Os Estados Unidos empataram a zero com a Sérvia num particular neste domingo e não é preciso ir mais longe do que a ficha desse jogo. O extremo Darlington Nagbe foi refugiado, o médio Sacha Kljestan é filho de um imigrante sérvio que chegou clandestino à América. E Jermaine Jones nasceu na Alemanha, Juan Agudelo na Colômbia, Benny Feilhaber no Brasil, Jorge Villafana cresceu no México. Uma seleção de futebol multicultural, como o país, que personifica muito do que Donald Trump decidiu banir e assume a estupefação perante a ordem executiva assinada pelo novo presidente norte-americano, que suspendeu a entrada no país de refugiados e bloqueou as fronteiras a cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos. As ondas de choque, também no desporto.

Nagbe nasceu na Libéria e fugiu da guerra com a família em criança. Primeiro para a Sierra Leoa, depois acabou por ser acolhido nos Estados Unidos. «A certa altura fui refugiado. A minha mãe foi refugiada», disse, numa reportagem do LA Times o jogador dos Portland Timbers, da MLS. «Sei a dor que estão a sentir neste momento.» Nagbe, de 26 anos, recebeu o «Green Card» de residência permanente nos Estados Unidos em 2012 e ganhou cidadania integral em 2015. Estreou-se agora no onze titular de Bruce Arena, que voltou a assumir a seleção depois da saída de Jurgen Klinsmann.

Sacha Kljestan também dá o seu exemplo, de um pai que é a personificação do «sonho americano». Chamava-se Slavko e, conta o LA Times, fugiu de uma família abusadora na Jugoslávia para se juntar a uma irmã no Canadá. Deu depois o salto para os EUA na mala de um automóvel. Trabalhou, criou um pequeno negócio de carpintaria e construíu uma vida. «É daí que vem a minha ética de trabalho. É por isso que apoio muito os emigrantes e acho lamentável como estamos a lidar com as coisas, não como país, mas na Casa Branca», diz Sacha,

A reação mais crítica, aliás, começou por ser do capitão da seleção norte-americana, Michael Bradley, nascido e criado nos Estados Unidos. Depois de uma entrevista à Sports Illustrated em que teve uma primeira reação diplomática, Bradley tomou uma posição mais forte nas redes sociais. «Triste e embaraçado», diz que se enganou quando pensou que Trump presidente substituísse a retórica «xenófoba, misógina e narcisista» por uma atitude «mais humilde».

 

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Não foi o único. Alex Morgan, a internacional norte-americana que representa agora o Lyon, também usou as redes sociais para deixar a sua posição: «A história não nos ensinou nada?»

Uma política restritiva de fronteiras como aquela que Trump quer impor tem consequências imprevisíveis. Também no desporto. Antes de mais práticas. O campeão olímpico britânico Mo Farah, de origem somali, passou o fim de semana a tentar perceber, ele e tantos outros cidadãos com dupla nacionalidade dos países banidos, o que queria isto dizer em relação à sua vida.

Nas redes sociais, Mo foi muito crítico. «A 1 de janeiro deste ano, a Raínha fez-me Cavaleiro do Reino. A 27 de janeiro, o presidente Donald Trump parece ter-me tornado num extra-terrestre». Foi só ao fim do dia de domingo que os negócios estrangeiros britânicos esclareceram o assunto com as autoridades norte-americanas e concluiram que cidadãos nas cirscunstâncias de Mo Farah não eram abrangidos pela proibição de Trump.

Nesta segunda-feira a Federação Internacional de Atletismo assumiu preocupação com a situação, em particular porque os Estados Unidos vão receber os Mundiais de 2021. «Precisamos claramente de perceber as implicações da nova política norte-americana de imigração e vamos procurar garantias de que não vai afetar negativamente os Mundiais de atletismo nos EUA em 2021», disse o organismo em comunicado.

Também os responsáveis da NBA disseram que iam procurar informar-se sobre as consequências que isto terá num desporto com vários atletas estrangeiros, alguns com origem nos países banidos.

«O que se passa com o vosso país?»

E há muito mais. Os Estados Unidos são candidatos à organização dos dois maiores eventos desportivos do mundo num futuro próximo e as restrições de Trump chocam com muitos dos princípios fundamentais do desporto, a começar pela tolerância e não discriminação. Los Angeles está na corrida aos Jogos Olímpicos de 2024 e o país posicionou-se já em relação ao Mundial de 2026, que ainda não iniciou o processo formal de candidatura. Aliás, a ideia passada era de que os Estados Unidos podiam apresentar uma candidatura conjunta com o México, algo que parece irreal nesta altura.

Quanto aos Jogos Olímpicos, com decisão marcada para setembro, os responsáveis do Comité Olímpico Americano optam para já por uma reação prudente. «Estamos a trabalhar com a administração para perceber as novas regras e como lidar com eles no que diz respeito a atletas visitantes. Sabemos que eles apoiam o movimento olímpico e a nossa candidatura e acreditamos que teremos uma boa relação de trabalho», disse um porta-voz ao New York Times. Mas um membro americano da comissão cultural do COI, David Wallechinsky, assume que este caminho de Trump é «um golpe» para as aspirações da candidatura. O dirigente contou ao NY Times que a estupefação internacional já vinha de trás e que numa reunião do COI em Lausanne depois da eleição de Trump foi interpelado várias vezes com a mesma questão: «O que se passa com o vosso país?» 

Sunil Gunati, o presidente da Federação americana de futebol, evitou elaborar sobre o assunto nesta altura, defendendo que a questão imediata das implicações das restrições de Trump, e as ondas de choque que está a causar nos Estados Unidos e por todo o mundo, é mais premente. «Obviamente o desporto envolve movimento internacional e livre de jogadores e ideias», disse no intervalo do jogo com a Sérvia, citado pela CNN: «Como isto se desenrola no que diz respeito a eventos internacionais, francamente acho que é secundário agora. As questões que dizem respeito à ordem executiva e as suas implicações são muito mais abrangentes que isso.»