Da reunião virtual do Conselho da FIFA saiu um Mundial a dividir por seis países e três continentes. Além de ter ficado desde já decidida a escolha da candidatura conjunta de Espanha, Portugal e Marrocos para organizar o Mundial 2030, foi também anunciado que a ela se juntarão Uruguai, Argentina e Paraguai, naquela que será a edição do centenário do Campeonato do Mundo. Depois da surpresa por uma decisão absolutamente inédita, ficam muitas questões. E muito trabalho e muitas responsabilidades a assumir pelos anfitriões.

Uns mais do que outros. Embora ainda esteja muito em aberto, desde logo quantos e quais serão os estádios anfitriões, já se sabe que os três países sul-americanos receberão apenas um jogo cada um e que a fatia de leão dos 101 jogos restantes num Mundial com 48 seleções será em território espanhol. Portugal apresenta-se à partida com três estádios, os únicos no país que têm capacidade superior a 40 mil lugares: Luz, Alvalade e Dragão.

A capacidade dos estádios é um dos requisitos definidos pela FIFA. Mas há muitos mais. O organismo divulgou em junho deste ano o documento que definia em traços gerais os requisitos para os candidatos à organização do Mundial 2030. São 30 páginas que pretendem ser apenas um resumo - o caderno de encargos entregue aos candidatos é mais exaustivo – mas que já dá uma ideia daquilo que será preciso ter pronto daqui por sete anos. Este documento, a que a FIFA chama «Overview of Hosting Requirements», está dividido em três áreas - infraestruturas, enquadramento legal e impacto ambiental e social – e vai das exigências para os estádios, centros de treinos ou hotéis às disposições legais, que passam por isenção de impostos para a FIFA e várias entidades.

É um resumo, mas vai a detalhes como os centímetros que devem ocupar os lugares VIP (e VVIP, que são pessoais importantes a dobrar) em cada estádio. O Maisfutebol deixa aqui as principais determinações deste caderno de encargos.

Estádios

  • Número de estádios – 14 no mínimo. Sete deles têm de ser já existentes. O que significa, segundo a FIFA, não só estádios já construídos mas também que já estejam em construção, ou que requeiram obras de renovação nas quais se preservem os principais elementos estruturais. A candidatura de Espanha, Portugal e Marrocos indicou para já 23 estádios
  • Capacidade - Lotação mínima de 40 mil lugares para a fase de grupos (à exceção do jogo de abertura), jogos dos 16 avos, oitavos e quartos de final e jogo pelo 3º lugar; 60 mil lugares para os jogos das meias-finais e 80 mil para o jogo de abertura e final
  • Bancadas - Todas as bancadas, «em princípio», têm de ser cobertas; no caso de os estádios terem um teto amovível, ele deve poder ser aberto ou fechado no decorrer de um jogo
  • Relvado - O campo deve ser de relva natural, com reforço híbrido; deve ainda ter um sistema de aquecimento e ventilação
  • Camarotes - Cada estádio deve reservar 8 por cento da capacidade nos jogos a eliminar, na abertura e nos jogos da seleção anfitriã para «hospitality seats», sendo 5 por cento nas restantes partidas
  • Tribunas VIP e VVIP – Não apenas Pessoas Muito Importantes (VIP), mas também Pessoas Muito Muito Importantes (VVIP). A distinção está no caderno de encargos e define os lugares que lhes devem ser reservados – e o espaço que devem ter. Para os VIP, são 2000 nos jogos de abertura e final, 1300 nas meias-finais, 800 nos quartos e 700 nos restantes jogos, com uma largura mínima de 0.6 metros, além de um lounge com «espaço mínimo de 1.8 metros por pessoas. O espaço aumenta em 20 centímetros para cada VVIP, e esses terão de ter entre 300 e 75 lugares nos estádios.
  • Comunicação Social – Cada estádio terá de ter uma tribuna de imprensa «em posição elevada e central», uma zona mista com 600 metros, uma sala de imprensa e estúdios de TV, além de uma zona para a estrutura de transmissão televisiva que ocupa entre 4000 e 6000m2, dependendo do jogo
  • Estacionamento – Cada estádio tem de estar equipado com «estacionamento suficiente» no perímetro interior e exterior, bem como fora do perímetro exterior
  • Exclusividade – Entre os 30 dias anteriores ao primeiro jogo e uma semana após o seu último uso, os estádios estão sob um período de uso exclusivo, durante o qual não poderão exibir publicidade, merchandising ou identificação de marcas.
  • Sustentabilidade – Os estádios devem ter certificação, reconhecida internacionalmente, de sustentabilidade de design, construção e operações

