Reinaldo Ventura dispensa apresentações. Os seus 20 anos como profissional do FC Porto, recheados de golos e títulos, falam por si e colocam-no ao nível dos melhores jogadores de hóquei português e mundial. Entrou em 1989 nos «dragões» com 11 anos, aos 17 passou a profissional, foi o ídolo, o capitão, a referência azul e branca durante duas décadas, mas no final de 2014/2015 deixou a Invicta e rumou a Barcelos, numa das transferências mais marcantes do desporto nacional.

O FC Porto não quis continuar com o jogador no plantel e Reinaldo Ventura foi procurar a felicidade para outra casa, a segunda em 26 anos de hóquei. O histórico Óquei de Barcelos contratou o hoquista, que já cumpriu o seu principal objetivo para esta temporada: «voltar a ser feliz». É, inclusive, o melhor marcador do campeonato nacional, com 23 golos em 10 jornadas.

Curiosamente, o jogador foi muito feliz no seu primeiro duelo frente à antiga equipa, marcando quatro golos e assistindo para outro, num triunfo sobre o FC Porto por 5-4. Custou, assume, mas o profissionalismo está acima de tudo.

Com quase meia temporada completa, Reinaldo faz o primeiro balanço da nova aventura, para a qual só tem elogios: «Aceitei ir para lá porque tinha a noção de que iria ser muito bem recebido. Tem sido uma experiência muito gratificante».

Para além do assunto da transferência, e em mais um final de dia agitado na sua loja, ocupação que tem durante o dia, o campeão do mundo de 2003 por Portugal falou com o MaisFutebol sobre o clássico de sábado entre Benfica e FC Porto, que desde 1995 não era jogado sem o craque estar envolvido.

Alguém se lembra do último duelo entre «águias» e «dragões» sem o Reinaldo Ventura?


Para finalizar, o jogador deixa ainda uma certeza: «este não é o meu último ano».
 

Qual é o balanço que faz destes primeiros meses ao serviço do Óquei de Barcelos?
«
Para já está a correr bem, sobretudo a nível de resultados. [são o quarto classificado a um ponto do FC Porto e a sete do líder Benfica] Nós sabíamos que íamos ter uma primeira volta muito difícil, que ainda não acabou, mas temos vindo aos poucos a ultrapassar os nossos obstáculos e só perdemos pontos em casa de candidatos ao título, o que nos deixa muito satisfeitos. Tem sido engraçado e uma experiência gratificante.»

O balneário sente que pode fazer um «brilharete» e chegar a títulos?
«
Nós não temos o objetivo de ser campeões, o nosso objetivo é fazer melhor do que o Barcelos fez no ano passado [sexto lugar, com 46 pontos]. Se o conseguirmos iremos ficar muito satisfeitos. Sabemos que somos uma equipa de luta, de objetivo jogo a jogo, e nunca de objetivos longos e prolongados. Todos os jogos são para dar o nosso melhor e se o fizermos as outras equipas vão ter muita dificuldade em vencer-nos. No fim fazemos as contas.»

Sentiu a diferença de jogar pela primeira vez sem o símbolo do FC Porto no peito?
«
Sim, é normal. Como é que hei de explicar (risos)… É normal que no início haja um sentimento diferente. Eu vesti a camisola do FC Porto durante 26 anos e é natural que as pessoas olhem para mim e que me imaginem como sempre, no FC Porto. Eu tenho as duas faces, a face de adepto, porque continuo a ser adepto e a apoiar o meu clube, e tenho a outra face que é profissional. Agora estou noutro clube e estou a gostar imenso de jogar lá».

Quando saiu do FC Porto numa entrevista disse que já tinha sido insultado em Barcelos, mas que iria ser acarinhado. Assim foi?
«Os adeptos do Barcelos são ferrenhos, defendem o seu clube até à exaustão e era normal que isso acontecesse, da mesma forma como eles agora me apoiam a mim e aos meus companheiros de equipa. Eu já sabia que iria ser assim, por isso é que eu escolhi e aceitei ir para lá, porque tinha a noção que iria ser muito bem recebido. Temos um público fantástico, que nos tem empurrado para bons resultados. Sabia que seria uma aposta positiva porque iria dar um passo em frente naquele clube, que já teve momentos gloriosos e que procura voltar a tê-los.»



