Quando se fala nas bombas nucleares que caíram no Japão no final da II Grande Guerra, a ordem é sempre a mesma: Hiroshima e Nagasaki. Nunca o inverso. A ordem cronológica ditou que Hiroshima fosse sempre lembrada primeiro. Mas no plano desportivo, foi a cidade de Nagasaki a primeira a evidenciar-se. Tudo devido à incrível história do jogo de futebol americano realizado nos escombros da cidade. Ficaria conhecida como o «Atom Bowl».

O período natalício de 1945, poucos meses depois do fim da guerra, trouxe a nostalgia aos soldados americanos em Nagasaki, que quiseram algo que os «transportasse» de volta a casa. «Não estava lá para ver, o que sei vem dos relatos que li e das informações que chegaram aos dias de hoje. Ainda assim, a ideia de um jogo de futebol americano não foi para ser um pagode. Seria uma celebração simbólica. O desporto tem este poder, mesmo que desvalorizado, por vezes», afirmou Cesare Polenghi, em conversa com o Maisfutebol.

A história do jogo foi descrita como um mito até 2005, quando o jornal «New York Times» publicou um extenso artigo descrevendo o embate entre Nagasaki Bears e Isahaya Tigers, os nomes escolhidos.

«O jogo aconteceu a 1 de Janeiro de 1946. No dia seguinte saíram notícias sobre ele nos Estados Unidos. Quase ninguém acreditou. Pensaram tratar-se de uma forma de incentivo às famílias dos soldados», conta Polenghi.

Com cerca de 200 pessoas a assistir, entre militares, enfermeiras e sobreviventes japoneses, durante uns longos minutos, duas equipas esqueceram as agruras da guerra. Calcaram o terreno devastado pela bomba, construíram o campo com a madeira que foram encontrando e divertiram-se. Durante o tempo que durou o jogo não houve pensamento no futuro, receio da radioactividade ou de um reatar do conflito. Enquanto se jogou, a preocupação foi a bola, a próxima jogada, a vitória final. O desporto não venceu a guerra, mas, pelo menos, deixou-a para trás por momentos.

Hiroshima vs. Nagasaki: para quando?

Se em Hiroshima procurar vestígios de futebol no reerguer da cidade é tarefa árdua, em Nagasaki, tudo é bem mais simples: não havia. A prática futebolística surge, apenas, em 1985, com a criação do Ariake FC, antecessor do V-Varen Nagasaki, que milita, actualmente, no terceiro escalão japonês.

«A equipa precisa unir esforços e ficar mais identificada com a cidade. Se conseguirem subir à II Divisão, todas as histórias relacionadas com as bombas atómicas vão ser vistas e revistas pela imprensa local. Vão querer apresentar a equipa ao mundo e, já se sabe, quando se fala em Nagasaki, tem de falar-se da bomba de 1945», lembrou Stephen Ole, administrador de um site de apoio à equipa do Sanfrecce Hiroshima, que já antevê um duelo com a cidade vítima da mesma tragédia.

«As pessoas falam de Hiroshima e Nagasaki quase como se fossem a mesma cidade. Seria engraçado vê-las frente a frente num jogo de futebol. Não é muito provável, porque não estou a ver Nagasaki subir à I Divisão nos próximos seis anos e seria preciso um ano muito mau para Hiroshima descer. Se acontecer, liguem-me outra vez que eu conto-vos a história», brincou.