A morte do empresário italiano Umberto Panini, no último fim de semana, foi pretexto para sucessivas evocações da editora que em 1961 transformou duas paixões, o colecionismo e o futebol, num negócio global. Umberto, de 83 anos, era o mais novo - e o único sobrevivente - dos quatro irmãos de Modena que, partindo de uma pequena empresa de distribuição de jornais, decidiram capitalizar o apetite febril dos jovens italianos pelas figuras impressas de jogadores de futebol, até então distribuídas como brindes de rebuçados e chocolates.



O sucesso do primeiro álbum de cromos, relativo ao campeonato italiano de 1961/62, foi tal que obrigou à impressão de mais de 15 milhões de carteirinhas. Com o pelouro da parte industrial da empresa, Umberto deu-lhe o necessário empurrão tecnológico fabricando um empacotador automático que fez disparar a capacidade de resposta às solicitações.



Daí até 1988, a Panini diversificou interesses, alargando a oferta de colecionáveis a histórias infantis, filmes, séries TV, carros e motos. Mas tão ou mais importante foi a política de expansão internacional: coleções sobre campeonatos locais espalharam-se por diversos países europeus a partir da década de 70, com o sucesso assente em inovações, como a dos cromos passarem a ser produzidos em papel autocolante.



Foram as coleções relativas a Campeonatos do Mundo (a partir de 1970) e de Europeus (a partir de 1980) que tornaram a empresa na maior referência europeia para os especialistas, absorvendo, pouco a pouco, a concorrência interna nos países onde se instalava. Um estado de coisas que levou à sua aquisição, em 1988, pelo grupo Maxwell, que em quatro anos inverteu a tendência de sucesso, deixando a Panini em situação difícil. 

De volta a capitais italianos, em 1992, a empresa retomou rapidamente o rumo do sucesso, sendo adquirida em 1994 pela Marvel. Foi um passo decisivo para expandir o negócio: a Panini tornou-se distribuidora europeia dos «comics» norte-americanos da casa-mãe (e posteriormente da Disney, a partir de 2013), ao mesmo tempo que alargava as coleções de cromos e «trading cards» a desportos profissionais dos EUA, como a NBA e a NHL. Um verdadeiro potentado com mais de 600 milhões de euros de volume de negócios, com 12 filiais, 900 funcionários e produtos distribuídos em 110 países.

E, no entanto, nada do que os irmãos Panini fizeram nesse início dos anos 60 foi realmente inovador em relação ao que se fazia em Portugal.

Em Portugal, bem mais cedo

Muito antes de a Panini entrar em força em Portugal, algo que só aconteceu nos anos 80, já a tradição dos cromos (designação abreviada do processo de impressão chamado «cromolitografia») era uma fortíssima realidade, em especial na população escolar. O hábito já datava pelo menos dos anos 20, quando, seguindo exemplos vindos de Espanha, França e Itália, fábricas de doçaria passaram a embrulhar os seus produtos (caramelos, rebuçados, chocolates) em estampas temáticas coloridas. As imagens eram organizadas em coleções, dedicadas à história ou ao desporto, depois coladas em cadernetas desenhadas para o efeito.

Até aos anos 40, essa terá sido a única forma de difusão dos cromos: alavanca para a comercialização de outros produtos. Mas uma experiência de sucesso em Espanha, pela editorial Bruguera, permitiu perceber que os cromos tinham valor comercial intrínseco, passando a ser vendidos à parte em tabacarias e papelarias, em envelopes fechados. É provável que o nicho de mercado ainda não tivesse esse nome, mas não deixou de ser pressentido por dois empresários, Mário de Aguiar e António Dias que, em 1949, seguindo as pisadas do que era feito em Espanha, fundaram a Agência Portuguesa de Revistas.

A empresa começaria por editar publicações de grande impacto na vida cultural dos jovens, com destaque para o semanário «Mundo de Aventuras», de banda desenhada, e para a quinzenal «Plateia», sobre o mundo do espetáculo. Mas rapidamente as coleções de cromos, com temas de História de Portugal, de aventuras, ciência ou desporto, se tornaram um dos principais pilares do negócio.

O sucesso das primeiras colecções fez despertar a concorrência. Editoras como a Íbis e a Disvenda juntaram-se à APR e, ao longo das décadas de 50 e 60, a comercialização de cromos e, particularmente, de cromos do futebol, tornou-se um negócio de sucesso, a exemplo do que também acontecia em Espanha.

A Panini arrancou apenas em 1961 com a sua coleção sobre o campeonato italiano, mas em Portugal, não contando com as famosas colecções dos rebuçados, a primeira coleção de venda autónoma remonta ao Campeonato de 1955/56, datando do mesmo ano uma outra coleção com todos os internacionais que tinham representado a seleção portuguesa.



E se a Panini jogou a cartada global pela primeira vez no Mundial de 1970, é justo referir que tanto a Agência Portuguesa de Revistas como a Íbis lançaram, em 1966, coleções destinadas a assinalar a primeira presença de Portugal em Campeonatos do Mundo, a exemplo do que também já era feito em Espanha nas grandes ocasiões. E, no final da década de 60, lançaram-se também algumas coleções com os principais jogadores das equipas participantes na Taça dos Campeões Europeus, antecipando o que se tornou prática corrente a partir dos anos 90, na era Champions.

Faltou, nessa altura, aos editores dos países ibéricos, especialmente espanhóis – a produção própria em Portugal era limitada, e muito condicionada por adaptações vindas do país vizinho – a mesma capacidade de internacionalizar o mercado e fazer o licenciamento dos seus produtos em outros países, uma realidade para a qual terá contribuído o contexto de isolamento político internacional.

A partir dos anos 70, mesmo com os cromos de futebol firmemente implantados nos rituais escolares, as editoras nacionais entraram em crise, abrindo caminho à chegada do grande tubarão italiano. Com ele, chegava também uma imbatível variedade de produtos, de promoção mediática, e também de meios tecnológicos, de que é exemplo a criação das coleções virtuais, na primeira década do século XXI. A morte do último dos seus fundadores, em Modena, vira a derradeira página com dimensão familiar nesta metáfora para a globalização.