Mekan Saparow é um turquemenistanês, de 23 anos. Joga no Balkan, tem 13 internacionalizações e um golo pelo país que representa. Um golo que não sai da memória de Carlos Queiroz. Porque foi o último que o Irão, orientado pelo treinador português, sofreu. Em novembro de 2015!

O Mundial 2018 recebeu nesta segunda-feira a terceira equipa. Depois da anfitriã Rússia, do poderoso e renascido Brasil, chegou o Irão. De Carlos Queiroz. Que igualou um recorde histórico e celebrou-o em pleno relvado, com a camisola número 4 da seleção que treina, após o triunfo por 2-0 sobre o Uzbequistão.

O caminho para a Rússia foi mais fácil em campo do que fora dele. Basta lembrar que em fevereiro de 2016, Queiroz pedira a demissão do cargo. E voltou a fazê-lo já neste ano. Ficou sempre e ninguém conseguiu agredir o Irão em campo.

Quem travou a melhor equipa da Ásia?

O Mundial 2018 começou na Ásia, quando Timor-Leste recebeu a Mongólia, na primeira ronda de qualificação para a Rússia. O Irão só entrou na segunda, porém. E as coisas nem começaram bem.

Favorito num grupo com Índia, Guam, Omã e Turquemenistão, a equipa orientada pelo português iniciou o caminho com uma igualdade frente a esta última: 1-1 em Dashoguz.

Apesar de serem países vizinhos, o jogo teve lugar numa das cidades mais distantes do Irão, ao contrário da capital Asgabate, onde a seleção turquemenistanesa habitualmente joga e onde fez o resto da fase de qualificação.

A partir daí, o Irão trucidou Guam e Índia e fez uma pausa para empatar em Omã: 1-1, outra vez, com o veterano Jalal Hosseini a resgatar um ponto para a invencível equipa de Queiroz.

Depois dessa igualdade, o tal último golo sofrido, na vitória sobre o Turquemenistão, em casa, a que se seguiu uma goleada sobre Guam. Assim fechou 2015 e abriu 2016 com o primeiro pedido de saída «face à degradação das condições de trabalho existentes e ao incumprimento dos compromissos assumidos» que deixavam «o objetivo da qualificação está em risco».

Queiroz permaneceu e quando terminou a primeira fase do apuramento asiático, o Irão tinha oito jogos disputados, seis vitórias, dois empates, 26 golos marcados e três sofridos.

Era março de 2016 e o Irão continuava a ser a melhor equipa asiática no Ranking FIFA, um posto ao qual chegou e mantém desde dezembro de 2014, altura em que Queiroz já orientava a equipa. 

Obviamente, demite-se         

Com duas partidas ainda por disputar na terceira fase da zona asiática de apuramento, o Irão garantiu presença no Mundial 2018 porque continuou invicto e arrebatador, num grupo formado ainda por Coreia do Sul, Uzbequistão, Síria, China e Qatar.

A primeira parte desta terceira fase decorreu sem grandes sobressaltos, apesar do nulo na China e o empate com a Síria, numa partida que teve lugar na Malásia. No entanto, após esta partida com os sírios, vieram os problemas.

Carlos Queiroz tinha delineado um plano para 2017 e atacar, assim, os últimos encontros do apuramento. Em janeiro, reuniu um grupo de futebolistas no Dubai, todos a atuar no campeonato interno, mas acabou por dispensar sete. Todos do mesmo clube.

O Persépolis é um dos maiores clubes do país e o treinador Branko Ivankovic veio a público criticar o plano de Queiroz. Quando soube da conferência de imprensa do croata, o selecionador mandou os jogadores do Persépolis embora.

E explicou-se. A 5 de janeiro.

«Sabendo que estágio não ocorre numa data da FIFA, e entendendo que o sr. Branko Ivankovic não estádisponível para cooperar com um plano de preparação que ele também aprovou, quero deixar claro que o sr. Ivankovic não irá encontrar na seleção nacional ou na minha ação como treinador qualquer argumento para justificar o seu sucesso ou fracasso. Ao mesmo tempo, quero libertar os sete jogadores do Persépolis da pressão movida pelo sr. Ivankovic após a suspeita que ele levantou em seu profissionalismo.»