Centros de treinos

  • 72 campos-base de treinos para seleções como mínimo, cada um deles combinado com um hotel que deve estar a uma distância de 20 minutos de condução e equipado com «pelo menos» dois relvados equivalentes aos dos estádios. Cada campo deve ter dois balneários, um para jogadores e outro para treinadores
  •  Quatro locais de treino por estádio, também associados a um hotel e com tipo de relva idêntico ao do estádio
  • Dois campos de treino para árbitros, igualmente com hotel associado e com pelo menos quatro campos, um deles com uma pista de corrida ou um suporte para as torres das câmaras do VAR
  • Cada centro de treino deve ter uma vedação de segurança com um mínimo de 2-5 metros de altura
  • Cada centro de treino deve ter uma sala de conferências de imprensa e uma bancada «dedicada em parte» à comunicação social, com capacidade para 500 pessoas e que «não interfira» com a circulação das equipas. «Preferencialmente», diz a FIFA, «deve estar situada no lado oposto ao balneário da equipa.» Também é requerida uma sala de conferências de imprensa

Outros locais

  • Devem ser propostos pelo menos dois locais adequados para a localização do centro internacional de transmissões televisivas (IBC), para as estações detentoras dos direitos. O caderno de encargos especifica uma série de requisitos para essa infraestrutura, que vão do espaço mínimo coberto de 45.000m2 a especificações técnicas.
  • Deve ser indicados locais para o sorteio preliminar e para o sorteio final do Mundial, com espaço para 2 mil pessoas e área mínima de 5000m2, bem como para os seminários das equipas e para o Congresso da FIFA, se este decorrer num dos países organizadores durante a competição
  • Devem ser propostos dois locais «adequados» por cidade anfitriã para a localização dos Fan Fests da FIFA, numa «localização icónica, idealmente no centro da cidade», onde seja possível chegar a pé ou através de diferentes meios de transporte. A capacidade indicada é de 15 mil pessoas, que sobe para 40 mil na final

Alojamento

  • É necessário «demonstrar um inventário de hotéis suficientes» para o público em geral em cada cidade anfitriã, de um «nível adequado – 3 a 5 estrelas». No caso de não existirem unidades hoteleiras suficientes, «podem ser tidos em consideração alojamentos alternativos «adequados», como hostels ou alojamento local
  • O caderno de encargos define a capacidade hoteleira para o pico de utilização em 20 por cento da capacidade do estádio, dividida por dois - partindo do pressuposto de ocupação em quartos duplos.
  • • Com base nesse indicador, são requeridos 8 mil quartos no período de pico máximo para as cidades que receberem o jogo de abertura e a final, 6 mil para as meias-finais e 4 mil para as cidades que recebem os outros jogos. O caso português será este último
  • Cada cidade anfitriã «tem de demonstrar um inventário e propostas de hotéis suficientes para os grupos constituintes da FIFA», uma designação que inclui representantes da FIFA e das Federações anfitriãs, seleções, árbitros, VIP e VVIP, parceiros comerciais, detentores de direitos televisivos ou comunicação social. Esses hotéis devem ser de 4 ou 5 estrelas para membros da FIFA, seleções e árbitros, ou 3 a 5 para parceiros comerciais ou comunicação social. O caderno de encargos especifica também que os hotéis devem ter «equipamentos modernos adicionais» e define o número mínimo de camas para cada grupo, por exemplo 700 hóspedes na cidade que albergar o quartel-general da FIFA

Disposições legais

Além dos acordos escritos por parte das várias entidades envolvidas, das cidades aos donos dos estádios e campos de treinos, aeroportos ou hotéis, é exigido o «apoio total» das autoridades governamentais, regionais e municipais em cada país, cobrindo «garantias governamentais relativas à disponibilização de apoio operacional, fiscal e administrativo». Entre Portugal e Espanha esse compromisso governamental foi já assumido formalmente em 2021, quando foi formalizada a candidatura que era então a dois.

