Vinte anos depois, França voltou a gritar: «Champions du monde!»

Didier Deschamps, que em 1998 pautava o jogo num meio-campo abrilhantado pelo génio de Zinedine Zidane, agora fê-lo a partir do banco e tornou-se na terceira lenda do futebol, depois de Franz Beckenbauer e Mário Zagallo, a conseguir a proeza de vencer o título mundial como jogador e treinador.

Esta França não tem a classe de Zizou, mas é, porém, uma equipa cheia de qualidade, com Pogba, Griezmann e um prodígio a despontar: Mbappé, eleito melhor jogador jovem do Mundial, nascido precisamente em 1998 (meses depois do primeiro título mundial da França), tornou-se no segundo jogador mais jovem a marcar numa final do campeonato do mundo (e no terceiro mais novo a jogá-la), depois de… Pelé.

Apesar da juventude, que leva a que a média de idades seja inferior a três anos em relação aos adversários seja a segunda maior de sempre numa final – algo que não se via desde o Brasil-Suécia 1958 – esta é uma França jovem, mas com experiência internacional, cheia de talento na frente, mas com muita solidez defensiva.

Não é uma França empolgante e revolucionária, mas eficiente. Uma eficiência, ou eficácia, se preferirem, que nos leva a alterar o próprio lema: «Liberté, egalité… efficacité.»

Esta tarde, frente a uma seleção aos quadradinhos e com futebol rendilhado, em Moscovo, os Bleus jogaram xadrez. Que é como dizer, jogaram pior e na expetativa durante boa parte do jogo, assentes num bloco central com Varane-Umtiti na defesa e Pogba-Kanté a meio-campo.

O insólito pode resumir-se assim: com apenas um remate à baliza em toda a primeira parte, a França chegou ao intervalo a vencer por 2-1, graças a um golo na própria baliza de Mandzukic (19’) e uma grande penalidade cometida por Perisic (38’).

Dois erros, castigo máximo para os croatas, que dominaram os primeiros 45 minutos. A prová-lo estão os números: 7-1 em remates, 60%-40% em posse de bola.

A seleção que havia feito mais 90 minutos neste Mundial – em virtude dos três prolongamentos que teve de disputar até chegar à final – apresentava uma frescura física maior na primeira abordagem ao jogo.

França-Croácia, 4-2: ficha e jogo ao minuto

Com os sistemas de 4-2-3-1 a encaixarem-se no papel, os croatas pressionavam logo à saída da primeira fase de construção do adversário, que apostava nas bolas longas para lançar Mbappé em velocidade sobre a meia direita. Para sorte gaulesa, havia também Griezmann, decisivo a bater as bolas paradas. Dos seus pés saiu o livre que deu o primeiro golo e o canto que proporcionou a grande penalidade do segundo, que ele próprio viria a concretizar (após Néstor Pitana decidir com recurso ao VAR).

No entanto, jogava mais futebol a Croácia, lutando por cada posse de bola: Modric e Rakitic criavam no miolo, com a visão de jogo e qualidade de passe costumeira. Mas além desta dupla de luxo da geração dourada do futebol croata há que destacar Perisic. Que pulmão! Antes do infortúnio, que o levou a cometer a grande penalidade, aos 38’, dez minutos antes foi ele que com uma bomba – pontapé cruzado de pé esquerdo, à entrada da área – chegou a repor alguma justiça no marcador, aos 28’.

Se ao intervalo os croatas já dominavam nos números – exceto onde mais interessa –, no final do jogo a vantagem mantinha-se: 15-8 em remates, 61%-39% em posse de bola.

O que aconteceu então para que os franceses dobrassem a vantagem, na final com mais golos desde 1966?

Solidez, paciência e seis minutos de alguma desconcentração croata. Aos 59’, Pogba, vital no controlo do meio-campo e nas transições ofensivas, colocaria com o pé esquerdo o resultado em 3-1. Seis minutos depois, Mbappé, um perigo costante, haveria de surgir solto no corredor central para com um remate forte de fora da área dar contornos de goleada ao marcador.

O desmazelo de Lloris, que tentou fintar Mandzukic na pequena área, haveria de atenuar a injustiça e acender uma centelha de esperança para os croatas a vinte minutos do fim. Contudo, o 4-2 permaneceria ali, inamovível, à medida que os croatas iam perdendo fôlego e pernas.

Fizeram bem por merecer, mas não tiveram direito ao seu «momento Eder». Os franceses, por sua vez, recuperaram do trauma de há dois anos, ao perderem em casa a final do Europeu frente a Portugal.

Histórico é também o facto desta França de gente livre e igual voltar a ter uma geração multicultural e multiétnica a garantir-lhe o título de campeã do mundo. 

No final, «Glória aos vencedores; honra aos vencidos», como diz o lema. Mas como podemos dar por vencida esta extraordinária Croácia de Modric, essa espécie de Pirlo com cara de Cruijff, que nos encanta a cada toque na bola?

Enquanto a França levantava aos céus de Moscovo a segunda taça do mundo da sua história, Luka ergueria a Bola de Ouro da competição. Foi a glória possível num Mundial memorável.