Já defrontou o FC Porto esta temporada. Foi a primeira vez que esteve do outro lado da barricada e venceu 5-4, marcando 4 golos e assistindo para o outro. Foi duro e estranho para si esse jogo?
«Foi, mas eu ali tinha que fazer o meu papel, que era ajudar o meu clube a vencer. Houve sentimentos contraditórios, antes e depois, mas durante nem pensar, nem eu poderia permitir que isso acontecesse. Como é lógico, nos momentos dos golos eu não festejei porque tenho uma divida de gratidão para todos aqueles que me apoiaram durante anos e nunca poderia festejar um golo de uma forma efusiva contra o FC Porto. Mas eu tinha de ser completamente profissional e devo isso a quem me contratou e quem me apoia agora. A vida de um profissional é mesmo assim.»

Este sábado joga-se o primeiro duelo em 20 anos entre Benfica e FC Porto que não terá o Reinaldo Garcia envolvido. Como é que vê a partida do lado de fora? Acha que os dragões podem sentir a falta de jogadores experientes?
«Acredito que a união que a equipa tem neste momento consegue disfarçar essa falta de experiência. Contudo essa falta de experiência, como se tem dito e eu concordo plenamente, é mais no bilhete de identidade porque de resto não. São jogadores habituados a jogar Campeonatos do Mundo e da Europa, finais da Liga dos Campeões e eu acredito que o jogo irá ser bastante equilibrado. O Benfica tem um ligeiro favoritismo por jogar em casa, por ir em primeiro e por saber que se perder o jogo não está nada perdido. O FC Porto tem o sentimento contrário: se perder fica um pouco mais longe de chegar ao título, mas acredito que tem mais do que capacidade para ir à Luz ganhar o jogo.»

Estes são os jogos que mais lhe deixam saudade?
«Saudades? Neste momento, estou a jogar no Barcelos e não tenho tempo para sentir saudades. Agora, são muitos jogos, muitos clássicos, tantas incidências, tantas histórias que é lógico que um dia mais tarde serão essas partidas que me virão mais à memória, é normal. É um jogo com uma envolvência própria, que envolve muita coisa: rivalidade e duas equipas candidatas ao título sempre. É um jogo único.»

E como é que vê o desenvolvimento da equipa do FC Porto sem si? Ou seja, o «ano zero» sem Reinaldo Ventura?
«Com muita alegria. Têm uma equipa fantástica, que dará muitas alegrias aos adeptos do FC Porto, com uma capacidade tremenda, muito bem orientada porque o treinador do Porto está a provar que é uma mais-valia e que é a pessoa correta para estar à frente desta equipa jovem. Sei que passaram uma fase mais complicada mas também é natural, já que foi a primeira vez que se estavam a assumir como equipa, em tão tenra idade. Com treinador novo, tudo novo, era normal que isto acontecesse, mas também acredito que quem tomou esta decisão estivesse à espera que isto sucedesse. Agora penso que eles tem equipa por lutar por todas as competições em que vão entrar.»

Aos 37 anos, ainda está «aí para as curvas». Não para de marcar golos, é o melhor marcador do campeonato. Já pensou quando vai terminar a carreira?
«Não sei, não posso dizer. Disse há bem pouco tempo que quem ia decidir o ponto final da minha carreira era eu e a única coisa que posso garantir é que, enquanto me sentir capaz, irei ajudar a minha equipa a conquistar o máximo de pontos possível. A partir do momento que sinta que não tenho capacidades eu próprio direi a quem de direito, mas para já não. Não vai ser o meu último ano, com certeza, porque me sinto capaz e a equipa está a render o suficiente para nós pensarmos em continuar este projeto.»

E se agora Benfica ou Sporting o tentassem contratar. Analisaria ou está fora de hipóteses?
«Sou profissional, completamente. As opções que nós tomamos em determinadas alturas da nossa vida são opções que nunca nos poderemos arrepender. Neste momento, estou no Barcelos e penso única e exclusivamente no clube. No futuro qualquer proposta que surja cá estarei para analisar. Mas sou muito feliz no Barcelos, que era o meu objetivo, era voltar a ser feliz a jogar hóquei e este ano estou a consegui-lo.»