A noite de Modric e Rakitic pode ter hipotecado aquele que poderia ser o Mundial de Messi.

A Croácia venceu com estrondo a Argentina por 3-0 e, apurando-se para os oitavos, deixa a «albiceleste» com um pé fora da Rússia – a depender de terceiros, desde logo do Islândia-Nigéria desta sexta-feira.

Parecia profético o gesto de Lionel Messi, que, ao som do hino argentino, tapava a cara para a câmara de televisão. A humilhação haveria de consumar-se dentro de momentos, numa segunda parte letal dos croatas.

A noite de Nizhny Novgorod estava prestes a abater-se sobre o futebol argentino. 

Jorge Sampaoli apostou num 3-4-3 com três centrais e com alas «lusos»: o sportinguista Acuña, em estreia mundialista, à esquerda, o benfiquista Salvio sobre a direita. Ao centro, o repescado Enzo Pérez fazia companhia a Mascherano no eixo. Lá na frente, nada de Dybala, o craque-maior dos terráqueos.

Havia Messi, sim, mas muito pouco. Desinspirado, desenquadrado, desorientado. Léo parece muitas vezes um corpo estranho nesta Argentina de Sampaoli. A culpa, porém, não será em grande medida sua. Será da falta de rumo de um treinador que condena um futebol tradicionalmente alegre a um espartilho tático, que não consegue casar talentos como Messi e Dybala de início, que apresenta um onze com um gritante défice de qualidade para os pergaminhos da seleção das pampas.

Durante a primeira parte, a Argentina até teve um ligeiro ascendente na posse de bola (55%-45%). Permitido pela Croácia, que trazendo o conforto de uma vitória na estreia (2-0 sobre a Nigéria), deu, num jogo duro, mais iniciativa de jogo aos sul-americanos.

A resposta era dada nas transições ofensivas, sempre com perigo. Quem tem Modric e Rakitic a descobrir espaços nas costas da defesa adversária, tem trunfos preciosos. Foram também constantes os cruzamentos para a área. Ora de Vrsaljko, ora de Rabic… Não fosse o desacerto de Mandzukic e os croatas poderiam ter chegado ao intervalo em vantagem.

A humilhação argentina haveria de consumar-se nos segundos 45 minutos. A derrocada começou nos pés de Caballero: desastrado, o guarda-redes argentino quis repor a bola em campo, mas saiu-lhe uma rosca. A bola foi parar aos pés de Rebic, que fuzilou e abriu o marcador aos 58’.

Argentina-Croácia, 0-3: ficha e filme do jogo

Em vantagem, a Croácia tornou-se mais letal nas transições ofensivas. Modric e Rakitic, quais geómetras, mediam cada passe com régua e esquadro… Até que decidiram também olhar para a baliza.

Aos 81’, o momento é sublime: Modric – distinguido como o melhor em campo – bailou na frente de Otamendi e, de fora da área, disparou em arco para um golo de antologia. Cinco minutos depois, Rakitic, de livre, encontrou a trave da baliza de Caballero. Uma ameaça que haveria de concretizar passados outros cinco minutos, já nos descontos: em mais um contra-ataque venenoso, o médio do Barça a aparecer na cara do golo e, com Acuña pela frente, a não desperdiçar o 3-0.

Dybala já estava em campo. Higuaín também. Mas nem se notavam. Tal como Messi, que de astro passou a sombra de si próprio neste Mundial.

Resumindo: veem aquele sol cintilante bem no centro da bandeira da Argentina? Neste Mundial, Lionel Messi é o contrário disso. Sem calor, sem brilho: a estrela que ilumina Camp Nou e todo o mundo com o manto blaugrana vestido é, com a «albiceleste», demasiadas vezes uma sucessão de fogachos – justiça lhe seja feita, apesar de tudo, é por ele que a Argentina está neste Mundial, evitando in extremis um escandaloso afastamento na fase de qualificação.

O talento de Messi não encandeia a ponto de tornar invisíveis os erros de uma equipa mal montada e mal orientada por Sampaoli.

Na tribuna, Maradona roía as unhas, esbracejava, até se prostrar resignado.

No relvado, Messi, recuava até à defesa para pegar no jogo, mas mostrava-se impotente perante uma equipa madura taticamente e cheia de talento como a Croácia.

Bastaria que um destes génios estar de facto presente de corpo inteiro para sozinho carregar toda uma nação às costas. Um já não pode. O outro nem sempre consegue.

3-0 é um resultado é justíssimo. A injustiça, histórica, será Messi não brilhar num Mundial. Mais do que sobre o futebol argentino, a noite de Nizhny Novgorod (a tal noite de Modric e Rakitic) abateu-se sobre ele, qual bandeira argentina sem sol.