A 7 de janeiro, dois dias depois, demitiu-se. Era a segunda vez durante o apuramento. Queiroz afirmou:

«Esta decisão surge na sequência de uma reunião de cinco horas, no fim da qual foi concluído não existirem condições para a implementação do Plano de Preparação para o Campeonato do Mundo, plano esse já apresentado e aprovado pela Federação Iraniana, Liga e clubes, mas permanentemente minado devido à oposição sistemática movida contra a Federação e contra o seleccionador iraniano, por parte de agentes desportivos não interessados no sucesso da Selecção Nacional.»

Apesar do pedido de Carlos Queiroz, a federação iraniana recusou-o.  O treinador português admitiu que o novo plano não era dele e manifestou desconfiança em relação ao mesmo. Foi com esse, no entanto, que teve de trabalhar… com sucesso histórico.

Walter Winterbottom: já não é caso único

Pela primeira vez na História, o Irão qualificou-se para dois mundiais consecutivos. Carlos Queiroz já tinha colocado a equipa no Brasil 2014 e agora leva-a até à Rússia. 

Os números, já se percebeu, são incríveis: três golos sofridos em toda a qualificação, o último há quase dois anos. A equipa marcou 34 golos e teve zero derrotas, quatro empates e 12 triunfos. 

Já Queiroz qualificou-se para um Campeonato do Mundo pela quarta vez. É um feito quase único de um treinador no futebol. Antes disso, porém, a estatística total do português nos apuramentos, ou seja, esta qualificação, mais a de 2002, 2010 e 2014: 50 jogos, 34 triunfos, 13 empates e três derrotas (uma com portugal, duas com o Irão). E ainda 93 golos marcados e 18 sofridos.

Carlos Alberto Parreira esteve em seis mundiais, em alguns em parceria com o mítico Mário Zagallo, com cinco seleções. Bora Milutinovic esteve em cinco com cinco. No entanto, o brasileiro e o sérvio beneficiaram do facto de algumas das equipas que orientaram fossem anfitriãs ou apuradas por outros técnicos.

Carlos Queiroz conseguiu a qualificação em quatro ocasiões, a contar com esta. Porém, ainda só disputou dois mundiais: um com Portugal, em 2010, outro com o Irão, no Brasil, quatro anos depois. Ou seja, o treinador português soma o terceiro apuramento consecutivo da carreira, depois de no início do século ter apurado a África do Sul para o Campeonato do Mundo da Coreia/Japão, em 2002.

O inglês Walter Winterbottom tinha conseguido o mesmo número de qualificações mundiais, com os Três Leões. Natural de Oldham, tornou-se no primeiro selecionador inglês a tempo inteiro e ganhou o título de sir depois de levar a Inglaterra aos mundiais de 1950, 1954, 1958 e 1962.

Queiroz percebeu o feito e com o apuramento garantido, celebrou em pleno relvado: recebeu uma miniatura do troféu de campeão do mundo, mostrou a tal camisola 4, foi abraçado e atirado ao ar pelos jogadores. Estava visivelmente feliz, como estava também o povo iraniano, nas ruas de Teerão.

«O número 4, para mim, significa uma quarta qualificação para um campeonato do mundo. Só um treinador na história o conseguiu, [Walter] Winterbottom, sempre com Inglaterra, mas nenhum treinador o alcançou com seleções diferentes», disse Queiroz, citado pela Lusa, que reprodoziu a assessoria do técnico.

Apesar da felicidade, o treinador voltou a dar um recado e até usou uma ideia de John F. Kennedy.

«A partir de amanhã temos de colocar em marcha a melhor preparação possível para o Mundial. Esperemos que, depois de duas qualificações consecutivas para Mundiais, o Irão não perca uma oportunidade histórica de assegurar o futuro do seu futebol. A paixão está cá, o talento também, esperamos que aqueles que têm responsabilidades possam dar o impulso decisivo. Desde a qualificação para o Mundial2014 que ouvimos muitas promessas. Não temos apoio financeiro, não temos um relvado para treinar, portanto peço-vos que não perguntem o que esta equipa pode fazer pelo país, isso está à vista, perguntem antes o que os responsáveis podem fazer por esta equipa.»