José Mourinho, o «melhor treinador do Mundo». A frase já foi mais popular, mas ainda se ouve e lê por aí.

Em Portugal, certamente. Em Itália, sobretudo em Milão, ainda muito. Em Londres, sempre. Bem menos em Espanha, claro. Mas o tempo tem sido amigo do tal «julgamento da história» para José Mourinho em Madrid. 

Apenas quatro meses depois da saída do técnico português, já serão muitos os que, no Bernabéu, suspiram por Mou.

O arranque do Real de Ancelotti está longe de ser convincente. Vitórias à queima, e nos últimos minutos, com equipas muito inferiores no nome.

E uma clara sensação de que, se não fosse um CR7 em grande forma (onde estaria Blatter com a cabeça? valham-nos as reações do presidente da FPF e do próprio Ronaldo, que levaram o líder da FIFA a pedir desculpa), a desvantagem dos «merengues» para Barça e Atlético de Madrid poderia ser ainda maior.
   
Talvez ainda seja cedo para traçar a verdadeira história da saída de Mourinho no Real. O ambiente de conflito que marcou os últimos meses manchou a autoridade de Mou e é certo que a última impressão pode ser a que fica.

Mesmo com os elogios de Florentino em todo o percurso de Mourinho como treinador do Real («temos o melhor treinador do Mundo», «Mourinho está a fazer um grande trabalho», «a imagem do Real melhorou com Mourinho nestes três anos»), a verdade é que a «guerra» com Casillas e declarações posteriores de jogadores como Benzema, Pepe ou até Cristiano Ronaldo sinalizam um problema grave na ligação do treinador com o balneário dos «blancos», sobretudo na terceira época.

A forma como os adeptos do Real se despediram de Mou, no encontro com o Osasuna (vitória por 4-2, final da época passada, em junho) é a melhor prova desta balanço um pouco esquizofrénico: muitos aplaudiram e agradeceram; outros (menos) cantaram um provocador e agressivo «até nunca mais».
 

Recorde a despedida agridoce de Mourinho aos adeptos do Real:



Mas a comparação rapidamente começa a ajudar a pôr as coisas em perspetiva. E fica fácil perceber que o técnico português foi, de longe, quem colocou o Real Madrid mais perto do Barça e de um regresso ao topo europeu, entre os treinadores que o Real Madrid teve, pelo menos, na última década. Talvez pudéssemos ir mais longe. E para recuar aos anos em que o Real somava títulos europeus, então é mesmo preciso chegar aos idos de 60 do século passado.


«Sou o treinador do melhor Real da história»
(José Mourinho, quem havia de ter dito isto?)

Mourinho venceu uma Liga (perante um Barcelona de Guardiola que, para muitos, terá sido a melhor equipa de clube de todos os tempos) e fê-lo somando 100 pontos e marcando 121 golos. Ganhou ainda uma Taça do Rei (isso, também ao Barça) e uma Supertaça espanhola.

«Sou o treinador do melhor Real da história», considerou, sem rodeios, o treinador nascido há 50 anos em Setúbal, filho de um antigo guarda-redes de Belenenses e V. Setúbal, nas décadas de 60 e 70.

Em três anos, levou o Real por três vezes às meias-finais da Champions: talvez seja pouco para a história de títulos europeus do Real, mas certamente muito, se olharmos para os registos na década anterior dos merengues na Champions.

O Real Madrid é sempre candidato ao título europeu? Certo. Mas a verdade, nua e crua, é que os «blancos», nove vezes campeões europeus, buscam «La décima» há 11 anos, desde que bateram o Bayer Leverkusen, por 2-1, na final da Champions de 2002.


«Isto com Mourinho não acontecia»
(Adeptos do Real, após a derrota em casa com o Atlético Madrid)

O tal «julgamento da história» já absolveu Mourinho no «tribunal do Bernabéu»? Não completamente. Mas que os sinais estão lá, isso estão.

Há um mês, após a derrota em casa frente ao Atlético Madrid, vários adeptos «blancos» cantaram por José Mourinho. E a frase «isto com Mourinho não acontecia» foi muito repetida.

