quando Chile marcou os seus golos à Espanha ouviram-se alguns, poucos, aplausos dispersos no Centro de Treinos do Ponte Preta, quartel-general da seleção portuguesa em Campinas. Mas, verdade seja dita, foram quase todos de jornalistas brasileiros, contentes por verem ficar pelo caminho um dos teóricos concorrentes do Brasil na luta pelo título.

Entre os portugueses, o desaire espanhol foi visto mais como um sinal da tremenda dificuldade que é sair do buraco cavado por uma goleada no primeiro dia. Só uma equipa, em toda a história dos Mundiais, conseguiu seguir em frente depois de uma derrota por quatro golos na estreia: a Ucrânia, em 2006, num grupo que, no entanto, tinha Tunísia e Arábia Saudita como figurantes.

Não terá essa sorte Portugal, que conta EUA e Gana como parceiros bem mais complicados para as duas rondas que faltam. E não foi essa, ficámos a sabê-lo depois do jantar, a sorte da Espanha, primeiro campeão do Mundo em título a cair após dois jogos, desde que o Mundial tem fase de grupo como Deus manda. Acontecer o que nunca tinha acontecido, ainda para mais à seleção europeia com o maior ciclo de conquistas da história, só serviu para acentuar a inquietação acerca da hipótese de Portugal poder fechar a campanha logo à segunda jornada - algo que também nunca lhe sucedeu em fases finais.

Num ano de ouro para o futebol espanhol, no que diz respeito ao futebol de clubes, o fiasco da seleção surge como um aparente contraste. Mas talvez seja mais sensato considerá-lo a outra face da moeda, tão abundantes vinham sendo os sinais de desgaste – essencialmente físico, mas não só - em algumas das suas principais figuras. De Diego Costa a Xavi, de Xabi Alonso a Piqué, além dos óbvios Cristiano Ronaldo, Pepe e Coentrão, o alarme foi soando com regularidade a partir de março, sugerindo que o domínio ibérico nas finais da UEFA e o cinematográfico final de Liga espanhola, com uma discussão a três até duas jornadas do fim, poderia ter custos elevados em junho. 

Para a Espanha, já os teve. Para Portugal, por tabela, será preciso esperar por sábado por uma resposta conclusiva: embora tratando-se de equipas de perfil radicalmente opostos e em patamares diferentes de ambição, as suas dificuldades no Brasil tiveram até agora em comum uma indisfarçável falta de frescura física.



Um fenómeno do século XXI

A eliminação dos campeões do Mundo na fase de grupos foi um fenómeno raro, até o Mundial entrar no século XXI. Tinha acontecido em 1950 a uma seleção italiana dizimada pelo desastre de Superga, um ano antes. E em 1966, a um Brasil de transição, demasiado dependente do lesionado Pelé. O certo é que, nos quatro Mundiais do novo milénio, só por uma vez – Brasil, em 2006, o único campeão não europeu dos últimos anos – o detentor do título conseguiu seguir para a segunda fase. Três campeões provenientes da Europa, eliminados à primeira em três Mundiais fora da Europa. Acredita em coincidências?

O fiasco da França em 2002 – primeiro campeão a sair de cena sem ganhar um jogo e sem marcar um golo – iniciou uma nova tendência. Não por acaso, num ano em que o Real Madrid também foi campeão europeu e as suas grandes figuras – Zidane, Figo e Raúl – chegaram ao Mundial asiático com enormes problemas físicos. Nesse ano, França e Portugal pagaram a fatura logo na fase de grupos, a Espanha um pouco mais à frente, quando perdeu a sua referência de ataque nos oitavos.

A Itália, em 2010, foi o quarto campeão do Mundo a sair de cena no primeiro ato – com a agravante de o fazer num grupo muito acessível, com Eslováquia, Nova Zelândia e Paraguai. Aí, não terá sido tanto o desgaste da temporada a passar fatura, mas outro problema, de que a Espanha de Del Bosque, o Brasil de Scolari, a Argentina de Sabella – e, a uma escala diferente, a Seleção portuguesa de Paulo Bento - também têm sido acusadas: o da excessiva fidelidade do selecionador ao grupo de jogadores que lhe garantiu campanhas de sucesso.

É entre o conservadorismo, tendência cada vez mais inerente ao cargo - face ao escasso tempo de trabalho em conjunto, a aposta num grupo de características conhecidas permite uma grande poupança de tempo – e o desgaste acrescido dos jogadores de topo que não têm poupanças na Champions e nas Ligas domésticas, em ano de Mundial, que pode passar boa parte da explicação para este crash dos craques. A avaliar pelo que foi a temporada de Messi no Barcelona, passa também, seguramente, grande parte das esperanças argentinas de levantar o caneco no Maracanã.