Numa jornada em que os rivais do seu clube se defrontam, já deve ter usado a expressão «por mim perdiam os dois», apesar de saber que isso no futebol é impossível. A partida desenrolar-se-á e pelo menos alguém sairá com pontos, como é normal no futebol. Só que afinal neste desporto não há impossíveis e houve um jogo do Campeonato de Portugal em que as duas equipas...perderam. Aconteceu no Sousense-Tirsense, na terceira jornada da série B da competição, a 13 de setembro.

Os dois conjuntos defrontaram-se, empataram no terreno de jogo, mas mais tarde descobriu-se que ambos contavam com jogadores castigados nas fichas de jogo. O Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) aplicou a derrota aos dois emblemas.

Será que ninguém nas estruturas sabia que eles tinham sido expulsos na jornada anterior, 15 dias antes? Na verdade sabiam, só que a Taça de Portugal intrometeu-se entre as jornadas e uma alteração dos regulamentos no início de 2015/16 provocou confusão.

Vamos por partes para ficar claro o que se passou.

Até ao iniciar desta temporada, todos os jogadores expulsos cumpriam castigo no jogo seguinte, fosse ele de campeonato ou de Taça de Portugal, só que uma alteração nos regulamentos, na qual os clubes não repararam, fez com que cometessem o erro de alinhar com elementos sancionados.

«A FPF este ano fez uma alteração aos regulamentos e nós e os outros clubes não nos apercebemos. É o seguinte: o jogador estava castigado, houve eliminatória da Taça e a eliminatória agora não serve para cumprir castigos do campeonato», disse Pedro Silva, vice-presidente do Tirsense.

Do lado do Sousense, a explicação do vice-presidente Lúcio Cunha é a mesma. «Jogamos esse jogo da Taça e os jogadores castigados não jogaram. Para todos os efeitos, para nós cumpriam lá a suspensão», completando: «Essa eliminatória era a partida seguinte ao campeonato em que deveriam cumprir o castigo só que não cumpriram».

A pergunta que se impõe é a seguinte: «Mas a FPF não indica semanalmente os jogadores que estão castigados?» Pedro Silva responde: «Simplesmente notifica com um jogo de castigo, não especifica. Como fizeram uma alteração ao regulamento, a FPF devia ter realçado essas alterações, para os clubes se aperceberem. Mandaram o regulamento completo e não o lemos todo novamente. Normalmente, quando fazem alterações avisam.»

Em junho de 2015, a FPF aprovou um novo regulamento de disciplina e o ponto dois do artigo 31 é claro: «A pena de suspensão por jogos é cumprida na competição onde a mesma foi aplicada, com exceção da suspensão por jogos aplicada em provas a eliminar ou de um só jogo que é cumprida no jogo oficial seguinte da competição para a qual está o jogador habilitado.»

Resumindo, castigo de campeonato cumprem-se no campeonato, expulsões da Taça de Portugal têm repercussão nos campeonatos.

Antes o regulamento dizia o seguinte: «Nos casos em que o Clube que o jogador representa participe em competições diferentes, por referência às alíneas a), b) e c) do artigo 3.º [dizem respeito a provas da FPF, jogos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e jogos de associações distritais e regionais], os jogadores só podem cumprir os jogos de suspensão em várias competições quando se verifique o disposto na parte final do número 4», que refere que só podem cumpri-los «quando não haja simultaneidade de provas dentro do mesmo período semanal de domingo a sábado», o que se verificava neste caso, já que os encontros da Taça de Portugal foram a 6 de setembro e o seguinte do campeonato a 13 do mesmo mês.

Ambos os clubes estão na mesma situação e culpam a FPF por não ter comunicado devidamente as alterações efetuadas. «Não é simpático quando as pessoas são informadas por e-mail com um documento que tem 114 páginas e só alteraram dois ou três artigos. Informavam que fizeram alteração ao «artigo tal tal e tal» e nós íamos consultar, tal como os outros clubes», queixou-se o dirigente do Sousense.

Apesar de apontarem o dedo à má comunicação da FPF, que o Maisfutebol contactou não quis comentar este tema,  os dois vice-presidentes admitem que deviam ter sido mais prudentes e que contra as leis não há argumentos.

«É óbvio que ninguém fica contente com isso, mas por muito que queiramos estamos sempre condenados ao regulamento e não podemos ir contra ele. A culpa é nossa que não o lemos», refere o representante do emblema de Santo Tirso.

Já Lúcio Cunha mostra-se mais indignado e conta que o clube apresentou recurso contra a decisão, mas conclui salientando que «o desconhecimento da lei não significa que ela não tem de ser cumprida».

«Foi uma lei feita a correr e os clubes não foram devidamente informados, foram informados mas de uma forma «toma lá um documento com cento e tal páginas, agora lê e analisa». Não é assim! Apresentamos recurso quando fomos notificados, explicamos a situação, que não tínhamos conhecimento mas o que a lei diz é que o facto de desconhecer não implica que não se tenha de cumprir a lei», lamentou.

E volta a criticar a lei: «Não faz sentido, faria sentido para clubes profissionais da Liga. Nós, equipas do Campeonato de Portugal, estamos dentro da mesma entidade que é a FPF e não faz sentido que se faça uma coisa destas.» 

A alteração em vigor esta época faz com que os jogadores expulsos por vermelho direto só possam cumprir o castigo na mesma competição em que o viram, enquanto atletas que são expulsos por acumulação de amarelos possam cumprir a sanção para a Taça de Portugal.

O Sousense tinha um jogador em cada situação e ambos falharam a eliminatória com a Sanjoanense e alinharam na partida seguinte com o Tirsense. Só um deles foi castigado a 11 de dezembro [data da decisão do Conselho de Disciplina da FPF] com um mês de suspensão.

«Isto só conta para os castigados com vermelho direto, porque os castigados com acumulação de amarelos ja não é assim. Temos o caso concreto de um jogador que nesse mesmo jogo [anterior à eliminatória da Taça] foi expulso por acumulação de amarelos e agora não tem castigo . O que levou vermelho direto deveria cumprir no jogo do campeonato», explicou.

A André Ribeiro, do Sousense, e Paulo Sampaio, do Tirsense, foi aplicado um mês de castigo, que já começou no último fim de semana, a pena mínima (a máxima seriam três meses) prevista no Regulamento Disciplinar da FPF, no artigo 144. Aos clubes foi-lhes aplicada uma multa de 1 020 euros, conforme previsto no mesmo regulamento, no artigo 55.

Não é o valor da multa que mais preocupa Pedro Silva: «Nem é a multa, é mais pelo jogador, que no meio disto tudo é o menos culpado e leva um mês de castigo. Isso é que é de lamentar e isso é que podiam rever, porque eles sabem o que se passou, há uma atenuante. Que perdoem o jogador porque joga quando o mandam jogar.»

Para além destes clubes, houve mais dois que também perderam jogos por jogar com jogadores castigados, mas nestes casos houve um vencedor. O Loures foi punido numa partida em que a vitória foi atribuída ao Sacavenense e o Gondomar beneficiou do mesmo erro por parte do Amarante.

A FPF já respondeu ao recurso e manteve a decisão, por isso os clubes ficam sem os pontos conquistados e ficam para a história como os dois emblemas que jogaram um contra o outro e ambos perderam: «Os pontos foram para debaixo da mesa, não foram para ninguém. O que é que se pode fazer?», termina o vice-presidente Lúcio Cunha.