Se é verdade que o futebol é um jogo de emoções, não será menos verdade que poucos o vivem de forma tão apaixonada como os sul-americanos.

Ninguém estranha, por isso, que mesmo já sem qualquer possibilidade de apuramento para os oitavos de final - ao contrário da Austrália, que se podia apurar – tenham sido os adeptos peruanos a fazer a maior festa no estádio de Sochi antes e durante a partida.

E isso tem muito pouco a ver com a vitória por 2-0. Muito pouco mesmo.

Se não, o que dizer das lágrimas nas faces dos adeptos do Peru no momento do 0-1, aos 18 minutos do último jogo da fase de grupos, no cenário já descrito?

O que dizer das centenas de adeptos peruanos que, em Sochi, choraram de alegria no final de um jogo que sabem que é o último deste Mundial de 2018?

A resposta é mais complexa do que pode parecer: 36 anos de espera. Foi demasiado tempo sem que a nação peruana visse um golo do seu país no Mundial.

Para se ter uma ideia do que são estas mais de três décadas e meia, quando Guillermo La Rosa marcou o golo de honra daquela derrota por 5-1 frente à Polónia, do Mundial de Espanha, em 1982, faltavam nove anos para nascer André Carrillo, o homem que devolveu a alegria a todo o povo peruano, nesta terça-feira.

É por isso que aquele pontapé fantástico do jogador emprestado pelo Benfica ao Watford, após bom trabalho de Guerrero a esperar a subida dos companheiros, soltou a emoção que estava presa há tanto tempo.

E a verdade é que o grito que ecoou das gargantas peruanas parece ter servido para a Austrália se enfiar dentro do bolso e sair do jogo.

Para quem precisava de vencer o jogo, os socceros mostraram-se demasiado inofensivos. E pouco ambiciosos, verdade seja dita.

Já a equipa de Ricardo Gareca, depois de solta a pressão, cresceu e passou a assumir o jogo de forma declarada.

E como tal, voltou a marcar. Mais um golo cheio de simbolismo, diga-se. Mais não seja, porque foi conseguido pelo capitão Guerrero que, depois de uma luta árdua para marcar presença no Mundial, inscreveu o seu nome – e as suas lágrimas, pois claro – na história deste torneio. E garantiu uma vitória peruana, algo que não acontecia ainda há mais tempo, 40 anos, mais precisamente.

Soltem a festa, são livres!

Depois desse golo e até ao final, o jogo decorreu sem grandes motivos de interesse dentro do relvado, apesar das várias tentativas que a Austrália ainda fez para reagir, e da entrada do australiano Cahil para se estrear na sua quarta fase final de um Mundial.

Na bancada é que o cenário era distinto. Vivia-se uma enorme festa nas bancadas.

Gente vestida de branco e vermelho que cantava, saltava e festejava de forma emocionada um triunfo que valeu muito mais do que a subida do 4.º para o 3.º lugar no grupo C, por troca com a Austrália.

Valeu o orgulho de uma nação, demonstrada novamente após o apito final, com milhares de peruanos a entoar a plenos pulmões, de lágrimas nos olhos, o hino do Peru que até começa com a frase «Somos libres». Estão agora livres da pressão que traziam aqueles 36 anos, largo tiempo, depois.

Por isso é que imagens como as do final deste Austrália-Peru são um hino ao que o futebol devia ser sempre.