Se uma equipa abdica dos melhores jogadores, faz um plantel de miúdos e contrata reforços que nem podem jogar, e se essa equipa vai a caminho de bater todos os recordes negativos da história, isso é o quê? Na NBA tem um nome: tanking. Não é novidade, é uma estratégia de equipas mais fracas para baixarem o nível e subirem as possibilidades de conseguirem boas escolhas no draft. Mas os Philadelphia 76ers estão a levar o conceito a um novo patamar. E a levantar muitas questões.

A derrota com os Dallas Mavericks por 110-103, na madrugada deste domingo, foi a 16ª da época, em 16 jogos. O pior arranque da história da equipa, a duas derrotas de igualar o pior de sempre da NBA: 0-18, que pertence desde 2009/10 aos New Jersey Nets. Nesta altura, o cenário mais provável é que batam o pior registo absoluto de sempre: apenas nove vitórias numa época regular, que aliás é precisamente da equipa de 1972/73 dos 76ers.

Mas foi diferente. «Aquilo não foi planeado. Isto é planeado», resume numa reportagem do «New York Times» Dan Norfleet, adepto dos 76ers que tem por função orientar os espectadores, na estação mais próxima do Wells Fargo Center. E que conta como os adeptos andam desiludidos. Se antes lidava com grandes multidões, agora chega a andar com bilhetes para oferecer a quem quiser ir ver os jogos dos 76ers, ingressos que lhe são oferecidos por detentores de bilhetes de época que não estão interessados em assistir a mais uma derrota.
 

Se os adeptos desesperam e o estranho caso dos 76ers se tornou pretexto para piadas, muitos questionam se isto não está a colocar em causa a integridade da competição. O mesmo artigo do NY times, de William C. Rhoden, resume a questão assim: «O futebol tem resultados viciados. A NBA tem o tanking. Não estão na mesma sala, mas partilham um edifício. No futebol, às vezes os resultados são pré-combinados. Na NBA, ia dar ao mesmo se fossem. Em qualquer dos casos, um dos lados não dá o seu melhor, e espera que ninguém repare.»

Ninguém assume o tanking. Nem o treinador Brett Brown, um antigo adjunto de Gregg Popovich, o técnico dos campeões San Antonio Spurs, nem a equipa. Aliás, a generalidade dos analistas também defende que não é por aí que passa o tanking. A questão não é se a equipa se esforça ou não: simplesmente é tão fraca que não dá para mais.

Brett Brown vai alimentando o discurso de que as coisas um dia vão mudar, mas também já deixou escapar alguns desabafos de desespero. «É como água a cair-nos em gotas sobre a testa, e não temos onde nos esconder», disse depois da derrota por 123-70 com os Dallas Mavericks.

A atual referência da equipa, o jovem Michael Carter-Williams, que vai no segundo ano na NBA e na época passada até foi eleito Rookie do Ano, destacando-se entre a mediocridade que foi a temporada dos 76ers, nem quer ouvir falar nesta conversa. «Para chegar à NBA, temos de ser loucamente competitivos. Quando era suplente no meu ano de caloiro em Syracuse, ficava até tão tarde no ginásio a treinar que tinha de ligar os dedos para não sangrarem», disse, numa crónica que assinou no site Players Tribune: «Podem questionar os meus lançamentos, podem questionar a minha elevação. Mas não questionem se estou a dar o máximo a cada noite. Não me falem em tanking.»

Nada disto parte dos jogadores. É estratégia.

Desde a sua última presença numa final, em 2001 numa equipa com Allen Iverson e orientada por Larry Brown, os 76ers entraram num período de instabilidade. Os resultados eram medianos e, no meio deste processo, a equipa mudou de dono: em 2011 foi adquirida por uma empresa de investimentos, liderada por Joshua Harris.

Pouco depois de chegar, Harris assumiu que não queria uma equipa de meias-tintas, que acabasse a época regular «com 41-41», igual número de vitórias e derrotas. Em 2012 os 76ers ainda chegaram aos play-off, na temporada seguinte fizeram algumas apostas mas uma série de lesões traduziu-se numa temporada medíocre. Então, os responsáveis pelos 76ers decidiram avançar para aquilo a que chamaram «rebuilding», reconstrução.