As dúvidas sobre se Ancelotti é mesmo o treinador certo para recolocar o Real Madrid na rota dos grandes títulos aumentaram depois de uma exibição decepcionante na primeira parte do superclássico (com o técnico italiano a «inventar», com CR7 a ponta-de-lança, Sergio Ramos a médio e um Gareth Bale ainda em claro subrendimento).

Mou, 1-Ancelotti, 0  

O problema de Mourinho em Madrid não foi, propriamente, com os adeptos.

Os mais fiéis, os que têm lugar anual, continuam a achar que José não devia ter ido embora e que foi mesmo o melhor treinador do Real desde os tempos dos títulos europeus seguidos, da década de 60.

O «
problema Real» de Mou foi com a «inteligentsia» (às vezes muito pouco inteligente…) de Madrid.

O seu sucessor, Carlo Ancelotti, é visto em setores madridistas como um «protegido de Florentino». A milionária contratação de Gareth Bale foi menos consensual do que a de CR7 ao Manchester (ou como a de Figo, há 13 anos) e muitos, no Bernabéu, consideram que Mourinho nunca se bateria por aquela opção tão cara.

A forma dececionante como o galês se mostrou no seu primeiro superclássico foi uma derrota pessoal para Ancelotti.

A derrota em Barcelona mostrou outro ponto preocupante para o técnico italiano: enquanto no Barça o dia menos bom de Messi foi compensado com um super Neymar, do lado do Real não há uma alternativa convincente a CR7.

Pois é: afinal, «Mou» até podia ter razão em quase tudo.


«Os jogadores ganham jogos, mas são os plantéis que ganham títulos»
(José Mourinho)

Mas Madrid é passado para o melhor treinador português de todos os tempos.

Em dia em que completou 200 jogos ao comando do Chelsea, no encontro com o Arsenal para a Taça da Liga, José Mourinho vive ainda uma espécie de «segunda lua-de-mel» com Stamford Bridge.


Recorde a receção de Mourinho no regresso a Stamford Bridge:




No regress o ao Chelsea, e ainda na ressaca de meses finais muito crispados no Bernabéu, José Mourinho disse ter voltado ao lugar onde se sente melhor e declarou uma mudança: tinha deixado de ser o «Special One» (aquele que, em 2004, chegava aos Blues como o jovem técnico que acabara de conquistar a Europa com o F.C. Porto), passou a ser o «Happy One». 

Percebe-se o sentido da transformação, mas ela ainda está por confirmar: o Chelsea é claramente candidato ao título inglês (mostra futebol para isso), mas ainda procura atingir o ponto ideal.

E depois há um claro risco de «choque de expetativas» (nada de citações ao primeiro-ministro): há quase uma década, Mourinho tinha tudo para ganhar no Chelsea. Deu aos «blues»  duas  Premier League e criou com os adeptos do clube londrino uma relação duradoura, que agora se refez. 

Mas, entretanto, o Chelsea foi campeão europeu, ganhou uma Liga Europa, atingiu outro patamar. O risco de não chegar onde os adeptos exigem é maior.

Mesmo assim, há coisas que ficam. Como o gesto de apoio a Azpilicueta, uma espécie de patinho feio do plantel do Chelsea, de quem ninguém gosta particularmente: «Espero que o respeitem e gostem dele tanto como eu. Os jogadores ganham jogos, os plantéis ganham títulos. Sou um treinador sortudo por ter o César». 

Nem de propósito: o espanhol retribuiu o apoio do técnico com o  primeiro  golo do triunfo no  Emirates , frente ao  Arsenal.  

Por essas e por outras, Didier Drogba, hoje no Galatasaray, talvez o exemplo máximo do espírito «Chelsea de Mourinho I», disse do técnico português: «Será sempre o meu «boss». Por ele, vou até ao fim do Mundo».

Ainda está por confirmar que Mourinho seja sempre o «Happy One» nesta experiência Chelsea II. Mas em Stamford Bridge, José será sempre «special». Sempre.


«Nem de propósito» é uma rubrica de opinião e análise da autoria do jornalista Germano Almeida. Sobre futebol (português e internacional) e às vezes sobre outros temas. Hoje em dia, tudo tem a ver com tudo, não é o que dizem?