As garantias pedidas aos Governos passam por:

  • Vistos, imigração e procedimentos de check-in – É pedido genericamente que seja estabelecido «um ambiente livre de vistos ou facilitados os procedimentos de vistos» para quem viaje para o país anfitrião por causa do Mundial, salvaguardando que essa facilidade de circulação «não deve nunca afetar as normas de imigração e segurança» de cada país.
  • Licenças de trabalho e legislação laboral – Tendo em conta que num Mundial a FIFA e outras entidades precisam de recrutar trabalhadores «numa base temporária e oriundos de todo o mundo», é pedido que os governos «emitam licenças de trabalho sem restrições» e «concedam isenções correspondentes das leis laborais e outra legislação» para trabalhadores de organizações «diretamente envolvidas no Mundial». Isso não se aplica, diz ainda a FIFA, a trabalhadores na construção de estádios ou outras infraestruturas. E também não deve, salvaguarda o documento, «comprometer o empenho dos governos» em respeitar os direitos humanos, «com atenção particular aos direitos laborais (incluindo dos trabalhadores migrantes). Uma salvaguarda que traz de imediato à memória a questão dos direitos dos trabalhadores no Mundial do Qatar.
  • Isenção de impostos e compromissos de câmbio monetário – A FIFA começa por invocar o seu estatuto de entidade sem fins lucrativos, com sede fiscal na Suíça. Depois, alega que todo o investimento associado ao Mundial pode «contribuir para benefícios económicos significativos a médio e longo prazo para os países anfitriões, para defender que é um evento de «importância nacional e interesse público, o que justifica a concessão de uma isenção fiscal» associada ao Mundial. Pede então que, «para evitar custos fiscais indiretos para a FIFA», os Governos concedam uma «isenção de impostos limitada a determinadas terceiras partes envolvidas na organização do Mundial ou eventos relacionados». A lista inclui as Federações anfitriãs, as Confederações continentais, as Federações membro da FIFA, os detentores dos direitos televisivos, os fornecedores de serviços e contratantes da FIFA e determinados indivíduos designados». Esta garantia, acrescenta a FIFA, não se destina a conceder vantagens fiscais a atividades comerciais ou isenção total de impostos a contribuintes individuais e tem efeito legal limitado «a certos períodos em que estão previstas atividades» relacionadas com o Mundial. Quanto ao câmbio das transações durante o Mundial, a FIFA pede que a circulação de moeda estrangeira não tenha restrições e não seja sujeita a impostos no país anfitrião.
  • Segurança – Os Governos, diz a FIFA, devem «assumir responsabilidade total pela segurança» da competição, nos vários locais que lhe estão associados, e responsabilizar-se pelos custos dessa operação.
  • A FIFA exige ainda garantias de que os Governos assegurarão as infraestruturas necessárias de telecomunicações e de que os direitos de exploração e comerciais do organismo estão legalmente protegidos.

Impacto ambiental e social

A FIFA enumera uma série de princípios que os anfitriões devem seguir, demonstrando «compromisso no sentido de uma mudança ambiental e social positiva num horizonte de médio e longo prazo». Para isso, a candidatura precisa de indicar informação sobre estes pontos.

  • Compromisso público explícito em relação à sustentabilidade, direitos humanos, consumo sustentável e ação climática
  • Compromisso público explícito quanto ao envolvimento de comunidades locais e diálogo com «stakeholders» em cada uma das cidades anfitriãs
  • Um resumo da estratégia de direitos humanos, incluindo uma descrição dos riscos chave de direitos humanos identificados relacionados com o Mundial, os planos para prevenir e mitigar esses riscos
  • Um resumo do impacto ambiental e climático da organização da competição e as medidas de mitigação previstas para as seguintes áreas chave»: transporte de adeptos para os jogos, alojamento para os adeptos, consumo de energia e gestão do lixo
  • O documento termina com uma série de especificações associadas a estes temas, que passam por exemplo pela garantia de um ambiente «livre de discriminação» durante o Mundial, pela proteção dos direitos dos trabalhadores, pela garantia da liberdade de imprensa, ou pela existência de mecanismos de reclamação