Na prática, o termo é um eufemismo para o que está a acontecer: desvalorizar a equipa, de modo a que ela se torne tão fraca que os resultados a coloquem no topo das candidatas às melhores escolhas do recrutamento de jogadores universitários que acontece todos os anos. É uma forma de tentar dar a volta a um plantel, aliada à saída de jogadores mais caros, para permitir controlar o teto salarial. O passo seguinte pode ser contratar jogadores já feitos, ou apostar no draft.

A forma como o recrutamento de jogadores funciona potencia este comportamento. Aliás, ele foi pensado precisamente para beneficiar as equipas mais fracas, para garantir algum equilíbrio no campeonato. É um sorteio condicionado em que entram as 14 equipas que não se apuraram aos play-off, com uma ponderação que dá à pior equipa da época regular anterior 25 por cento de hipóteses de ter a primeira escolha. A segunda pior tem 20 por cento, e por aí fora. O sorteio define as equipas que terão as três primeiras escolhas.

E que faz a NBA? Bem, a Liga já tentou esta época mudar a fórmula de ponderação do draft, precisamente para tentar responder a casos como o dos 76ers. Em outubro, foi a votos uma alteração que precisava de ser apoiada por 23 equipas para passar. Chumbou, com 17 votos a favor e 13 contra. A proposta era que as quatro piores equipas passassem a ter hipóteses iguais de conseguir a primeira escolha, na ordem dos 11 por cento.

Adam Silver, o comissário da Liga, diz que nada pode fazer. «Querem que a Liga intervenha e faça o quê? Eu penso que, no limite, as decisões sobre como estruturar um plantel e planear o futuro são da direção e dos donos das equipas, e terão de viver com essas decisões. A direção da NBA não tem uma bala dourada para isto», afirmou esta semana, semanas depois de outra declaração mais ou menos no mesmo sentido, ao NY Times: «Nenhuma equipa entra em campo para perder. Aquilo a que às vezes se chama tanking na nossa Liga deve, a meu ver, ser melhor descrito com reconstrução.»

De caminho, alertava para os riscos de uma abordagem destas: «Preocupa-me a ideia feita de que acabar em último representa o único caminho fiável para para algumas equipas construirem um plantel vencedor. O draft está estruturado para ajudar as equipas com piores registos, mas é um sistema imperfeito. Na verdade, muitas primeiras escolhas não transformam as equipas.»

Várias equipas fizeram este tipo de gestão ao longo dos anos. Mas nunca como os 76ers. Na época passada, a política traduziu-se numa temporada para esquecer: 19 vitórias e 63 derrotas, incluindo 26 jogos seguidos a perder, que igualaram um recorde negativo da NBA. E esta época a administração dos 76ers, liderada desde 2013 por Sam Hinkie, um analista que tinha antes trabalhado com os Houston Rockets, radicalizou a abordagem.

Os 76ers optaram no draft por dois jogadores que na prática não contam. Um deles é o poste Joel Embiid, que tem um pé partido e enfrenta longa paragem. O outro é o croata Dario Saric, que joga na Turquia e acaba de renovar contrato, pelo que irá ficar pelo menos mais um ano na Europa. O plantel é constituído, enumera o NY Times, por quatro rookies, três jogadores de segundo ano, dois com mais de dois anos de experiência na Liga e dois veteranos, Luc Mbah a Moute e Jason Richardson, lesionado.

O resultado é o que se vê. Derrota atrás de derrota. Algumas delas com contornos inacreditáveis. Como frente aos Houston Rockets. Os 76ers tinham três pontos de vantagem a menos de um minuto do final. Quando Brett Brown faz isto: pontapeia a bola, cede uma falta técnica e os Rockets ganham três lances livres.
 



Estamos a falar de uma das mais antigas equipas da NBA. Os 76ers foram duas vezes campeões (três, se contarmos com a sua antecessora, os Syracuse Nationals), teve estrelas globais como Wilt Chamberlain, Julius Erving, Moses Malone ou, mais recentemente, Allen Iverson.

Larry Brown, um dos treinadores históricos da NBA, que orientou os 76ers entre 1997 e 2003, foi uma das vozes que se levantou contra o que se passa. «Detesto o que se está a passar em Filadélfia. Não têm uma pessoa do basquetebol na organização. Faz-me náuseas», disse ao «Philadelphia Inquirer».