Cavani, de 31 anos, realizou um exercício engraçado: escreveu uma carta dirigida ao Edinson de nove anos. Esse texto foi reproduzido no The Players’ Tribune no qual o uruguaio - adversário de Portugal este sábado - recordou a infância, um período onde os golos davam direito a gelados e a altura em que tinha pouco cabelo. Era, segundo o próprio, conhecido no bairro em que cresceu como «Pelado».

«Quando eras bebé, não tinhas muito cabelo, mas ele cresceu pouco a pouco. Não havia muito que pudesses fazer. Graças à criatividade da tua família, sempre foste o 'Pelado'. Bem, fico feliz em contar-te que nos 20 anos seguintes, o futebol vai mudar a tua vida em muitos sentidos. Alguns muito bons, outros nem tanto», começou por escrever. 

«O futebol vai-te ajudar a libertar dessa alcunha. Vais saber que existe um tipo chamado Gabriel Batistuta. Ainda não o conheces, porque o único programa que tens paciência para ver é o Tom and Jerry. O teu irmão mais velho, Nando, vai ser o primeiro a inspirar-se no Batistuta. Irá começar a recusar ir ao barbeiro e irá usar o amaciador da tua mão. E, eventualmente, vai começar a parecer-se como o grande Batigol. Mais tarde, tu próprio vais ter coragem para dizer à tua mãe que não queres ir ao barbeiro», acrescentou.

Cavani cresceu no bairro de Salto, no Uruguai e as dificuldades que suportou foram imensas. «Vais viver a vida toda fora de casa, com a bola nos pés. É assim na América do Sul. Não conheces outra realidade. O que está dentro de casa, afinal? Nada divertido. Nada interessante. Não há Playstation. Muito menos uma televisão grande. Nem tens água quente. Não há aquecimento. No inverno, o teu Sistema de aquecimento é uma camada de cobertores. Quando quiseres tomar banho, vais aquecer um jarro de água. É um luxo para ti. Lembras-te da primeira casa? Aquela que não tinha casa de banho?», contou.

Apesar da infância difícil e das dificuldades vividas, Cavani não pretende apagar essas memórias. Antes pelo contrário. 

«Posso-te contar um segredo? Atualmente quando penso nisso, não me sinto mal. De alguma forma, essa memória dá-me coragem», confessou.

«Nesta fase o mais importante é o golo que vale um gelado. É algo mágico. Preciso de falar com alguém do PSG acerca do golo que vale um gelado. É genial, motivação pura. Foi ideia da organização da Liga em Salto, de forma a motivar as crianças», completou.

O jogador do PSG lembrou também que jogava «descalço ao contrário dos meninos da capital do Uruguai» e enumerou todos os sonhos de quando era jovem.

«Tens o sonho de jogar no Montevideu? Vais jogar e vai parecer que estás a jogar um encontro da Liga dos Campeões. Jogar na Europa? Também vais conseguir. Vais ganhar dinheiro suficiente para mudar a vida de toda a tua família. O teu sonho é jogar na seleção nacional? Jogarás e viverás experiências que te irão fazer chorar de alegria e tristeza. Sonhas disputar um Campeonato do Mundo? Não vou revelar.»

Por último, Cavani concluiu que hoje em dia tem dinheiro, dorme em excelentes hotéis e conduz bons carros, mas falta-lhe algo que tinha em menino: liberdade.

«O teu sonho é ter muito dinheiro, conduzir automóveis lindos e dormir em hotéis elegantes? Bem, Pelado, tu vais ter todas essas coisas. Mas tenho que te dizer uma coisa: isso não te vai fazer necessariamente feliz. O que tens agora, com nove anos, é algo de que sinto muita falta agora. Não tens um banho quente, não tens um peso no bolso. Nem sequer tens um bom cabelo. Mas tens algo que não tem preço: tens a tua liberdade», terminou.