O dia 32 do Mundial-2014 em cinco pontos:

1. Um mês e um dia depois da abertura em São Paulo, a final no Rio de Janeiro ditou uma novidade na história dos Mundiais: pela primeira vez,
uma seleção europeia foi campeã no continente americano. Foi o melhor Mundial de sempre até aos oitavos, com jogos fantásticos, bons golos e excelentes surpresas. Qualidade dos espetáculos baixou muito a partir dos quartos, com as equipas a recearem em demasia o risco de eliminação. Alemanha elimina França nos quartos, com jogo eficaz. Humilha Brasil nas meias, no jogo que todos irão recordar para sempre, e bate Argentina na final, com pormenor de grande golo de Gotze, no prolongamento. Campeão justo, sem discussão. Uma final com a Holanda teria sido mais estimulante do que com a Argentina, pelo que se viu no Maracanã. Até foi uma final interessante, muito disputada, com fases intensas, muito contato, mas esteve longe de ser o melhor jogo da prova. A Alemanha voltou a ser premiada pelo seu controlo emocional, pelo equilíbrio tático, pelas soluções que tem (Khedira lesionado, Kramer lesionado, Shcurlle entra e é importante, Gotze entra e resolve…). A Argentina provou que depende em demasia de Messi, que nesta final não foi capaz de fazer o que fez até ao jogo do Maracanã: decidir.

2. Primeira parte muito intensa, com uma Alemanha de maior posse, a ter mais bola, a querer assumir, mas a Argentina a conseguir ser mais perigosa, a sair muito rápida para o contra-ataque, com Lavezzi a explorar bem o corredor direito. Messi, curiosamente, a aparecer mais presente em jogo do que todos os encontros até à final. Duelo equilibrado, entre a solidez coletiva dos germânicos e a capacidade argentina de criar perigo. Kroos fez oferta inesperada a Higuain, que um para um com Neuer não foi capaz de concretizar (mérito de Hummels a condicionar o espaço do remate). O mesmo Higuain a meter a bola lá dentro, após centro de Lavezzi, mas claramente em fora de jogo (bem anulado). A Alemanha demorava a atrapalhar a defesa argentina e só conseguiu criar verdadeiro perigo no último lance da primeira parte, com Howedes a cabecear ao poste, após canto. Surpresa para o segundo tempo: Sabella tira Lavezzi, que estava muito bem, e lança «Kun» Aguero. A Argentina passa a ter dois homens de área e Messi no apoio. Nos primeiros dez minutos do segundo tempo, os alemães estranharam e a Argentina esteve perto do 1-0. Neuer no limite do risco naquela saída para travar Higuain (má decisão de Rizzoli a assinalar falta inexistente do argentino). Alemanha a reequilibrar o combate a partir dos 60, jogo a voltar ao registo de intensidade e muito contato. Com o aproximar dos 90, alemães e argentinos com receios crescentes, sabendo que um golo do adversário poderia ditar o fim do sonho do título.  

3. A Alemanha conseguiu reorganizar e deu mostras, nos últimos minutos do tempo regulamentar estar mais fresca fisicamente. Mas a final foi mesmo para prolongamento. Sabella tirou Higuain e meteu Palacio, mera troca de unidades de ataque. Low preparou Gotze, colocou Muller na frente e tirou Klose. Lineker, sempre oportuno e divertido, profetizava no «twitter»: «Vejo-te na Rússia daqui a quatro anos, Miroslav». O cansaço foi-se apoderando dos jogadores das duas equipas no prolongamento. A Argentina chegou a ter algumas oportunidades (nos 90 teve mais que a Alemanha), mas os germânicos voltaram a mostrar que são uma equipa fortíssima. Equilibrados até ao fim, a resolver um Mundial aos 113. E com um golo de excelente execução de Gotze.

4. Low foi forçado a alteração sobre a hora, pela lesão de Khedira no aquecimento. Kramer, 23 anos, escassa utilização até esta final, tinha grande oportunidade de se mostrar no maior palco do futebol. Mas o jovem médio do Borussia só jogou meia-hora desta final e terá sido tempo a mais, até: um choque com Garay tirou-o do jogo. Mas, num sinal de como a Alemanha é mesmo forte, a equipa acabou por nem sair a perder: entrou Schurrle, que viria a ser decisivo no passe para Gotze, o autor do golo e ele também saído do banco. Não foi o melhor jogo da Alemanha neste Mundial, mas foi um exemplo paradigmático do que vale esta formação de Low: resolver sem encantar. Controladamente. Sem Di Maria, a Argentina chegou a mostrar soluções novas, mas perdeu com a troca de Lavezzi por Aguero (em claro sub-rendimento). Messi, sozinho, nem sempre pode fazer tudo (eleito melhor jogador do Mundial, que exagero).

5. A cerimónia de encerramento do Mundial-2014 foi um pouco melhor que o frustrante evento de abertura. Ao menos Shakira e Ivete Sangalo disfarçaram um bocadinho melhor o «playback» do que Jennifer Lopez e Claudia Leitte tinham feito no arranque. Mas voltou a sentir-se a sensação de que um Campeonato do Mundo no Brasil merecia mais e melhor. Seja como for, a boa notícia foi que, ao contrário do que muitos poderiam esperar ou chegaram a sentenciar, os pormenores logísticos e organizativos não foram caóticos. O Brasil-14 mostrou um país que, apesar de viver momento de grande turbulência em vários setores, foi capaz de passar no teste essencial: os jogos decorreram normalmente e com sucesso; as seleções presentes elogiaram a organização brasileira; a «simpatia» do povo brasileiro foi promovida neste último mês. Há um ano, na Confederações, o Brasil ganhou dentro do campo e perdeu fora dele. No Mundial, foi humilhado em campo e aprovado no resto. A belíssima imagem da realização televisiva, com o Cristo Redentor a «abraçar» o pôr-do-sol carioca em plena final, ficará na memória.  A final, em jogo jogado, não foi brilhante, mas o Brasil-14 vai deixar saudades.

«Do lado de cá» é um espaço de opinião da autoria de Germano Almeida, jornalista do Maisfutebol, que aqui escreve todos os dias durante o Campeonato do Mundo. Germano Almeida é também responsável pelas crónicas «Nem de propósito» e pela rubrica «Mundo Brasil», publicadas na revista MF Total. Pode segui-lo no Twitter ou no Facebook.